Uma Artista Da Fome
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Uma Artista Da Fome - Regina Majerkowski
UMA ARTISTA DA FOME
Regina Majerkowski
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E eu me pergunto por que quantidades incontáveis de seres
que se fartaram de mostras cinematográficas, que beberam
cada palavra de centenas de romances, novelas e contos,
que saciaram sua orexia nas mais diversas formas
artísticas, filosóficas, científicas e psicológicas - por que
ainda assim continuam vivendo inertes, desnecessários quase?
Sinto, então, esse vazio peculiar, essa sensação que me
sabe a infância e me faz pular da cadeira e correr até as
almas mais próximas da perdição social e individual,
atingindo os níveis mais avançados de felicidade, satisfação
e realização pessoal - nada além de fome...
1
Índice
Vi-ver .................................................................................. 03
Epifania antropológica ........................................................ 25
4+3+1=5 ............................................................................. 28
Meninos e meninas ............................................................ 47
Troco .................................................................................. 52
Os sonhos de... .................................................................. 76
Uma escolha ...................................................................... 83
Cem palavras com C que viciam ........................................ 89
Quarta-feira ........................................................................ 92
Dipsomaniacamente .......................................................... 95
Por quê ............................................................................... 99
Máscaras, muros, armaduras ........................................... 102
Óleo ................................................................................. 111
Eu era um pipoqueiro trovador ......................................... 119
? ....................................................................................... 124
Outro planeta ................................................................... 129
2
Vi-ver
(Crise é vida.)
Helena sonha mais uma vez que tem dezessete
anos, que ainda não conhece Jurandir e não está
grávida de Priscila. Mora na casa dos pais, é babá de
Anderson e estuda à noite. Joga futebol aos domingos
com os rapazes da sua rua no campinho improvisado
onde, às vezes, aparece um circo que tem um lhama.
Quando acorda, dá-se conta de que é o aniversário de
doze anos de sua filha; não pode esquecer-se do
presente. Seu marido chega só no fim-de-semana, com
3
certeza trazendo alguma coisa típica da Bahia para a
menina.
Ela levanta, faz quinze minutos de step, toma
banho, passa um creme contra flacidez no corpo, um
antirrugas no rosto e outro nas mãos, e, por cima de
tudo, um filtro solar. Veste suas roupas de puro algodão,
seu sapato com sola de borracha e senta-se à mesa
para o desjejum: um copo de leite desnatado e uma fatia
de mamão amassada com aveia. Escova os dentes,
bochecha com o antiplaca, passa o fio dental e penteia
novamente os cabelos da altura dos ombros, prendendo-
os com um passador branco. Não usa maquiagem para
não estragar a pele que ela bronzeia cautelosamente no
fim da tarde, para não ficar com uma aparência doentia.
Priscila acorda só por volta das nove horas, quando faz
o tema e fica ouvindo música até a hora de esquentar o
almoço e ir para o mesmo colégio dos sonhos da mãe.
Helena vai a pé até seu escritório, a sete quadras
de distância de sua casa. Liga o computador, joga um
pouco de free cell para aquecer a mente e começa a
analisar os processos da semana, verificando
cuidadosamente sua agenda a fim de evitar alguma
colisão. Às dez horas, já não tem o que fazer e começa
a remexer nos seus arquivos pessoais, orçamento, lista
de compras, investimentos, calendário menstrual,
diário... Abre o frigobar e toma um iogurte diet de
morango, lendo um livro de Direito. Então, toca o
telefone: um cliente querendo saber sobre o andamento
4
do processo. Depois outro, e outro, todos aproveitando
a tarifa mais baixa.
Por volta das duas, ela esquenta seu almoço no
forno elétrico: duas colheres de arroz, uma xícara de
vegetais sortidos cozidos e um filé de peixe. Toma o seu
suco de laranja sem açúcar e come uma porção de
gelatina diet. A cada dois dias, ela repõe o estoque do
frigobar. Nunca come um doce, um chocolate, uma
macarronada.
Passa o resto da tarde fazendo palavras cruzadas
em Espanhol, porque em Português não tem mais graça.
Às cinco, por não estar com nenhum cliente, desliga o
computador, fecha o escritório e vai para casa. Como é
um dia especial, faz um trajeto diferente, pois precisa
passar na loja de 1,99 para comprar um CD para a filha;
passa também na locadora e escolhe dois filmes bem
românticos para assistir com ela. Já quase em casa,
decide comprar uma torta de sorvete; então, volta duas
quadras e dobra à direita.
É quando reconhece Maurício, um ex-colega de
aula quase sempre presente em seus sonhos, jogando
bola, inventando aquela peça de teatro com sombras,
aplaudindo a apresentação do globo da morte no circo.
Suas feições estão um pouco mais duras, e ela estranha
o jeito como ele anda, com uma bengala de madeira. De
repente, ele deixa cair alguma coisa no chão, se abaixa
e começa a tatear a calçada à procura de seu objeto
5
perdido. Helena, imediatamente, atravessa a rua e fica
diante dele.
Oi. Lembra de mim?
É, a voz me é familiar...
Helena, do colégio, do futebol...
Claro! A pé-gran... Desculpa...
Não tem importância; eu sei sobre esse apelido.
Os dois apertam as mãos, e ela, enfim, com
grande constrangimento, se dá conta de que ele está
cego.
Tu tá procurando alguma coisa?
To – é uma medalha, uma medalha pequena, sem
corrente, que eu guardo como lembrança de um
torneio... Ela deve tá aqui por perto...
Helena percorre a calçada com os olhos e
encontra a tal medalha bem encostada ao poste de luz.
Olha. Tá aqui.
Que bom, 'brigado. Ela tem muito valor pra mim;
nem sei o que eu faço se a perco...
Eu sei como é...
Ela também não tem mais uma porção de coisas
de sua adolescência – a idade, o tempo, a diversão; tudo
perdido, irrecuperável... Não, irrecuperável, não.
6
Tá indo pra onde?
Pra casa...
Não quer mudar os planos e vir comigo tomar
alguma coisa?
É que eu to meio desprevenido...
Capaz; eu pago. Quem convida, paga; não é
assim? Então? Aceita?
Tá, tá certo, eu aceito. Faz muito tempo que eu
não sei o que é sentar e conversar com alguém e me
sinto meio sozinho desde o acidente.
Acidente?
É, é por causa de uma explosão que eu não
enxergo mais.
Nem sei o que te dizer...
Não esquenta, faz tanto tempo que eu nem ligo
mais...
Ah...
E tu, como vai?
Não posso reclamar da vida. Sou advogada; tenho
um escritório aqui perto.
Que bom. E ainda joga?
Não... Mas gosto de ver os jogos na televisão. E
tu?
7
Eu não faço nem uma coisa nem outra...
Provavelmente tá melhor do que eu então.
Ele apenas sorri. Eles entram na lancheria e
Helena escolhe uma mesa sem vista para a rua; passa
rapidamente os olhos pelo cardápio e vê só pizza, xis,
picadinho, refri, fritas... Opta pelos dois últimos, quase
se arrependendo; agora, azar.
Toma um refri?
Se for pra te acompanhar, eu tomo, sim,
obrigado..., ele responde, completamente sem jeito,
pensando quem será que está nas mesas em volta nos
olhando?
Ela faz o pedido e já começa a procurar algum
conhecido, alguém louco para contar para o seu marido
que ela anda bebendo com estranhos. Ninguém, graças
a Deus.
Maurício, eu...
Ainda lembra meu nome?
Claro, meus sonhos não me deixam esquecer as
coisas boas, ela quase deixa escapar, mas apenas sorri
e termina sua frase.
É, eu lembro. Sabe? Eu não costumo convidar as
pessoas pra...
Não precisa te explicar. É pior. Assim, fico
achando que tu tá com pena de mim.
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Não, não é isso, nem de longe. É que tu me traz
recordações