O Agora Em Versos
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O Agora Em Versos - Carlos França
I AMENIDADES
CASTRO ALVES
Além do oásis das palavras, numa praça enladeirada
No contratempo da poesia livre e autodidata
Vi a letra silenciada, porém não morta ou cansada
Quando remansado no eco passageiro do agito
E com a esperança distraída na brisa que sinto
Nestas vielas com seus trilhos de um bonde foragido
Longe, muito longe com o espírito arisco
Piso em pedras irregulares de destinos
Fazendo-me enternecer de pôr-do-sol até Lacerda, o
elevador
Desses dias, dessas horas mornas que a tudo devora
Resistiram minhas pegadas, minhas metáforas e
certo fervor
Nas antigas e estreitas ruas da cidade do Salvador
Estudando as dignidades concretas
Em praças de cochichos, de espetáculos, de revoltas
e de poetas
Museus à deriva e bibliotecas nunca descobertas
E em uníssono inquieto e beato a arquitetura de
igrejas indiscretas
Malformada de altares e escandalizada de poderes
eternos
Que fez da Bahia um estado de encantos
inquietantemente crédulos
Quando passa a barata de Kafka, pouco
entusiasmada e alerta
A correr cabisbaixa, envergonhada pelo passado
perverso
A escravidão humana das ideias como crueza aceita e
aberta
Não fosse a cena mudada das antigas pelejas em
versos
Tudo pareceria uma ladeira sem graça e de curvas
incertas
Incrustada numa paisagem de gritos e sons diversos
Mas lá, há um notabilíssimo em suspiros de
véspera...
Vestindo-se de estátua em posição altiva e eterna
Ainda duvida de tudo que não seja a conduta
honesta
E entre o carnaval, a verdade, a procissão, a
liberdade e qualquer festa
A injustiça passada, latente, nova, professa ou
manifesta
É ainda a maior dor do poeta
Já a barata magnetizada pelas ações perversas
E do que ainda brotava naquela cultura de festas
Tinha seu temperamento em certa agonia
Porém, por uma sintonia clandestina, ainda corria
Até estatelar diante da estátua magna de sabedoria
E não era só ela, um homem professava em epifania:
"Arranca-te daí, pois a formosa letra está
abandonada, claudicante, estraçalhada, vazia
Esta tua forçosa letargia não é imprópria, eu sei, eu
mesmo testemunharia
Mas para o infortúnio desta terra, a tua ausência
afeta a dignidade maior da poesia
A dignidade do povo, da prosa, das letras, e mesmo
do verde destes e de outros dias
Não reconheço outro, não sou apóstolo, não sou
douto ou quiçá um louco, sou poeta novo
Salve, salve! Mestre Castro Alves"
Nas esquinas relutantes da Bahia
Sentir brisas e algumas sóbrias ventanias
Além do voo sincero das andorinhas
Beleza que só porei em versos e em poesias
Já a virtude do verbo que a tudo denuncia
Não poderei dizer coisas dignas e altruístas
Por isso, oro às saudades jamais vistas!
POESIA SELVAGEM
A poesia selvagem dança sozinha em meio ao
desconhecido
Testando seu sangue artístico, o quê fictício e o
coração mítico
Em porte magnífico, a alma traz as asas da febre a
cena virgem
O verbo voraz seduz a mente e tece meios, imagens e
sentidos
Já as letras numa compulsão de frases e certas
verdades afronta a vertigem
Palavras riscam átomos, peles, vídeos, histórias, o
agora e outros fatos
E descalços entre verbos prontos e soltos, poetas
nascem num mundo pouco culto ou lido
Muitos deles desconhecidos, apenas leitores audazes
do invisível, são todos dignos
Sensação singular de estar e ser verbo transitivo,
varrendo os instintos
Purificando outros destinos, outras vocações e outros
signos
Não temos pretensões ao podium, a uma medalha, a
um serviço
Mas o reconhecimento lícito refaz o poeta vivo em
muitos inícios
Filhos da arte e de um momento, parimos o instante
e partimos
O verbo explorando ineditismos, refinando ritmos e
inventando entes escritos
Gotejando no orvalho do tempo certo mistério audaz
e livre, o espírito vivo
Refazendo o prazer da leitura por todos os lados ou
nas páginas em luz explodindo
Quando a musa arisca em sua instrutiva volúpia
remove partidos, facções e atos rígidos
E ali o poeta em seu claustro de inspiração e aptidão
ora aos espaços em brancos e lisos:
"Então despe esse vulcão poético, cheio de léxico,
revelando seu íntimo sexo, seu coito silábico
Seu frêmito de ideias elevadas e de favores a arte do
verbo e da magna palavra"
Assim, a cena absoluta se perde e se edifica na
paixão pela vida, palavras vibram, palavras choram
Palavras contam histórias
CORREU
Quase sem corpo, algo meio tonto
Correu no piso liso e branco
Ligeira, intrépida e aveludada
Como uma formosa ginasta
Num tom enviesado de prata
Convergindo para um único ponto
A vida como um breve encontro
Esculpiu a si mesma imortal
Mas não escapuliu do destino
Teceu, teceu um segredo letal
"A vida um coma transcendental
Um óbito parido e de valor cretino"
Quem teve essa ideia de neandertal?
Não se soube o mínimo
Ou se foi real
Assim, o verbo já entrou se despedindo
Receava promover mais mal
Na verdade, não havia clima
Algo olhava humanidade bem de cima
Em sua habitação mais desenvolvida
Gravitou na estação espacial, uma gotícula
Mínima porção casuística e inventiva
Afinal, não passava de uma reles tinta
Depois vítima inequívoca do artista
Na sua lida por um mundo mais altruísta
VOCAÇÃO DE POETA
A vocação do poeta
Não