Ao seu dispor
De Lucca Fróes
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Ao seu dispor - Lucca Fróes
Apresentação
O que escrever tem de prazeroso, tem de desafiador. Ora a inspiração não vem, ora não há tempo, ora não há disposição. Para lidar com essas situações, nada melhor do que ter o compromisso de escrever um texto completo toda semana: essa era a proposta do Clube dos Sete, um blog literário que criei com outros seis autores, no qual cada um tinha um dia cativo
na semana para suas publicações. A obrigação de escrever, pasmem, produziu textos variados e bastante interessantes, muitos dos quais estão reunidos neste livro. A ideia do Clube, hoje inativo, era a de criar um movimento literário genuinamente baiano, com o frescor da juventude e livre de tecnicismos, o qual batizamos descompromissadamente de Dendeísmo
, em uma ladina referência dupla. A concretização deste livro é, além de uma importantíssima realização pessoal, um grito de salve a esses outros autores e a esse movimento, que, quero crer, está apenas começando.
Ao seu dispor é uma coletânea de textos cujo tema e cujas inspirações são sortidas, imprimindo no papel veias dramáticas, angústias pessoais, mas sem deixar de lado o bom humor. É uma teia de características na qual procuro construir personagens complexos, interessantes, cujos dilemas suscitem reflexões, afinal, uma das principais funções da literatura é a de cutucar egos, lembranças, convicções, enfim, bagunçar a mente de quem lê, pois é na bagunça que se constrói.
Nada mais posso fazer senão desejar boa leitura, e, com o perdão do trocadilho, colocar-me ao seu dispor para dúvidas, sugestões, queixas, ou, quem sabe?, elogios.
Noite na Cozinha
Subia pouco ao andar de cima. Morando numa suíte, cuja porta ficava a talvez uns dois metros da entrada da cozinha, raramente sentia necessidade de subir, e, de fato, subia pouco. Todos os outros habitantes da casa – tio Eduardo, tia Regina, primos Breno e Diana – moravam em cima, do que se conclui que lá era o território deles, e, embora não me fossem estranhos e de forma alguma meu acesso lá fosse vedado, subir seria sair de meu espaço, de meu país, meu querido andar térreo deserto e frio, exceto pelo movimento ocasional e sempre alternado de habitantes da casa na cozinha, foco de reuniões casuais pela madrugada. Daí que tínhamos um distrito comum – a cozinha – e dois países: o térreo, aquela nação árida cuja população se concentra numa capital razoavelmente respeitável, porém visivelmente decadente e modorrenta, e o primeiro andar, um país moderno, populoso, onde as coisas acontecem. Enfim, disso tudo o que pretendo resumir é que eu subia pouco ao andar de cima.
Certa vez, inventei de fazer um café já depois das onze da noite. Estava anormalmente elétrico, embalado por uma noite recheada de futebol e muitos ganhos com apostas esportivas, e, sem olhar o relógio, dei-me ao trabalho de esquentar água, jogar o pó a fim de cozinhar o café, coar a mistura e beber. Eis que surgiu Breno, de olhos vermelhos, entrando na cozinha sem dizer palavra e abrindo a geladeira, escavando-a sem pena para arrancar uma água com gás que eu nem imaginei que existisse por ali.
- Sem sono? – perguntou.
- Nunca fui de dormir cedo – respondi, com um meio sorriso. – Estava fazendo umas apostinhas no futebol, estou sem sono nenhum.
Ele estava surpreso.
- Você aposta? Eu também estava jogando agora – ele riu. – perdi trinta reais no jogo do América.
Disposto que estava e incentivado pelo café, comecei a perguntar-lhe sobre suas táticas, em que havia jogado, quanto aplicava, como fazia. Conversávamos muito sobre futebol, às vezes ele me chamava para ver notícias sobre algum campeonato obscuro, normalmente do leste europeu ou da África. Mas, mesmo depois de um ano morando na mesma casa, nunca um soube que o outro apostava, até aquele momento. Bom, a conversa engrenou, ele aceitou tomar o resto do café, e talvez meia-noite e meia ou uma hora da manhã, tio Eduardo apareceu em seu velho roupão – ah, até no roupão ele soava acadêmico! – e nos brindando com um olhar meio lampeiro, meio desconfiado.
- Fazendo o que a essa hora, jovens? – perguntou. – Tomaram café ainda? Não vão dormir tão cedo.
Era curioso ouvir essa meia-queixa dele, sendo que era provavelmente o mais notívago de todos os moradores da casa. Totalmente atrapalhado com as tarefas de escritor, professor, dono de casa e colunista político de um jornal qualquer, tinha o relógio totalmente desregulado, ora dormindo cedo e acordando no meio da madrugada, ora passando a noite em claro e caindo num sono pesado ao amanhecer. Não era incomum que eu o ouvisse batendo panelas na cozinha precisamente no horário em que descera naquele dia.
Bom, foi o que ele havia exatamente ido fazer: improvisar uma refeição noturna. Enquanto eu e Breno terminávamos o café, ele se dedicou a descongelar feijão, e Breno decidiu ir dormir. Óbvio que a cafeína não o deixaria fazê-lo e que ele passaria mais uma hora e meia ou duas surfando na Internet, ou jogando, ou se dedicando a escrever um livro sobre um futuro cyberpunk distópico do qual eu ouvia falar há meses