Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Trilhas
Trilhas
Trilhas
E-book72 páginas1 hora

Trilhas

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Trilhas conta a história de Ana Estrela, uma menina órfã, que evita ser adotada a qualquer custo por outra família, enquanto procura pelos pais biológicos. Com o fechamento do orfanato onde mora, ela acaba adotada por um casal do interior, os Soares. Ana acostuma-se com a vida na fazenda e a ter os barões de Riacho Seco como os seus pais. Até que novas revelações, descobertas a partir dos diários da falecida matriarca da família, fazem com que ela questione os adotantes sobre o seu passado. Drama e emoção em uma história cheia de mistérios, ausências e procuras.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento5 de out. de 2022
ISBN9786500305067
Trilhas

Relacionado a Trilhas

Ebooks relacionados

Ação e aventura para crianças para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Avaliações de Trilhas

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Trilhas - Mailson Ramos

    — CAPÍTULO UM —

    Uma trilha a mais

    A Belina Del Rey 1989 andava aos solavancos na estrada de terra batida, com o motor engulhando uma gasolina de péssima qualidade que jazia no tanque havia pelo menos um mês. A caranga desconjuntada parecia se desarticular ainda mais com as imperfeições da estrada, os pedregulhos e os bancos de areia. Subia com sofreguidão as colinas, soltando baforadas de fumaça, tossindo nuvens negras que espantavam as aves pelo caminho; nas descidas quase planava, sozinha no meio do nada, sacudindo em menor grau os seus parafusos soltos e a lataria sem soldas. Era cedo e fazia frio. As baixadas nebulosas escondiam árvores grandes, que eram notadas apenas pela copa, a flutuar fantasmagóricas sobre o nevoeiro. O chão parecia úmido, mas era apenas resultado de uma noite de bruma. O orvalho ainda pingava das folhas em gotas cintilantes. A estrada seca era um indicativo que não chovia há muito tempo naquela região. E, aos poucos, o sol foi iluminando a vegetação do semiárido que jazia escondida sob o branco véu da neblina. Primeiro apareceu uma gramínea seca, amarelada, umedecida pelo orvalho que caíra na noite anterior; depois o sol foi arrastando o véu para as taperas, desnudando um relevo de terra avermelhada, coberta por malvas secas e arbustos retorcidos. Quando o nevoeiro se foi, sobrou apenas a paisagem da caatinga, com a prevalência de cores amareladas e mortas. A exceção era um flamboiã que tingia de vermelho a frente de uma casa velha, destacando-se entre angicos desfolhados e umbuzeiros cinzentos.

    Irmã Celeste ligou o rádio. Entre uma estação e outra, parou na voz grave e maviosa de um locutor que falava do amanhecer no sertão, com uma viola tocando ao fundo. A freira olhava o tempo. O vento impiedoso que entrava pela janela do carro causava-lhe arrepios. Ela usava um lenço na cabeça para proteger-se do frio e já havia trocado as lentes dos óculos de descanso por lentes escuras. Tinha por volta dos quarenta e cinco anos. A pele do rosto era macia e limpa como a de um bebê. Os cabelos eram tão negros como as penas de um anu. Diziam pelos cantos que ela os pintava, mas pareciam tão naturais que ninguém se atrevia a falar em voz alta o que poderia soar como uma calúnia. Pouco saía do convento. Por um bom motivo, aquela era a terceira vez que rompia a clausura. Carregava consigo a última adolescente do Orfanato Santa Luzia, que havia sido fechado por falta de doações. O convento era mantido por um casal que vivia no interior do estado. Após passarem por uma crise financeira, eles resolveram cancelar a ajuda, de modo que todos os órfãos foram colocados em uma fila de adoção. A última órfã foi justamente adotada por esse casal. Ela vinha no banco de trás da Belina, envolvida em um lençol de lã, agarrada a um cachorro vira-lata de quem não se desgrudava um só minuto e do qual não se conhecia sequer o nome.

    Ana Estrela tinha treze anos e uma história de descaminhos e incertezas que fizeram dela a órfã mais famosa daquele lugar. Oito casais a haviam rejeitado. Ela era conduzida pelas freiras até o seu destino e acabava retornando ao orfanato, tempos depois, levada pelos próprios adotantes ou quando não fugia por conta própria. Todos eles diziam a mesma coisa: ela era maquiavélica. Como uma serpente se esgueirava por entre o casal, descobria as suas fraquezas e atirava marido contra mulher, minando assim as condições básicas para a adoção. O motivo não se sabia ao certo. Conversas e mais conversas com as freiras e os psicólogos não retiraram da boca da menina Ana uma só razão; do orfanato ela não gostava, isso era certo. Então, por que voltar ao ponto de origem? Por que não se encaixava em nenhuma família? O que queria com aqueles ardis? Um dia confessou aos murmúrios à abadessa, Madre Augusta, que queria encontrar os seus pais biológicos. Que só descansaria quando os conhecesse. Garantiu que enquanto tivesse vida não cessaria aquela procura. Foram os murmúrios mais altivos que a religiosa ouviu em toda a sua vida. Antes por piedade e depois por perspicácia, a superiora fez com que a menina entendesse a realidade da sua vida antes que fosse tarde demais:

    — Então é isso? Meu Deus… Entendo a sua aflição, minha filha. Mas quando você foi deixada na porta deste convento, ainda bebê, não ficou nenhuma pista sobre quem eram os seus pais. É duro dizer isso, mas é quase impossível que eles sejam localizados. O nosso esforço é para que você tenha uma boa família, pai e mãe devotados à sua criação e educação. Gente que possa lhe oferecer muito amor e carinho.

    — Não aceito.

    — Você não aceita o amor e o carinho? Uma família? Possibilidade de estudar, crescer, casar-se e ter uma carreira de sucesso? Não aceita nada disso? Simplesmente porque acredita que vai encontrar os seus pais? Me diga: por onde vai começar a procurá-los?

    A menina permaneceu em silêncio, apegada ao cachorro.

    — Este é o fim da estrada, menina. Infelizmente, não podemos mais manter o orfanato. As crianças estão

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1