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Exu E A Partícula De Higgs
Exu E A Partícula De Higgs
Exu E A Partícula De Higgs
E-book348 páginas4 horas

Exu E A Partícula De Higgs

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Sobre este e-book

Exu e a Partícula de Higgs. A Máquina do Tempo. É um romance de ficção-científica com um viés místico. É uma obra extensa que contempla romantismo, aventura, ficção-científica, astrofísica, física quântica, fantasia, misticismo, história. Narra a vida de um astrofísico baiano e capoeirista, Júlio Gaius Amado Leonardes, que descobre através de um experimento em dos laboratórios do CERN, o maior acelerador de partículas do mundo, que ele é portador do índice mais elevado do Fator Ribakov, capacitando-o para ser um viajante do tempo. A narrativa se desenrola em várias partes do mundo, com os personagens multiétnicos. Mas a história começa num famoso terreiro de candomblé na Bahia, quando uma Ialorixá, num jogo de búzios para uma de suas filhas de santo, vê a figura de um homem que traz força e um destino especial. Caminhos que a Ialorixá nunca havia visto antes em outra pessoa. Por seu turno, Júlio Gaius, o astrofísico baiano, não tem qualquer relação com o povo de santo, embora seja dotado de qualidades psíquicas e intuitivas que o mantém em contato com diversas experiências espirituais das culturas que ele entra em contato. No entanto, isso não é valorizado, pelo contrário, ele nega acontecimentos sem explicações. Mesmo os relacionamentos românticos estão em último plano em sua vida. Filosofia seguida também por seu grande amigo, Jean Bresson. Um excêntrico físico de uma família muito rica na França, que tem um pé na moda e na arte. Gaius considera a Física o seu templo sagrado e a Matemática a sua liturgia de vida. Um dia o físico baiano, em vias de fazer seu pós-doutorado, estava no bar Le Jules Vernes em Yvoire, cidadela medieval da França, e viu uma mulher por alguns momentos, mas esta desapareceu de suas vistas rapidamente por um acontecimento trivial no bar, promovido por ele. Nunca mais esqueceu daquele momento. A partir da sua estada em Yvoire, uma série de descobertas e mistérios são postos à prova. Contudo, é quando se descobre um Homem Vritruviano, um viajante do tempo por excelência, na visita ao CERN, que tudo muda em sua vida. Pois passa a correr perigo por interesses escusos de uma empresa de armamentos transnacional, assim como seus amigos. Volta para Bahia em pleno carnaval e se inicia novas descobertas e aventuras que resulta na viagem no tempo para a Paris do início do século 20, momento que se encontra com o aviador Santos Dumont em sua oficina, prestes a lançar seu dirigível número 6, que o tornará mundialmente famoso. Quando o físico baiano tenta retornar ao tempo presente, depois de uma semana na companhia do inventor e aviador brasileiro e explorando a cidade luz, ocorre um acidente. Há um recuo no tempo de quase dois mil anos. Gaius vai parar na Roma antiga, na época do imperador Cômodo. E ele terá que usar todos os recursos para retornar. Suas qualidades intelectuais, sua força como capoeirista, a tecnologia e suas qualidades psíquicas.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento11 de mai. de 2020
Exu E A Partícula De Higgs

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    Exu E A Partícula De Higgs - Carlos França

    Capítulo 1

    Ali chegou um moço alto de cabelos pretos e lisos que caminhava sem pressa. Tinha os olhos escuros e pareciam cheios de expectativa, que quase de imediato deteve os seus passos e fixou o olhar na tal placa. Lia e relia as informações em francês como se tentasse desvendar um enigma maior, YVOIRE. Cité Médiévale. Se visite à pied.

    Eram palavras simples, ordeiras e com sentido prático, mas que despertaram nele uma sensação incomum, algo do mistério. Não ia se fingir de besta. Era uma sensação incômoda na verdade. Meio que passando dos limites e ferindo seu apreço pelo lógico. Contudo, ao mesmo tempo, alimentava sua irreverência e sua curiosidade.

    Por que diabos tenho a forte sensação que  conheço este lugar?, refletiu com alguma aflição. Que merda! Não é só uma sensação… É uma certeza tão impressionante que me dá náuseas.

    Cruzou as mãos na cabeça e olhou em volta procurando encontrar ou reconhecer qualquer coisa por ali. Não tinha um pé de gente nas proximidades

    Já sei, é claro… Visitei outras cidadelas semelhantes por toda Europa. Deve ser isso, e é natural que aconteça tal coisa. Devo estar muito estressado com o doutorado. Ah, pouco importa. O lugar me agrada e pronto!

    Aproximou-se mais da placa.

    Mas por que ainda estou arrepiado feito um gato perto de um cão?

    Nesse momento, um crescente burburinho de vozes desviou sua atenção e seus pensamentos. Ao virar-se, constatou que algumas pessoas se aproximavam em animada conversação. Logo distinguiu um grupo de turistas asiáticos, que o alcançaram em pouco tempo. Muito simpáticos, fizeram uma saudação para ele, conforme as tradições daquele povo, o ojigi. Ele prontamente retribuiu, embora de uma forma um tanto desajeitada. De todo jeito, muito os agradou.

    Eram um clã de uma família japonesa tradicional. Um patriarca, seus filhos e as respectivas famílias. Ali se iniciou uma conversação casual. Entre outras coisas, o moço disse de modo entusiasmado que tinha visitado o Japão num congresso de astrofísica anos antes e havia apreciado muito aquela viagem pela riqueza e singularidade da cultura japonesa. Falou ainda da celebração do centenário da imigração japonesa no Brasil em 2008, onde os símbolos e as virtudes desse povo foram difundidos com destaque nos meios de comunicação, culminando com a visita do príncipe herdeiro Naruhito. A partir daí, falou-se da importância da figura do imperador naquele país, sendo bastante popular por lá.  Foi nessa hora que o patriarca, sempre muito observador, se manifestou, causando alguma surpresa em seus familiares que o olharam com surpresa, mas não disseram uma única palavra.

    Sacred soul of every nation, emperor is!

    Ele falou de forma pausada cada palavra, em um inglês carregado de sotaque, mas com uma entonação profunda. O que levou os familiares a fazer uma reverência para o patriarca. O ancião não mais se manifestou, porém observava o rapaz com grande interesse que continuou a falar de outros aspectos do Japão e de sua ideia de voltar aquele país com mais tempo. Por fim, ele desejou a todos um bom passeio e uma estadia confortável na região. Ajeitou a mochila, deu uma olhada nos arredores e se preparou para seguir seu caminho.

    De forma distraída e pensando nas tarefas do doutorado, passou a observar uma simpática mocinha japonesa, que havia tirado o tênis para ajeitar a meia e retirar alguma sujeira. Tudo feito de modo primoroso, elegante e paciente.

    Daquilo brotou uma ideia que lhe pareceu a mais apropriada para a ocasião. Tirou os próprios sapatos, sacudiu-os fortemente  e os pendurou no ombro, amarrando os cadarços. A seguir colocou a mochila nas costas e saiu devagarinho. Mas antes acenou para aquelas pessoas ao se despedir. Apertou o passo e adentrou a antiga vila fortificada como um peregrino em alguma jornada sagrada.

    Contaria aos colegas aquela pequena aventura de ter entrado descalço em Yvoire. Seria assunto para uma semana pelo menos. E ele mesmo já se divertia, rindo intimamente. Mas sua atitude renderia mais do que ele pretendia inicialmente, pois não passou desapercebida. O grupo de turistas japoneses, pensando talvez se tratar de alguma tradição local, seguiram-no em seu gesto.

    O rapaz andando pelas ruas estreitas, descobriu, um pouco mais tarde, um hotel e restaurante chamado Le Jules Verne. Não teve dúvidas onde iria almoçar,  sentou-se numa parte mais ao ar livre na direção do terminal de balsas do Lago Léman. Enquanto lia um cardápio convidativo, observou que o mesmo grupo de turistas japoneses se aproximava do local. Para sua surpresa, todos estavam descalços e com os sapatos pelos ombros, exibindo em seus rostos as expressões mais confiantes e disciplinadas do mundo.

    Ele desatou numa gargalhada tão ruidosa que assustou o garçom que vinha servir uma mesa próxima. O homem perdeu o equilíbrio e tropeçou, esparramando todo o conteúdo da bandeja pelo chão. Logo se ouviu o som de garrafas e copos de vidros se despedaçando para todos os lados, causando certo frenesi no restaurante.

    O local estava relativamente cheio. Foi quando o rapaz se deu conta, no que considerou mais tarde a expressão mais tola de sua vida, que toda aquela confusão fora arte sua. Com um meio sorriso nos lábios e sem ter onde enfiar a cara, percebeu que o olhavam agora com certa curiosidade. E ia além disso, percebeu que atraiu para si também alguns olhares visivelmente alarmados. Porém, como não poderia deixar de ser em situações desastrosamente cômicas, outros riam sem se conterem. Ele não soube medir o que era pior.

    Em uma mesa mais recuada, próxima ao bar, uma mulher que estava pagando a conta, muito bem vestida e de maneiras elegantes, sorriu para ele encantadoramente e o encarou com intensidade. Ele considerou  na hora que tamanha força  pudesse colocar em conjunção todos os planetas do sistema solar de uma só vez. Nunca havia sentido aquilo antes. Não foram poucas as namoradas e uma noiva até. Supôs que o incrível dom daquela mulher ia muito além de uma colisão de estrelas, mereceria um modelo teórico próprio. Tudo escureceu e tudo se tornou luz num tempo exíguo demais para saber o que era exatamente. Seria um novo Big Bang? Não sabia ao certo, mas pode deduzir que a mecânica quântica ali se sentia em casa e modestamente sendo estudada. O poder feminino poderia então superar a força das esferas celestes e do mundo subatômico? Será que todas as equações da física haviam desabado naquela hora, e sem qualquer chance? Aquilo não tinha explicação neste mundo.

    A verdade é que não conseguiu pensar muita coisa, se é que pensava qualquer coisa coerente. Estava num êxtase às avessas. Seu único desejo era observar o fenômeno mais de perto para um estudo apropriado, e, talvez, produzir uma teoria responsável e plausível. Pelo menos assim relatou aos colegas dias mais tarde.

    No entanto, em meio ao ocorrido, perdeu ela de vista por uns instantes. Instantes que seriam preciosos demais para todo aquele horizonte de eventos. Quando voltou a atenção novamente para a mesa onde a moça se encontrava, ela havia sumido. Ele quase se desesperou, quase gritou, quase tinha um troço, seu coração batia muito forte. Foi até o caixa e perguntou sobre ela. Não queriam dar qualquer informação, mas ele  insistiu, dizendo que havia perdido o celular e esperava por alguém nas próximas horas que entraria em contato. E podia ser ela. O caixa disse então que perguntasse ao garçom que a serviu. Este não soube dizer muita coisa, a não ser que saiu apressada e pagou em dinheiro, dando duas notas de cem euros sem exigir troco.

    Ele ainda deu uma olhada nos arredores, mas não viu mais nada. Estranhamente só se lembrava de seu sorriso. Quase como um traço único e inconfundível, semelhante à luz de uma supernova no espaço profundo. Tanto que seria impossível para ele descrever seu rosto. Embora pudesse afirmar que era ela uma mulher bonita.

    Aproveitou para fazer um pedido de desculpas formais ao garçom que havia tropeçado. Fez questão de relatar alguma coisa ao meître sobre o que ocorreu. Nisso um tempo já havia transcorrido. A história arrancou ainda um sorrisinho do homem, que usava um avental ricamente bordado e com suas iniciais abaixo do nome do restaurante.

    Observou que os simpáticos turistas japoneses já estavam ali acomodados esperando pela comida. Ele os cumprimentou novamente, sorrindo com leve reverência.

    Nada mais restava a sua alma torturada. Assim não demorou a fazer seu pedido. Estava morrendo de fome e não iria economizar, pelo contrário, até como uma forma de compensar o prejuízo causado, ou quase. Não aceitaram que pagasse o que havia caído da bandeja, pois não havia sequer tocado no garçom. E o meître confidenciou que o tal garçom era um tanto distraído mesmo, e por lá tinha o apelido de Soneca, um dos anões da Branca de Neve.

    Como entrada pediu um peixe, Omble Chevalier. Depois, como prato principal, listado com destaque no menu do restaurante, um Filet de Rouget Lac Leman — um vermelho do Lago Léman — grelhado e servido com milho hollandaise, fleurons e purê de espinafre com agrião. E para acompanhar, um vinho rosé.

    Ainda degustando seu almoço, passou a analisar de forma que lhe era peculiar os eventos até ali.

    Uma placa. Tirou os sapatos. Seguidores descalços. Gargalhada. Tombo do garçon. Garrafas, copos e pratos em dezenas de pedaços. Espanto, risadas e um... um sorriso. Isto quer dizer alguma coisa?

    Fez uma pausa nos pensamentos, enquanto saboreava mais um pedaço do peixe. Olhou para o céu. O dia estava simplesmente lindo.

    "Aquele sorriso foi tudo. Tal coisa só pode ser  como um grande atrator no espaço, um aglomerado de galáxias. Ou talvez como bilhões de neutrinos vindos do sol atravessando tudo. Não posso duvidar da magnitude de tal fenômeno feminino. Talvez mesmo, aquele   sorriso crie matéria como uma forma de energia pura. Mas poderia estar perdido para sempre, entrando em outro universo desconhecido.

    Ficou um tanto parado, absorto, olhando o lago. Mas volta e meia em sua cabeça ecoavam os gestos da moça, mais do que imagens propriamente ditas.

    Não, não, o tal sorriso pertence a outro universo, nada tem a ver com a física. É um universo puramente humano, o da pintura. Certamente ele inspiraria uma nova Monalisa. Sim, sim aquela mulher era uma Monalisa em carne e osso. Uma obra-prima da natureza de milhões de anos de evolução de um corpo humano!

    Nesse momento via uma balsa partindo, talvez em direção à Suíça.

    O fato que  a encontrei e a perdi num intervalo de tempo pouco quantificável, escapou-me simplesmente. Eu a vi no caos e a perdi na ordem. Sei que somos como duas estrelas massivas em colapso numa orbita de encontro. Um arranjo binário em mútua colisão, tendendo a se misturar. Nós somos gravidade pura um para o outro. Por que não caiu em mim ou eu nela? Foi a falta de matéria escura entre nós? Ou a densidade extremada da energia escura nessa região que nos prejudicou, afastando-nos brutalmente? Seria como a Teoria da Inflação nos primórdios do universo, onde matéria e energia se afastaram com a velocidade superior a da luz, e só depois a gravidade agiu. Puxa, é sério, meu velho, eu sentir algo importante nesse encontro, porque não se deu? Que merda! No que justamente queria que minha intuição estivesse certa não rolou. Não é um sentido confiável mesmo. Decaiu rapidamente antes de qualquer ação minha.

    Foi mergulhado nesses pensamentos que ouviu do seu lado direito  algo sendo falado em japonês com firmeza. Surpreso, ele virou a cabeça no mesmo instante. E viu que o patriarca do grupo dos japoneses estava bem próximo  com as mãos esticadas e oferecendo uma faixa com inscrições intraduzíveis. O ancião tinha as feições sérias, por vezes, fazia alguns movimentos e gestos peculiares, provavelmente vindos de uma prática em artes marciais.

    O que o ancião falava era de todo incompreensível. E mais uma vez foi alvo de olhares em geral. Sem saber o que fazer, esticou as mãos num gesto que considerou involuntário. Ali recebeu a faixa do ancião que lhe disse mais palavras, dessa vez, num tom mais cerimonioso. Olhou na direção de seus pares. Espantados também e um tanto paralisados. E os encarou como que pedindo ajuda para entender aquilo.

    Sem demora, um dos filhos, o mais velho dos irmãos de nome Hayato, veio e lhe explicou em inglês que o pai pertencia a uma tradição antiquíssima de sábios no Japão que remontava aos samurais. E que embora não soubesse a exata motivação do mesmo por aquele ato queria poder me auxiliar. E, inclusive, que o desculpasse por qualquer inconveniente. No entanto, que tal demonstração na cultura japonesa era uma grande honra. E que ele mesmo, e todos os familiares, mais ainda estavam surpresos, pois jamais esperariam que um estrangeiro fosse o contemplado com tal cerimônia de passagem da faixa. Isso era totalmente incomum e sem uma explicação imediata.

    O pai havia completado noventa anos e sempre carregava a faixa consigo. Pelo que se lembrava, a recebeu aos quarenta e cinco anos de uma confraria de mestres Shoguns, mas não tinha certeza, pois era algo sigiloso. O patriarca dizia de quando em quando que  se não encontrasse o homem certo para passá-la, deveria ser enterrada ou cremada com ele. Porém como seria ou reconheceria esse homem ele não fazia menor ideia. Era parte do código dessa confraria.

    A história era intrigante. De toda sorte, duvidada que ele era o homem certo para  sabe lá o quê. Era um astrofísico e isso era mais que suficiente. O moço pensou em devolvê-la, mas sentiu que seria uma grande desfeita de sua parte. E de todo modo aquilo não o desagradou.

    Então quis saber o que o ancião havia lhe dito afinal. Mas se deparou com o simpático oriental corando de vez. Era uma forma da língua arcaica e cerimonial, e ele não tinha conhecimento. As duas únicas coisas talvez que ainda conseguiu distinguir, foi o ter chamado filho de Orion, mas sem significado na cultura japonesa que ele soubesse e espírito de Sakura, que eram as cerejeiras em flor, imagem muito popular em seu país, significando amor, renovação e esperança. Marcava o início da primavera e sua floração era muito aguardada no Hanami, espécie de festividades de contemplação.

    E pediu de antemão mais desculpas, pois seria uma falta muito grave questionar o pai sobre qualquer coisa a respeito de suas palavras, pois pertenciam a um rito sigiloso, e estas deveriam ser ditas neste caso, e isto ele sabia, uma única vez para um único homem. O que foi dito, foi dito. O que foi feito, foi feito. Que o moço pudesse aceitar como tinha sido, caso não houvesse maiores inconvenientes e ele não tivesse se sentido aviltado com essa oferta.

    — De maneira alguma! Na verdade, não sei o que dizer ou como agradecer, Hayato.

    — Acredito que não seja necessário — adiantou o filho do patriarca — atento a cada gesto do pai. Que disse alguma coisa em japonês.

    Nesse meio tempo, o rapaz  fez uma mesura ao modo oriental para o ancião, que retribuiu prontamente. E ainda improvisou em sua fala.

    Arigatou, sir.

    — Ele quer saber seu nome. Não nos recordamos de o haver mencionado — disse finalmente Hayato.

    — Acredito que não. Pode me chamar deJúlio Gaius — respondeu com naturalidade.

    — Car..los Gauiôs... — repetiu o ancião.

    — Gaius, Gai... us — soletrou.

    — Gauiôs...

    O rapaz riu. 

    O senhor então apertou os dois ombros de Gaius e disse em japonês.

    Tsuneni junbi no seishin. Sayonara, Senshi Pepê — ele pronunciou cada palavra com uma reverência.  Depois fez uma última saudação e  saiu em direção a seus parentes, umas duas mesas atrás, deixando o filho e Gaius ali.

    — O que seu pai falou?

    — Do espírito de prontidão — disse o outro, fazendo o ojigi  com a maior inclinação.

    O modo mais formal da saudação significava que o próprio Hayato parecia reconhecer um valor naquelas palavras. E continuou.

    — Meu pai o alertou para tal disposição ou virtude na sua vida. Por fim, ele se despediu o chamando de guerreiro.

    Houve um certo silêncio, e Gaius ficou pensando distraidamente naqueles acontecimentos, observando de longe o senhor japonês, que lembrava naquele momento mais o mestre Yoda, da saga Guerra nas Estrelas. Uma versão humana, bem mais alto e tendo, nesse caso, as orelhas bastante diminutas. E por fim disse:

    — Sim... um guerreiro, mas quem não tem que ser nesta vida, não é mesmo? — e olhou significativamente para o outro.

    Hayato fez uma mesura em concordância.

    Soube numa conversa seguinte que o ancião havia lutado na Segunda Guerra Mundial e recebido medalhas por bravura. E que o próprio imperador o recepcionou por ter salvado, anos mais tarde, dezenas de pessoas após um terrível terremoto. Foi considerado um herói nacional.

    O senhor Takashi Yama transmitia serenidade e força em seus modos. Além disso, suas feições indicavam uma vontade inabalável. De alguma forma revigorou as energias de Gaius com sua presença e atenção, embora fosse um senhor em idade bastante adiantada. Recordou-se de um momento, quando o ancião tocou-lhe os ombros. Naquele instante, Veio-lhe a mente de forma persistente a imagem de um urso. Mas como naquele dia nada parecia muito normal, abstraiu totalmente essa sensação, preferindo se guiar pelos fatos puros e simples.

    Ele havia ganhado uma faixa de um senhor oriental sem motivo aparente, talvez apenas porque tenha ido com sua cara. Não havia uma razão plausível.

    Com esse pensamento entendeu que estava na hora de investigar melhor a tal faixa.

    — Puxa, é uma peça riquíssima ao que parece,— disse estendendo a mesma sobre a mesa — e esses fios dourados aqui é o que estou pensando, Hayato?

    — Ó sim, fios de ouro! Se é isso o que pensou — disse o outro.

    — Faça-me um favor, diga ao seu pai  que a levarei sempre comigo. Embora não saiba exatamente o porquê. Só senti que é algo valioso e merece respeito.

    — Farei com satisfação — respondeu, inclinando a cabeça e satisfeito.

    — Mas e esse ideograma? — apontou na faixa. E aproximou mais o rosto daquela parte — É um nome?

    — Somente a palavra Shinto de nossa espiritualidade ancestral, relacionada ao xintoísmo. E significa em uma tradução livre, caminho dos deuses — explicou Hayato.

    — Caminho dos deuses! — repetiu o rapaz, quase que para si mesmo.

    — Exato.

    — E essas traves, uma espécie de pórtico em cada ponta do tecido, como se chama mesmo? Vi em muitos lugares quando visitei o Japão.

    — Chamamos de torii. Em nosso país sua presença anuncia que há um santuário xintoísta por perto. Mas acredito que hoje em dia é uma das famosas representações da cultura japonesa.

    — Sim, é verdade. Mas me diga uma coisa, do ponto de vista espiritual ou filosófico, não tenho certeza, o que li foi muito pouco a respeito, o torii não demarcaria o limite entre os mundos...?

    — Exatamente. No xintoísmo simbolizam a separação entre o mundo dos homens e o dos kami.

    — Kami?  — repetiu Gaius — o que seria?

    Watashi o kangae sasete — falou Hayato em japonês sem querer, mas logo emendando. — Desculpe-me!

    — Não por isso — adiantou Gaius.

    — Mas devo dizer que minha dúvida reside em como explicar isso adequadamente.

    — Ah, não se incomode tanto — considerou Gaius.

    — Bem... da forma mais simples que posso falar, Kami significa o sagrado.

    — Sim, faz sentido. E obrigado!

    Então Gaius fixou novamente olhar na direção de onde saía as balsas. E anunciou.

    — De toda sorte, tudo isso é intrigante demais. Fui chamado de filho de Orion, espírito de uma flor e ainda recebo um tecido com um  ideograma bordado em fios de ouro. Não sei o que pensar ainda.

    E refletiu, esse dia realmente não está muito normal não. E somado ao encontro com Monaliza, o que posso concluir? É muita coisa para um dia....

    — Posso entender sua situação! — disse Hayato mais sério, fazendo uma leve inclinação e retirando o rapaz de suas reflexões.

    — Como disse, até porque todos ficamos embaraçados e surpresos também. Mas espero que tenha conseguido transmitir a importância e o valor desse ato em nossa cultura, embora eu mesmo reconheça que fui incapaz de dar-lhe melhores informações ou motivações maiores.

    — Não se preocupe, vocês foram extremamente gentis comigo. E queira me desculpar, isto sim! Quando resmunguei agora, foi mais um questionamento para mim mesmo, e menos uma reclamação, pode ter certeza. Tenho esse costume de repetir as coisas e acontecimentos como uma forma de análise, vícios da profissão.

    — Entendo isso.

    Hayato olhou para a mesa de seus familiares, que pareciam o aguardar. Fez um sinal que esperassem mais um pouco e virou-se para rapaz com alguma expectativa.

    Gaius percebeu a situação. E já ia falar alguma coisa, mas o outro adiantou a fala.

    — Antes de me despedir, permita-me acrescentar algo que acredito ser relevante.

    — Claro.

    — Quando você mencionou há pouco ser chamado de espírito de uma flor, lembrei-me do fato de os samurais serem grandes apreciadores da flor de cerejeira. Flor ligada à efemeridade da existência humana e inspiradora de um dos lemas no bushido, código dos Samurais, que é o seguinte, viver o presente sem medo.

    Capítulo 2

    Uma mulher atravessou a faixa de pedestre com passadas cada vez maiores. O scarpin escuro que calçava marcava o ritmo da caminhada. Usava um vestido preto um pouco acima dos joelhos, meia-calça e um sobretudo mostarda com gola de botão. Os bolsos do sobretudo exibiam um discreto acabamento em preto. Já os botões tinham uma tonalidade prata. O corte do vestido era uma releitura dos anos sessenta, assinado por um conhecido estilista francês.  Usava nos cabelos uma passadeira num tom prata, incrustrada de cristais que irisava belamente sob a luz fria e difusa daquela manhã. A passadeira retinha seus longos cabelos castanho-avermelhados, mas os ondulando gentilmente para trás.

    O celular tocou dentro da bolsa. Ela parou em frente ao edifício com alguma expectativa e olhou o display do aparelho.

    — Alô? Oi Hadrian, já ia te ligar — atendeu descontraída.

    — Sam... Está tudo bem com você? — perguntou o homem do outro lado da linha. Mas havia um misto de aflição e urgência na voz dele, porém conseguiu disfarçar bem.

    — Tudo... Claro e tenho novidades! ─ respondeu ela com naturalidade.

    — Sam, você não viu as mensagens? — indagou num certo tom de reclamação.

    — Não. Só liguei o celular no aeroporto.

    — E chegou que horas em Genebra? — indagou ele um pouco chateado. — Puxa,  já podia ter me ligado!

    As expressões no rosto dela se agravaram.

    — Calma, Hadrian. Tem uns vinte minutos apenas. Mas passarei no shopping aqui na avenida Louis-Casai. Depois encontrarei com você no restaurante do hotel como combinamos. Nunca me atraso, sabe disso muito bem.

    — Não é isso, desculpe, Sam — disse ele, respirando fundo e mais contido.

    — Tudo bem! — disse ela, olhando o relógio e apressando o passo — Claro, e ainda vamos conversar. Não é primeira crise que passamos. Estive pensando em nosso relacionamento durante esses três dias também, embora o projeto tenha me consumido bastante. Vamos superar isso, é uma fase. Sei bem.

    — Eu sei... eu sei, mas precisamos adiar nossos problemas conjugais.

    — Hadrian, você me prometeu, uma semana só nossa! — argumentou não escondendo seu aborrecimento agora.

    — Sam, Sam... não é nada disso, não tem a ver com a gente! São acontecimentos recentes na empresa. Nada bons! — disse ele muito sério.

    Conhecia o marido o suficiente para saber que algo grave havia ocorrido. E só poderia ser num setor, as finanças. A tranquilidade do marido com relação a todas as outras coisas marcava sua personalidade.

    — O que houve? Algum problema com nossos investimentos? — indagou ela com certa apreensão.

    — Sim, e o maior deles. O conselho diretor da Soilspace se reunirá em caráter de urgência para decidir os rumos da empresa e a prioridade de investimentos dos projetos. Toda a diretoria foi convocada, inclusive você e os outros chefes dos principais projetos.

    — Quando?

    — Hoje à tarde.

    — Mas o que houve?

    — Sam, Herzog Brents foi assassinado!

    —  O quê! — exclamou ela quase gritando.

    O susto foi tão grande que ela parou e depois começou a andar de um lado para

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