Clepsydra: Poemas de Camilo Pessanha
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Sobre este e-book
Fernando Pessoa
Um século depois da primeira edição, Clepsydra, de Camilo Pessanha, obra marcante do simbolismo português e fonte de inspiração para a geração de Orpheu, ganha, nesta edição, um retorno à intenção de organização do autor, baseada numa lista, inédita, com a caligrafia de Pessanha que ordenaria a edição dos seus poemas.
Esses poemas circularam em manuscrito entre os amigos e eram «muito conhecidos, e invariavelmente admirados, por toda Lisboa», como escreveu Pessoa. A publicação teve lugar em 1920, revelando, como jurou Jorge de Sena, «um dos mais extraordinários artistas que em nossa língua haja escrito». Da sua poesia, prossegue Sena, deve realçar-se «a natureza reticente e delicadíssima» ou «a transposição quase mallarmeana dos factos, aliada a uma quebrada melancolia do dizer, que só tem paralelo em Verlaine».
Liberta de falsas emoções, ciente da passagem do tempo, aceitando lucidamente a realidade da vida e da morte, esquiva a todo o sentimentalismo, a sua poesia é, diz Sena, «um puro milagre de murmúrio rigorosamente verbal, cuja alada forma a língua portuguesa nunca tivera e não tornou ainda a ter».
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Clepsydra - Camilo Pessanha
Índice
Nota Prévia
Poemas de Camilo Pessanha
Eu vi a luz em um país perdido.
Chorai arcadas,
Na cadeia os bandidos presos!
Depois da luta e depois da conquista
Se andava no jardim,
Voz débil que passas,
Paisagens de inverno
I
Ó meu coração, torna para trás,
II
Passou o outono já, já torna o frio…
I
Desce em folhedos tenros a colina:
II
Esvelta surge! Vem das águas, nua,
Vénus
I
À flor da vaga, o seu cabelo verde,
II
Singra o navio. Sob a água clara
Quem poluiu, quem rasgou os meus lençóis de linho,
I
Imagens que passais pela retina
II
Quando voltei encontrei os meus passos
Lúbrica
Madrigal
Soneto de gelo
I
Tenho sonhos cruéis: n’alma doente
II
Encontraste-me um dia no caminho
III
Fez-nos bem, muito bem, esta demora:
Desejos
Crepuscular
?
Estátua
Ó Madalena, ó cabelos de rastos,
Ao meu coração um peso de ferro
Depois das bodas de oiro,
Meus olhos apagados,
Quando?
Queda
I
E eis quanto resta do idílio acabado,
II
Floriram por engano as rosas bravas
Foi um dia de inúteis agonias,
Fonógrafo
Vida
San Gabriel
I
Inútil! Calmaria. Já colheram
II
Vem conduzir as naus, as caravelas,
Viola chinesa
Ao longe os barcos e flores…
A boémia não morreu.
Rosas de inverno
Em um retrato
Desce enfim sobre o meu coração
Porque o melhor, enfim,
Rufando apressado,
Tatuagens complicadas do meu peito!
Branco e vermelho
Enfim, levantou ferro.
Cristalizações salinas,
Nesgas agudas do areal
I (ou II)A miragem
Parei a cogitar. No meu cabelo
II (ou I)Transfiguração
Estrela do Pastor, – sol que me escuda!
Ó Terra doce e boa,
Um fio a desdobar, que não termina,
Ó cores virtuais que jazeis subterrâneas,
Traduções de Camilo Pessanha
Elegias Chinesas
I
Ascensão ao Miradoiro do Kiang (1)
II
À Noite, no Pego-dragão (5)
III
Sobre o terraço (9)
IV
Em u-ch’ang (14)
V
Evocações do Passado
VI
Fantasia da Primavera
VII
Soledade (28)
VIII
Queixume das Esposas do «Hsiang» (33)
Legenda Budista
Vozes de outono
Chon-kôc-chao
Provérbios Chineses
Nota Prévia
Comemorou-se, em 2020, um século da primeira edição do livro de poemas de Camilo Pessanha. Esta edição procura assinalar o encerramento dessas comemorações e apresentar aos leitores os ecos desse livro. Um eco incerto, indecidível. Um eco feito livro. Um eco em relógio de água – Clepsydra . Versos que marcam o tempo, como indício indelével dum poeta tornado mestre, num livro feito missal. Clepsydra – único livro de poemas de Camilo Pessanha (o poeta-mestre) – é um texto incerto, ainda hoje misterioso, um texto que, por culpa da abulia do próprio Pessanha, que confiava os seus poemas a terceiros, é impossível fixar definitivamente. A vitalidade do texto acaba por resultar numa sequência de trabalhos editoriais críticos a partir de 1994: Paulo Franchetti, em 1994 (no Brasil) e 1995 (em Portugal); Barbara Spaggiari, que já em 1983 publicara uma edição em Itália, publica nova edição crítica em 1997; em 2000, o ensaio de edição de Gustavo Rubim; António Barahona, na qualidade de poeta, leva ao prelo a sua edição da Clepsydra em 2003; por fim, em 2004, na sequência do achamento do exemplar da Centauro que pertencera a Pessanha, e por ele corrigido, Carlos Morais José e Rui Cascais editam A Poesia de Camilo Pessanha .
Em todos eles existe uma preocupação filológica em justificar a forma como ordenam os poemas no livro: Franchetti, à excepção dos poemas chamados «Inscrição» e «Final», ordena-os cronologicamente; Spaggiari faz tal qual a edição de 1920 e ordena os outros poemas, também, em sonetos e poesias; Rubim, com base em argumentos hermenêuticos e factuais (a lista de poemas ordenados, encontrada na Biblioteca Nacional por Franchetti), faz uma reconstrução do «livro de areia» e ordena-os tematicamente; Barahona faz aquilo a que chama, «reedição poética» da Clepsydra de 1920. A edição macaense agrupa as composições da edição de 1920 em sonetos e poemas. As outras, cronologicamente.
Aceito, com os mesmos argumentos de todos os outros editores, a colocação dos poemas «Eu vi a luz em um país perdido.» e «Ó cores virtuais que jazeis subterrâneas,» no início e fim do livro, respectivamente. Julgo que essa escolha seria de facto da responsabilidade de Pessanha: o primeiro por suposição hermenêutica, o segundo por registo documental.
A restante ordenação dos poemas tem sido variada consoante o editor e os critérios que lhe assistem. Quando, em 2007, iniciei o trabalho que culmina com esta edição, compulsei os autógrafos do espólio da Biblioteca Nacional. Já outros investigadores, entre eles, Paulo Franchetti, tinham analisado o espólio – foi aliás esse editor que anotou a existência de uma lista, com caligrafia de Pessanha, que ordenaria a edição dos seus poemas. Esta lista, de alguma forma, põe em causa a sequência dos poemas na edição de 1920, uma vez que os apresenta de forma completamente diversa, já não divididos em sonetos e poesias, mas aproximados por afinidades temáticas.
VIII = Chorae arcadas
IX = Na cadeia os bandidos presos
XI = Depois da lucta e depois da conquista
XI = Se andava no jardim +
XII = Voz debil que passas
XIII = Passou o outomno já, já torna o frio +
XIV = Desce em folhedos tenros a colina +
XV = Singra o navio. Sob agua clara +
XVI = Quem polluiu, quem rasgou os meus lençoes de linho +
XVII = Imagens que passaes pela retina +
Esta lista de poemas está também transcrita na introdução de Franchetti à sua edição, porém, à altura