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Uma Artista Da Fome
Uma Artista Da Fome
Uma Artista Da Fome
E-book112 páginas1 hora

Uma Artista Da Fome

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Sobre este e-book

Coleção de contos comemorando 20 anos de produção. Começa com Vi-ver, cujas primeiras palavras sobre esse amor cego foram escritas em 1997. Epifania antropológica é um tecido de referências pessoais e universais de quem tem um parentesco distante com Clarice Lispector. 4+3+1=5 questiona a família intercalando passado e presente. Meninos e meninas lança uma esperança em cima do determinismo. Troco é uma história de contrastes e alternativas. Os sonhos de... é um recorte de percepções com referências quase impossíveis. Uma escolha fala sobre a loucura - de quem? Cem palavras com C que viciam traz seus personagens, todos relacionados, em momentos separados, como seus vícios determinam. Foi o último a ser terminado, em maio de 2017. Quarta-feira parece que é sobre a morte, mas é sobre o tempo. Dipsomaniacamente é uma metáfora do que acontece com humanos sob o efeito de álcool. Por quê? Qual é a maior pergunta do universo? Máscaras, muros e armaduras conta como o Grinch virou D artagnan. Óleo começou, na verdade, em 1986, com o disco Technical Ecstasy do Black Sabbath. Era só um médico correndo, e eu não sabia ainda por quê. Com a história real do genocídio indígena no Peru, virou um conto musical. Eu era um pipoqueiro trovador critica profundamente a arte contemporânea. ? é para que cada um busque seu fator-mor. Termina com Outro planeta. Mas o incesto acontece neste.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento31 de mai. de 2017
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    Pré-visualização do livro

    Uma Artista Da Fome - Regina Majerkowski

    UMA ARTISTA DA FOME

    Regina Majerkowski

    0

    E eu me pergunto por que quantidades incontáveis de seres

    que se fartaram de mostras cinematográficas, que beberam

    cada palavra de centenas de romances, novelas e contos,

    que saciaram sua orexia nas mais diversas formas

    artísticas, filosóficas, científicas e psicológicas - por que

    ainda assim continuam vivendo inertes, desnecessários quase?

    Sinto, então, esse vazio peculiar, essa sensação que me

    sabe a infância e me faz pular da cadeira e correr até as

    almas mais próximas da perdição social e individual,

    atingindo os níveis mais avançados de felicidade, satisfação

    e realização pessoal - nada além de fome...

    1

    Índice

    Vi-ver .................................................................................. 03

    Epifania antropológica ........................................................ 25

    4+3+1=5 ............................................................................. 28

    Meninos e meninas ............................................................ 47

    Troco .................................................................................. 52

    Os sonhos de... .................................................................. 76

    Uma escolha ...................................................................... 83

    Cem palavras com C que viciam ........................................ 89

    Quarta-feira ........................................................................ 92

    Dipsomaniacamente .......................................................... 95

    Por quê ............................................................................... 99

    Máscaras, muros, armaduras ........................................... 102

    Óleo ................................................................................. 111

    Eu era um pipoqueiro trovador ......................................... 119

    ? ....................................................................................... 124

    Outro planeta ................................................................... 129

    2

    Vi-ver

    (Crise é vida.)

    Helena sonha mais uma vez que tem dezessete

    anos, que ainda não conhece Jurandir e não está

    grávida de Priscila. Mora na casa dos pais, é babá de

    Anderson e estuda à noite. Joga futebol aos domingos

    com os rapazes da sua rua no campinho improvisado

    onde, às vezes, aparece um circo que tem um lhama.

    Quando acorda, dá-se conta de que é o aniversário de

    doze anos de sua filha; não pode esquecer-se do

    presente. Seu marido chega só no fim-de-semana, com

    3

    certeza trazendo alguma coisa típica da Bahia para a

    menina.

    Ela levanta, faz quinze minutos de step, toma

    banho, passa um creme contra flacidez no corpo, um

    antirrugas no rosto e outro nas mãos, e, por cima de

    tudo, um filtro solar. Veste suas roupas de puro algodão,

    seu sapato com sola de borracha e senta-se à mesa

    para o desjejum: um copo de leite desnatado e uma fatia

    de mamão amassada com aveia. Escova os dentes,

    bochecha com o antiplaca, passa o fio dental e penteia

    novamente os cabelos da altura dos ombros, prendendo-

    os com um passador branco. Não usa maquiagem para

    não estragar a pele que ela bronzeia cautelosamente no

    fim da tarde, para não ficar com uma aparência doentia.

    Priscila acorda só por volta das nove horas, quando faz

    o tema e fica ouvindo música até a hora de esquentar o

    almoço e ir para o mesmo colégio dos sonhos da mãe.

    Helena vai a pé até seu escritório, a sete quadras

    de distância de sua casa. Liga o computador, joga um

    pouco de free cell para aquecer a mente e começa a

    analisar os processos da semana, verificando

    cuidadosamente sua agenda a fim de evitar alguma

    colisão. Às dez horas, já não tem o que fazer e começa

    a remexer nos seus arquivos pessoais, orçamento, lista

    de compras, investimentos, calendário menstrual,

    diário... Abre o frigobar e toma um iogurte diet de

    morango, lendo um livro de Direito. Então, toca o

    telefone: um cliente querendo saber sobre o andamento

    4

    do processo. Depois outro, e outro, todos aproveitando

    a tarifa mais baixa.

    Por volta das duas, ela esquenta seu almoço no

    forno elétrico: duas colheres de arroz, uma xícara de

    vegetais sortidos cozidos e um filé de peixe. Toma o seu

    suco de laranja sem açúcar e come uma porção de

    gelatina diet. A cada dois dias, ela repõe o estoque do

    frigobar. Nunca come um doce, um chocolate, uma

    macarronada.

    Passa o resto da tarde fazendo palavras cruzadas

    em Espanhol, porque em Português não tem mais graça.

    Às cinco, por não estar com nenhum cliente, desliga o

    computador, fecha o escritório e vai para casa. Como é

    um dia especial, faz um trajeto diferente, pois precisa

    passar na loja de 1,99 para comprar um CD para a filha;

    passa também na locadora e escolhe dois filmes bem

    românticos para assistir com ela. Já quase em casa,

    decide comprar uma torta de sorvete; então, volta duas

    quadras e dobra à direita.

    É quando reconhece Maurício, um ex-colega de

    aula quase sempre presente em seus sonhos, jogando

    bola, inventando aquela peça de teatro com sombras,

    aplaudindo a apresentação do globo da morte no circo.

    Suas feições estão um pouco mais duras, e ela estranha

    o jeito como ele anda, com uma bengala de madeira. De

    repente, ele deixa cair alguma coisa no chão, se abaixa

    e começa a tatear a calçada à procura de seu objeto

    5

    perdido. Helena, imediatamente, atravessa a rua e fica

    diante dele.

    Oi. Lembra de mim?

    É, a voz me é familiar...

    Helena, do colégio, do futebol...

    Claro! A pé-gran... Desculpa...

    Não tem importância; eu sei sobre esse apelido.

    Os dois apertam as mãos, e ela, enfim, com

    grande constrangimento, se dá conta de que ele está

    cego.

    Tu tá procurando alguma coisa?

    To – é uma medalha, uma medalha pequena, sem

    corrente, que eu guardo como lembrança de um

    torneio... Ela deve tá aqui por perto...

    Helena percorre a calçada com os olhos e

    encontra a tal medalha bem encostada ao poste de luz.

    Olha. Tá aqui.

    Que bom, 'brigado. Ela tem muito valor pra mim;

    nem sei o que eu faço se a perco...

    Eu sei como é...

    Ela também não tem mais uma porção de coisas

    de sua adolescência – a idade, o tempo, a diversão; tudo

    perdido, irrecuperável... Não, irrecuperável, não.

    6

    Tá indo pra onde?

    Pra casa...

    Não quer mudar os planos e vir comigo tomar

    alguma coisa?

    É que eu to meio desprevenido...

    Capaz; eu pago. Quem convida, paga; não é

    assim? Então? Aceita?

    Tá, tá certo, eu aceito. Faz muito tempo que eu

    não sei o que é sentar e conversar com alguém e me

    sinto meio sozinho desde o acidente.

    Acidente?

    É, é por causa de uma explosão que eu não

    enxergo mais.

    Nem sei o que te dizer...

    Não esquenta, faz tanto tempo que eu nem ligo

    mais...

    Ah...

    E tu, como vai?

    Não posso reclamar da vida. Sou advogada; tenho

    um escritório aqui perto.

    Que bom. E ainda joga?

    Não... Mas gosto de ver os jogos na televisão. E

    tu?

    7

    Eu não faço nem uma coisa nem outra...

    Provavelmente tá melhor do que eu então.

    Ele apenas sorri. Eles entram na lancheria e

    Helena escolhe uma mesa sem vista para a rua; passa

    rapidamente os olhos pelo cardápio e vê só pizza, xis,

    picadinho, refri, fritas... Opta pelos dois últimos, quase

    se arrependendo; agora, azar.

    Toma um refri?

    Se for pra te acompanhar, eu tomo, sim,

    obrigado..., ele responde, completamente sem jeito,

    pensando quem será que está nas mesas em volta nos

    olhando?

    Ela faz o pedido e já começa a procurar algum

    conhecido, alguém louco para contar para o seu marido

    que ela anda bebendo com estranhos. Ninguém, graças

    a Deus.

    Maurício, eu...

    Ainda lembra meu nome?

    Claro, meus sonhos não me deixam esquecer as

    coisas boas, ela quase deixa escapar, mas apenas sorri

    e termina sua frase.

    É, eu lembro. Sabe? Eu não costumo convidar as

    pessoas pra...

    Não precisa te explicar. É pior. Assim, fico

    achando que tu tá com pena de mim.

    8

    Não, não é isso, nem de longe. É que tu me traz

    recordações

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