Favela Bairro: Uma outra história da cidade do Rio de Janeiro
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Sobre este e-book
Urbanisticamente, as favelas se apresentam com grande variedade morfológica, como também ocorre com a cidade formal. Não seria desejável a implantação de um modelo, mas ao contrário, o caminho a percorrer seria o da explicitação de uma estrutura urbana que aflorasse do próprio assentamento e que pudesse ser concebida em acordo com os próprios moradores. Essa estrutura deveria buscar a interligação mais ampla possível às estruturas dos bairros do entorno, de modo a se criar uma rede urbana interdependente.
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Favela Bairro - Sérgio Magalhães
A ViverCidades sente-se em débito com as seguintes pessoas e instituições comprometidas com esta cidade e que se dispuseram a colaborar com a realização deste livro.
O Rio de Janeiro agradece.
Afraoui Hussein, Alba Maria dos Santos de Paiva Lima, Álvaro Luiz Pinheiro de Mello, Ana Cristina Nanan P. de Albuquerque, Andréa Cardoso, Carlos Henrique Moyna, Cláudio de Castro, Daniela Barros, David Bezerra Lessa, Fábio Costa, Flávio Vieira Teixeira, Hélio Aleixo da Silva, Jocilene de França Pereira Santos, Jorge Czajkowski, Jorge de Oliveira Rodrigues, Jorge Mario Jauregui, Luiz Felippe Câmara Meirelles, Manoel Ribeiro, Marcelo Costa Soares, Márcia da Costa Nunes da Silva, Martha Allemand Guimarães, Mauro Oliveira da Costa, Nuno Portas, Oriol Bohigas, Paulo de Moraes Mello, Paulo Senra Breitschaft, Pedro da Luz, Rosangela Macedo de Sant’Anna, Sandra Plaisant Jouan, Sandra Regina Delgado Guedes, Silvia Pozzana, Solange Araújo de Carvalho, Vera Gudin, Verena Andreatta, Viviane Manzone Rubio da Câmara, Wagner da Silva Dias, Zóziman Vianna de Queiroz, Arquivo Nacional, Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos, Subsecretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano.
Coordenação desta edição
Denise Corrêa
Concepção
Luiz Paulo Conde
Sérgio Magalhães
Edição
Maria Helena Röhe Salomon
Gláucio Campelo
Textos
Sérgio Magalhães
Eucanaã Ferraz
Graça Matias Ferraz
Programação visual
UNIDESIGN
Projeto gráfico
Gláucio Campelo
Designer assistente
Pedro Pet ík
Arte eletrônica
Marco Aurélio Souza
Fotos
Fabio Costa
Aurelino Gonçalves
Paulo Romeu / My Zoom
Tiago Santana
Arquivo Nacional
Versão para o inglês
Elisabete Hart
Revisão e padronização de texto
Rosalina Gouveia
1ª edição: Vivercidades
Todos os direitos desta edição são reservados a: Editora Grupo Rio Books.
Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônicos ou mecânicos, incluindo fotocopias e gravação) ou arquivada em qualquer sistema de banco de dados sem permissão escrita do titular do editor. Os artigos e as imagens reproduzidas nos textos são de inteira responsabilidade de seus autores.
Todos os esforços foram feitos no sentido de se encontrar a fonte dos direitos autorais de todo o material contido nesse livro
Favela-Bairro: uma outra história da cidade do Rio de Janeiro
/ [concepção Luiz Paulo Conde e Sérgio Magalhães; textos Sérgio Magalhães, Eucanaã Ferraz, Graça Matias Ferraz; versão para o inglês Elisabete Hart]. – Rio de Janeiro: Rio Books, 2004
158p. : il. ;
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-87913-24-7
1. Favelas – Rio de Janeiro (RJ). 2. Urbanização – Rio de Janeiro (RJ). 3. Planejamento urbano – Rio de Janeiro (RJ). 4. Política ambiental – Rio de Janeiro (RJ). 5. Rio de Janeiro (RJ) – Política e governo.
I. Conde, Luiz Paulo. II. Magalhães, Sérgio. III. ViverCidades
04-1869. CDD 711.40981531
CDU 711.4 (815.31)
19.07.04 23.07.04 007046
Rio Books
Rua Valentin da Fonseca 21 / 504 – Sampaio
Tel. (21) 99312-7220 CEP 20950-220
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www.riobooks.com.br
Favela-Bairro:
uma outra história da cidade do Rio de Janeiro
1993 / 2000 uma ação urbanizadora para o Rio de Janeiro por
Luiz Paulo Conde e Sérgio Magalhães
É com grande satisfação que trazemos à luz o presente livro, registro e reflexão de uma série de trabalhos realizados entre 1993 e 2000, no âmbito do programa Favela-Bairro.
As políticas de desenvolvimento social e urbano da Prefeitura do Rio de Janeiro – incluindo-se aí o festejado projeto Rio-Cidade – instauraram, naquele período, uma nova prática de gestão urbana: a cidade abriu-se como um todo à inovação e, democraticamente, reuniu a população, a sociedade civil organizada, técnicos das secretarias municipais, escritórios multidisciplinares e órgãos não-governamentais para decisões sobre projetos e obras públicas. Enfim, abriu-se a cidade para a integração de suas áreas segregadas e para uma profunda requalificação de seus espaços.
O programa Favela-Bairro encontra-se aqui situado historicamente, com o que se perceberá tanto seu ineditismo e sua ambição quanto sua genealogia
: os laços com a organização popular – instância a qual se deve todo avanço político-gerencial – e com atitudes administrativas precedentes. Poder-se-á acompanhar nas páginas que seguem as várias facetas de implantação e o desenvolvimento de programas cuja ousadia ainda nos surpreende e emociona. Ou, sobretudo, hoje, quando acalentamos a certeza de que o Favela-Bairro instalou, democraticamente, um novo patamar político, técnico e humano, que não pode ser ignorado senão pelo preço de substituí-lo por um vazio ético de conseqüências imprevisíveis.
Dona de belezas naturais extraordinárias, nossa cidade formou-se em contínuos processos de construção e destruição. Com o Favela-Bairro – aliado a outros programas que se desenvolveram simultaneamente – o poder público resgatou a face acolhedora do Rio e sua inclinação inequívoca para a pluralidade. A paisagem carioca é também lugar da casa e do trabalho, da circulação de gentes e idéias. Que assim seja.
Luiz Paulo Conde
Arquiteto e urbanista
Programa Favela-Bairro: lições de uma experiência alternativa
Nuno Portas
Professor-titular da cadeira de Urbanismo da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto. Realizou diversas missões de estudos em vários continentes sobre políticas urbanas, habitação e formação de agentes de planejamento.
O programa Favela-Bairro lançado há uma década pela Prefeitura do Rio rompeu um tabu que subsistia desde os anos 70, quando a experiência pioneira de Carlos Nelson em Brás de Pina e Catumbi ficou interrompida em favor da continuação dos bairros econômicos anônimos cujo futuro já então podíamos adivinhar. Alguns anos antes, John Turner (Housing by people) tinha comentado com os jornalistas cariocas que havia soluções que se tornariam novos problemas e problemas que podiam se transformar em solução... paradoxo coerente com a sua tese de que, em regiões com recursos limitados, para se criarem em tempo útil melhores condições para o maior número
de mal-alojados, os estados deveriam priorizar os seus meios para o fornecimento de infra-estrutura e espaço público, incluindo equipamentos sociais em vez de os esgotarem com ilusórios programas de erradicação, construindo bairros em geral mal localizados, deficientemente mal concebidos e pior construídos. Começava-se então a perceber nas instâncias internacionais que, num país em desenvolvimento, distribuir casa a todos os imigrantes para as grandes cidades era tarefa materialmente impossível para os governos (os da esquerda incluídos) em face da maior urgência de outras prioridades, também social e economicamente estratégicas, como a extensão da educação, saúde, transporte público ou ainda antes o saneamento, estendo-as às classes que não tinham acesso aos direitos básicos da cidadania. Tratava-se de colocar o direito à urbanização antes do direito à casa não podendo juntar as duas demandas (como o tinham feito os welfare states dos países ricos) sem baixar, para iguais recursos públicos, o número dos beneficiados ou o tempo do atendimento.
Com a chegada de Luiz Paulo Conde, primeiro como secretário, depois como prefeito, com uma equipe que se revelou tecnicamente capaz, muito motivada e motivadora dos serviços, foi montado, em pouco tempo, na Secretaria de Habitação (Sérgio Magalhães), um esquema de ativação nas áreas faveladas com a prioridade estratégica antes defendida e com resultados animadores, logo no curto prazo, chamando a atenção de outras cidades e de organizações internacionais para a experiência do Rio de Janeiro.
Com a participação do IAB na seleção de equipes para trabalhar no terreno – a partir da apresentação de propostas exemplificadas dos métodos a aplicar em cada caso – e o financiamento assegurado com o concurso de créditos externos, nomeadamente do BID, o programa arrancou, prudentemente, com um primeiro grupo limitado de bairros, diversificados na dimensão e localização, no tipo de assentamento – em morro ou em plano – e também em distintos níveis de adesão dos moradores à renovação proposta – isto é, como um processo de aprendizagem para alargamentos futuros.
Ao longo de meia dúzia de anos tive a oportunidade de acompanhar no Rio esse processo, confrontando os seus primeiros resultados com outros casos, comparáveis quanto ao método, quer no Magreb quer, após a Revolução de 74, em Portugal em que me tocou lançar programa semelhante infelizmente de curta duração devido a algumas incompreensões geradas no interior do aparelho administrativo.
A tenacidade da equipe, que no segundo mandato da Prefeitura do Rio de Janeiro expandiu o alcance do Programa, é tanto mais notável no panorama nacional e internacional das políticas urbanas quanto as favelas
cariocas, pelas suas características e alto grau de conflituosidade interna e externa, poderia ter levado à opção pela via mais fácil, escolhendo por exemplo áreas menores ou menos densas e conflituosas de urbanização espontânea. O laboratório do Rio
tornou-se assim mais demonstrativo dos êxitos e dificuldades desta via, levando não só os técnicos envolvidos a aprender com as experiências anteriores, mas também avaliar as forças construtivas
(não só no sentido material do termo) que processos deste tipo podem desencadear quando são claras as intenções políticas dos atores em presença e transparentes os critérios de decisão ao longo da marcha.
Na verdade, o que está em causa quando falamos de processo
antes de objeto
é o peso do chamado fator-tempo que, na construção de cidade, visto de fora pode até parecer desesperante mas que, sentido e seguido de dentro pelos atores que o suportam, se mede pelo esforço que implica a decisão local. Nada é fácil nestes programas interativos ou adaptativos em que podemos saber por onde podem e devem começar, quando nem todas as condições estão asseguradas à partida, mas já não poderemos dizer qual será o resultado final. Incerteza que, na prática conhecida, se centra na questão da regularização da propriedade uma vez instalada a infra-estrutura viária e de saneamento (o grau zero do espaço público...) e que pode ser decisiva para a segurança do auto-investimento na melhoria da moradia.
Aliás, o programa Favela-Bairro foi justificado para os casos, que no Rio de Janeiro são inúmeros, cuja (re)urbanização tem ela própria dificuldade em ser viabilizada seja pelas pendentes insegurança geológica e inadequação ecológica, seja pela falta desses canais
de espaço coletivo sem obrigar a demolições excessivas. Não excluir de início casos que pareciam não vingar facilmente – o teste à própria estratégia – era por essa razão uma obrigação incontornável. Uma vez ganha a aposta
, apesar da probabilidade de reversibilidade que sempre as espreita, o caminho ficou mais desimpedido e poderá estender-se às centenas de parcelamentos irregulares das periferias ou cidades mais interiores do Estado. E não esqueço que alguns destes casos foram também incluídos nas amostras iniciais do programa podendo confundir-se com o programa paralelo designado Rio-Cidade pelas características de baixa densidade, solos mais planos ou edificação menos consolidada nessas áreas periféricas.
Sendo o ponto de partida comum aos programas urbanísticos da família dos rês
(reurbanizar, regularizar, requalificar, renovar, revitalizar...), constituído pela construção de projetos do chão, será a partir destes que podem avançar os equipamentos de uso coletivo em falta como as escolas e creches, os centros de formação, emprego ou de saúde, os mercados, etc. e, ainda, os apoios técnicos ou organizativos à própria reconstrução da moradia, individual ou em mutirão, supondo dispositivos jurídicos que permitam os reparcelamentos necessários e suficientes para a segurança dos esforços próprios.
O objetivo é o de criar condições progressivamente mais avançadas de up-grading urbano por processos de obra aberta
: projetos assistidos e reprogramação à medida das possibilidades, criando um ambiente de avaliação e aprendizagem mútuas, entre as administrações, técnicos e atores locais. Caminhando e medindo, ou fazer caminho andando (A. Machado).
Creio que os mentores destes programas não alimentam ilusões quanto aos efeitos sociais desta estratégia que no que respeita a aplicação do investimento público e do urbanismo físico não teriam, provavelmente, alternativas mais satisfatórias (e viáveis).
Nem o adiamento, à espera de melhores condições político-econômicas, nem a erradicação generalizada para novas urbanizações seriam soluções (ou problemas?), se podem considerar alternativas reais para situações críticas de tal extensão mesmo se o país as pudesse priorizar.
A saída possível, apontada pelo programa Favela-Bairro, dadas as condições objetivas do governo carioca, era também a que melhor podia combinar a clarificação do espaço público e a autonomia das comunidades na expressão, ainda que limitada, das suas vontades.
Esta reflexão de um observador exterior há muito empenhado no estudo das políticas públicas e das demandas privadas na formação urbana ocorre num momento particularmente trágico da vida interna nas favelas cariocas e até, pelas notícias que nos chegam, de algumas em que os trabalhos de reurbanização tinham ido mais longe. O que pode parecer contraditório a quem pense com ingenuidade que as intervenções urbanísticas resolvem
os problemas sociais ou a violência urbana – no Vidigal ou na Cidade de Deus... Mas atenção: se não resolvem, podem, isso sim, criar ambientes mais favoráveis às relações quotidianas (para além da saúde, educação...) e ainda mais se as comunidades reconhecerem nelas o resultado dos seus próprios esforços participativos.
Favela-Bairro
Oriol Bohigas
Professor catedrático da Universidade Politécnica de Barcelona. Membro honorário do Instituto Americano de Arquietos (AIA) e doutor honoris causa da Universidade Técnica de Darmstad. Com os arquitetos Josep Martorell e David Mackay (MBM arquitectes) realizou o planejamento urbano e arquitetônico para os Jogos Olímpicos de Barcelona em 1992. No Rio de Janeiro, junto com Nuno Portas, prestou consultoria para a revitalização da frente marítima.
Admirado e querido prefeito do Rio de Janeiro
Há tempos você trabalha intensamente para dar ao Rio uma nova urbanidade. Começou a dedicar-se a essa tarefa quando era secretário de Urbanismo na gestão de César E. Maia como prefeito. Agora, desde que o sucedeu no cargo, seu compromisso tornou-se ainda mais forte, convertendo-se no centro de sua ação política. Os resultados começam a aparecer.
A operação chamada Rio Cidade
entra na linha de reconstrução urbana empreendida ao longo desses últimos anos por algumas cidades européias: o redesenho dos espaços públicos com o intuito de imprimir uma identidade coletiva, dando prioridade ao pedestre e reduzindo o caos do trânsito; em resumo, sublinhando sua urbanidade. O Rio já possui uma história positiva nesse sentido. Não é preciso voltar à época do monumentalismo beaux-arts de Alfred Agache. Basta recordar épocas mais recentes, como a de Burle Marx e todos os seus discípulos, que deixaram testemunhos tão importantes como a avenida Copacabana ou o parque do Flamengo. E a época dos colaboradores de Le Corbusier, que, em torno do Ministério da Educação – um dos melhores edifícios do mundo – insinuaram a modernidade do espaço público. Entretanto, depois – diante da avalanche americanizada dos centros terciários e da loucura dos excessos residenciais –, a cidade se esqueceu das exigências de urbanidade. Ou, quem sabe, simplesmente se esqueceu da presença ainda útil da geração insigne de Oscar Niemeyer, Lucio Costa, Eduardo Reidy, dos irmãos Roberto. Hoje, graças ao impulso dado por você, voltam as boas intenções daqueles tempos que tanto nos deslumbraram, quando a arquitetura brasileira era a vedete mundial. Não sei, porém, se os novos projetistas estarão à mesma altura. Alguns dos elementos monumentalizadores que vi sofrem ainda da desajeitada inocência das boas intenções com resultados por vezes decepcionantes. Por outro lado, as boas intenções são precisamente o que importa. E, pouco a pouco, acabarão conseguindo a reconstrução urbana da cidade.
Mais além do Rio Cidade
, porém, meu interesse está na outra grande operação que você implantou: o Favela-Bairro
. Nesses dias em que passeava pela cidade guiado por você, compreendi que está atacando de maneira realmente inovadora o grande problema do Rio: as favelas, as grandes manchas de barracos nos quais vivem precariamente mais de um milhão de pessoas.
A solução para as favelas da América Latina tem sido muito mal abordada e muitas vezes sequer é abordada. Em certos casos, fizeram-se experiências com planos absolutamente errados porque partiam da premissa de que os métodos do capitalismo selvagem – os lucros do mercado – poderiam oferecer soluções economicamente viáveis. Esses métodos consistiam em propor a erradicação das favelas, amontoando-se todos os seus moradores em um ou dois edifícios muito altos. Assim ficava livre uma boa extensão de terreno cuja venda – e a