Acessibilidade Cultural no Amapá II
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Acessibilidade Cultural no Amapá II - Emerson de Paula
Acessibilidade Cultural indígena:
relato de uma experiência com audiodescrição e a Arte Kusiwa – Wajãpi
DOI: 10.29327/567945.1-1
Elza Lopes de Oliveira¹
Rosenilda Farias da Costa²
Perceber a importância da cultura como uma riqueza da humanidade a que todos devemos ter acesso por ser uma forma de enxergar o passado, entender o atual momento e, principalmente, ter uma visão para além de fronteiras futuras é primordial. Assim, entendemos a cultura não no sentido histórico, mas na construção da própria identidade, pois a diversidade está em irmãos, em parentes, em vizinhos, na comunidade, em pessoas de mesma nacionalidade e/ou estrangeiros.
Absorver informações do mundo exterior como heranças culturais é feito diariamente através dos sentidos de que dispõe o corpo humano: o tato, o olfato, o paladar, a audição e a visão. Sendo que a falta de um desses compromete um pouco a compreensão do todo, provocando barreiras à conexão com uma parte da história.
Falando mais especificamente da visão, ou melhor complementando, da deficiência visual (DV), a falta de informações imagéticas que, de certa forma, apresentem um mundo com cores, com símbolos, com expressões, com gestos etc. acaba por descaracterizar uma cultura, empobrecendo um processo histórico. E, por não se conhecer, também por falta de acessibilidade, perdem-se informações ricas sobre nossa história, nossa identidade, nossa cultura.
A experiência de quase três décadas desenvolvendo atividades na Educação Especial e com pessoas com deficiência visual nos trouxe muitas vivências que tivemos a oportunidade de relacionar com referências conhecidas nas formações, tanto a formação inicial como as formações continuadas que nos alimentam com informações na atualidade. Os professores-pesquisadores nas área da deficiência visual, mais especificamente, foram sendo conhecidos e/ou lidos por nós enquanto buscávamos respostas ou até mesmo para aprofundar a relação com a aprendizagem de pessoas com DV, a saber: João Álvaro e Vera Lucia Felippe (Laramara), Menescal Conde (Instituto Benjamin Constant - IBC), Glorinha (IBC), R. M. Novi (autora do livro Início de um sonho – Orientação e Mobilidade Infantil
), Pedras e Quintiliano (autoras do livro Em busca da Independência – Guia do professor para Atividades da Vida Diária
), E. S. Masini (autora do livro O perceber de quem está na escola sem dispor da visão
), M. G. F. Corsi (autora do livro Visão Subnormal - Intervenção Planejada
). Esses e também alguns outros pelas Secretarias de Educação através de projetos, coletâneas e manuais trouxeram vastas informações que contribuíram para a fruição do nosso fazer pedagógico.
O importante foi perceber que no processo do ensinar e do aprender existe uma via de mão dupla, e que o retorno, seja lento ou em tempo real, também tem caráter de ensino/aprendizagem, pois reestrutura todo o nosso olhar pedagógico para uma reformulação de conceitos, de atividades, de pensamento sobre o primeiro planejamento. Não falamos aqui de currículos pensados e repensados, mas verdadeiramente de perceber a essência do aluno entre suas habilidades e, por que não, suas mais escassas aptidões também, para assim se trabalhar um conjunto único de habilidades.
Nós, enquanto educadoras de pessoas com DV (com cegueira total ou baixa visão), entendemos hoje que as informações do ambiente externo são em torno de 80% visuais. Isso somente em nossas experiências visuais do dia a dia, quando, ao olharmos para uma porta, percebemos ser de madeira sem precisar tocá-la, quando observamos visualmente um piso de madeira seguido de um piso de concreto sem precisar senti-los.
Portanto, cabe ao sentido da visão perceber o outro, o ambiente, o mundo. Sendo essa deficiência sensorial adquirida ou adventícia, será preciso utilizar recursos que deem apoio específico em relação às suas necessidades. Um dos recursos utilizados para acessibilizar imagens para pessoas com DV é a audiodescrição (AD), que nada mais é do que transformar imagens em palavras, sendo de forma trabalhada, elaborada e tecnicamente roteirizada com apoio de consultoria de pessoa com deficiência visual.
Pensar na compreensão da pessoa com DV é perceber uma aprendizagem de construção analítica, ou seja, por partes, montando pedaços de forma sequencial, e isso é muito importante para a formação do todo. Abrindo um parêntese aqui como forma de explicação, recorremos à obra anterior Acessibilidade Cultural no Amapá
, mais especificamente ao artigo A audiodescrição disseminando a Cultura dos Gestos
, de Oliveira e Costa, os quais se utilizaram da descrição da configuração dos dedos, um recurso com informações auditivas, e também se utilizaram de exploração tátil. A ideia é a aplicação de um recurso com informações auditivas associado a outro recurso com informações táteis. Assim, a exploração de dedo por dedo, posição por posição, forma por forma tornava o todo compreensível, dando tempo de análise e construção do mapa mental da imagem pela pessoa com DV. Aqui concluímos sobre uma aprendizagem analítica importante para pessoas cegas que percebemos com experiências pedagógicas.
Não citados antes, e inclusive intencionalmente, conhecemos professores e autores na área da audiodescrição na busca de informações sobre essa nova
ferramenta. Nos referimos a nova
por ser um recurso que ainda suscita muitas discussões, e tendo em vista que há um projeto de lei em tramitação para regulamentar a profissão de roteirista/audiodescritor e consultor/audiodescritor. Alguns dos profissionais que conhecemos nessa área são: Francisco Lima, Joel Snyder, Josélia Neves, Marcia Caspary, Rosa Matsushita, Lívia Motta, Fátima Berquó, Cida Leite, Letícia Schwartz, Bell Machado, Cris Kenne, Eliana Franco, entre outros. Esses são profissionais com larga experiência e grande competência no meio audiodescritivo profissional. Destacar autores neste relato é importante devido à abertura que nos oportunizaram em relação à construção do fazer pedagógico na Educação Especial, mais diretamente na área da deficiência visual.
Após essa contextualização sobre nosso processo formativo, o foco agora será direcionado para o trabalho que desenvolvemos no CAP/AP, que é o Centro de Apoio Pedagógico à Pessoa com Deficiência Visual do Amapá. Nosso trabalho está mais concentrado na formação de profissionais da educação (com abertura para comunidade e acadêmicos), bem como atendimentos de pessoas com DV, sendo alunos do ensino comum ou não. Na oferta de formação tem a Oficina de Introdução à Audiodescrição no Ambiente Escolar, sendo que, no período da pandemia da Covid-19, muitos serviços ficaram comprometidos, e a formação ofertada pelo CAP foi um deles. Uma das possibilidades para não parar o trabalho foi aceitar solicitações de apoio pedagógico que chegavam através de e-mails.
Uma dessas solicitações veio da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP). Os pedidos se diversificavam, mas sempre voltados para orientações no fazer pedagógico da pessoa com DV. O oficio nº 001/2021-CHL/UNIFAP da UNIFAP tinha objetivo diferente, pois foi um pedido de um acadêmico para a instituição, e essa, através da professora C.M.C.B.B., da disciplina Prática Docente II – Educação Ambiental e Patrimonial do Curso de História – Licenciatura CHL/UNIFAP, solicitava o serviço para acessibilizar o material do acadêmico. Esse ofício foi emitido no início do período letivo de 2021.
Importante esclarecer que o acadêmico E.C.S. é ex-aluno do CAP, portanto conhece alguns profissionais e serviços oferecidos, e por isso procurou a instituição antes, verificando a possibilidade da produção do trabalho de forma integrada. A forma integrada que mencionamos sugere a construção juntamente com a equipe e/ou com algumas orientações sobre nosso trabalho de audiodescrição, no intuito de levar informações acerca do recurso aos acadêmicos do grupo do qual o referido acadêmico faz parte.
Outro detalhe também importante e discutido antes do pedido por oficio foi sobre a solicitação nominal de um audiodescritor/roteirista e um audiodescritor/consultor. Nesse sentido, o oficio determinou para roteirista a professora E.L.O. e para a consultoria a professora R.F.C., enquanto profissionais que mais desenvolveram produções em audiodescrição no CAP. A conversa entre o acadêmico e as profissionais do CAP se deu por telefone, após esse momento, as profissionais comunicaram à coordenação da instituição o aceite, e o acadêmico, de posse das informações, encontrou-se com as professoras.
O trabalho solicitado consistia em fazer a audiodescrição das imagens, selecionadas previamente pelo grupo do aluno, sobre a arte Kusiwa do povo Waiãpi³, para produção do material didático indicado pela professora.
A cultura indígena é muito rica em traços e cores, algo que encanta só no olhar. Conhecemos essa cultura mais de perto por morarmos na Região Norte, especificamente no Amapá, e a admiramos tanto quanto a respeitamos. Mas um desafio estava surgindo aos poucos, uma vez que, além de traçados e cores, a arte Kusiwa tem muito significado, muita história, e a preocupação se voltava para a necessidade de descrevê-la e ao mesmo tempo transmitir informações ricas sem se tornar um álbum extenso e cansativo.
As imagens chegaram pelo WhatsApp e nossa comunicação manteve-se virtual. Um total de dez imagens foram selecionadas para serem acessibilizadas com audiodescrição. Elas eram bem distintas: ora somente pintura, ora fotos com pessoas indígenas com partes do corpo pintadas ou não, ora desenhos feitos com tinta de jenipapo no corpo, mas sempre representando a arte Kusiwa.
Começamos um estudo a priori visual, e confessamos que a admiração pelos traços da arte indígena se misturava com a dificuldade da missão que deveríamos cumprir, não somente a descrição das imagens, mas levar uma informação de detalhes com conexão e significados. É nesse sentido que observamos a AD, como se cada traço, nesse caso nos referindo à arte Kusiwa, fosse construído em um processo revelador, sequencial, contando com o apoio à percepção analítica da pessoa com DV. Para isso, o importante foi definir um início e uma direção, ou seja, de cima para baixo, da esquerda para a direita, não necessariamente nessa ordem, pois o objeto na imagem é que dava toda a orientação da escrita. Todavia, nosso objetivo não é sobre as regras técnicas da AD. Este parágrafo faz uma ligação importante com as primeiras linhas de nosso relato, ao comentarmos sobre experiências advindas do fazer pedagógico. Foi dado um exemplo anterior em relação a recursos de AD (percepção auditiva) e de exploração (percepção tátil) para construção de uma imagem, sendo que nesse momento, na arte Kusiwa, o recurso para acessibilizar seria o da AD, sem nenhum outro recurso de reforço.
Tendo em vista que a construção do roteiro não se valeria tão somente das observações do olhar, buscou-se com o aluno proponente da proposta fontes de pesquisa que serviriam para dar apoio a termos e palavras mais específicas, objetivando até mesmo conhecer um pouco mais sobre a arte Kusiwa.
De imediato, recebemos o material que também estava servindo de fonte de pesquisa para o grupo de acadêmicos para montagem do material solicitado. O primeiro enviado foi o DOSSIÊ IPHAN 2 – Wajãpi – Expressão gráfica e oralidade entre os Wajãpi do Amapá
. O dossiê possui 137 páginas e consiste em uma iniciativa e produção cultural da comunidade Wajãpi do Amapá e Conselho das Aldeias / APINA.
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