Apostilas Básicas De Sociologia
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Apostilas Básicas De Sociologia - João Ribeiro De A. Borba
Apostilas básicas de Sociologia
As teorias de Comte, Durkheim, Weber, Marx e Proudhon
João Ribeiro de A. Borba
Apresentação
Este livro se dirige principalmente a estudantes universitários que, em qualquer curso, tenham a disciplina de Sociologia — mas também é útil para o público em geral que tenha ainda pouco conhecimento e algum interesse no assunto.
O livro foi montado a partir de apostilas escritas por mim para aulas de Sociologia, cada apostila dando origem a um capítulo. Ao longo dos capítulos são apresentadas de maneira resumida e em linguagem simples as teorias de Augusto Comte, Émile Durkheim, Max Weber, Karl Marx e Pierre-Joseph Proudhon — este último uma preciosidade do pensamento sociológico muito menos conhecida e explorada do que deveria.
Há muitos livros resumindo os pensamentos de Comte, Durkheim, Weber e Marx, mas são raros os que falam também de Proudhon.
Esses pensadores não apareceram historicamente nesta ordem. A sequência histórica seria Comte e Proudhon juntos, depois Marx, depois Durkheim e por fim Weber, que foi o último deles. Mas alterei esta sequência histórica para colocar as apostilas pela ordem do grau de complexidade daquilo que apresentam, indo da apostila mais simples para a mais complexa.
O capítulo sobre Marx foi montado a partir de duas apostilas, por isso está subdividido em duas partes. O mesmo acontece com o capítulo sobre Proudhon.
Todos os capítulos do livro estão subdivididos com subtítulos em negrito para facilitar o estudo, e o livro se encerra com uma Bibliografia de leituras recomendadas.
Espero que o material seja útil, e os leitores possam fazer um bom proveito.
O autor.
A Lei dos 3 Estados
de Augusto Comte
1. Introdução: Comte,
Saint-Simon e Proudhon
Auguste Comte nasceu em 1798, na França, e faleceu em 1857. Costuma ser considerado oficialmente o fundador da Sociologia, mas na verdade isto é questionável por duas razões.
A primeira razão é que Comte era assistente de Henri de Saint-Simon, o fundador do socialismo cristão — primeira corrente de pensamento oficialmente declarada socialista
— e acontece que Saint-Simon já estava esboçando antes de seu assistente uma ciência para estudar a sociedade.
A grande diferença está em que Comte declarou que essa ciência deveria se separar de qualquer crença religiosa e de qualquer posicionamento político, para ser neutra — como segundo ele uma ciência deveria ser — e não guiada por valores. Por esse motivo Comte rompeu suas relações com Saint-Simon.
Comte além disso organizou melhor o que seu mestre Saint-Simon já estava desenvolvendo. Mas fracassou na ideia de fazer da Sociologia uma ciência neutra. Primeiro porque um seguidor seu, chamado Littré, acabou deixando bem claro que havia um posicionamento político embutido por detrás dessa suposta neutralidade. Um novo posicionamento político de direita hoje conhecido como tecnocracia
.
Além disso o próprio Comte, em seus últimos anos de vida, acabou recaindo novamente na religiosidade, instaurando uma nova Igreja, a Igreja do Positivismo, que venerava os grandes cientistas. Tentando construir algo puramente científico e não religioso, Comte ao invés disso acabou transformando a própria ciência em religião.
A segunda razão pela qual é questionável que Comte seja o verdadeiro fundador da sociologia é que — como observa muito bem o sociólogo Georges Gurvitch — na mesma época do séc. XIX um homem mais jovem, chamado Pierre-Joseph Proudhon, também desenvolvia uma sociologia, mas muito mais complexa, elaborada e refinada, além de ter um perfil muito mais atual para século seguinte (e até para o século XXI).
Proudhon será objeto de um capítulo específico no final deste livro. Mas por ora vamos continuar esclarecendo a sociologia de Comte.
2. Ordem e progresso
O ponto que costuma ser considerado o mais importante em toda a sociologia de Comte é a sua famosa Lei dos 3 Estados, da qual ele fala em diversos textos. A palavra Estado
aparece aqui sempre no sentido de condição ou situação em que uma pessoa, um grupo ou uma sociedade estão vivendo, no sentido do modo como estão vivendo, e não no sentido de Estado político ou jurídico.
Entretanto, Comte acredita que um modo de vida mais científico leva a sociedade a uma vida mais bem-ordenada, inclusive do ponto de vista político.
Segundo Comte, as pessoas individualmente ou em grupo, as sociedades e até mesmo a humanidade como um todo, se desenvolvem sempre seguindo um mesmo caminho, que está ligado ao modo como as pessoas procuram conhecer a realidade ao seu redor para poderem agir sobre ela.
Comte considera que existe progresso, isto é, avanço para uma situação melhor, quando as pessoas avançam para um estado superior no seu modo de tentar conhecer e entender as coisas.
O progresso acontece na medida em que as pessoas aprendem a utilizar meios de conhecimento melhores, pelos quais conseguem informações mais corretas, mais sólidas e mais seguras.
Compreendendo melhor a realidade (por fazerem isso usando meios mais eficazes), as pessoas começam a agir de maneira mais eficaz também, porque cometem menos erros, já que suas ações são apoiadas em informações menos fantasiosas.
O progresso produz ordem, a vida se torna mais bem-ordenada, e a ordem produz mais progresso, porque contribui para que o pensamento se desenvolva melhor.
3. Fases de desenvolvimento
do conhecimento
A teoria de Comte é a de que esse avanço ou desenvolvimento, esse progresso, acontece passando sempre por três fases ou estados
, que são os mesmos para pessoas individualmente, para grupos, sociedades ou para a humanidade como um todo.
Em outras palavras, em qualquer área do conhecimento humano, uma pessoa, grupo ou sociedade, ou a humanidade como um todo, pode estar em um estado mais primitivo e menos evoluído de conhecimento a respeito do mundo ao seu redor. Ou pode estar num estágio intermediário, um pouco mais avançado, mas no qual os conhecimentos ainda não são seguros. Ou então poder ter conseguido finalmente se desenvolver para um estado superior, no qual já pode confiar em seus conhecimentos, porque estão realmente bem fundamentados e não são mais fantasiosos ou incertos.
A ideia geral de Comte, quando fala desses estados de desenvolvimento, pode resumida como se segue.
4. A fase mais primitiva
Primeiro, no estado mais primitivo do nosso conhecimento, partimos de falsas certezas, de fantasias nas quais acreditamos sem usarmos o raciocínio e sem termos nenhuma base realmente sólida para fundamentarmos essas crenças.
Ou então usamos o raciocínio apenas para justificarmos alguma coisa em que já acreditamos de saída, o que significa que confiamos mais na nossa simples crença sem nenhum fundamento do que nos raciocínios, porque não estamos realmente nos apoiando nele para descobrirmos se as coisas em que acreditamos são verdadeiras ou falsas.
5. A fase intermediária
Depois, num estado intermediário, vamos aprendendo a raciocinar e questionar nossas fantasias, e a construir teorias mais racionais sobre como deve ser a verdade em cada assunto. Já não estamos mais nos apoiando nas nossas simples crenças, pelo contrário, estamos acreditando apenas naquilo que o nosso raciocínio nos mostra que é verdadeiro.
Mas neste estado intermediário ainda caímos em muitas incertezas e erros, porque nas nossas teorias ainda não percebemos que para termos um conhecimento bem fundamentado não basta apenas raciocinar.
O raciocínio é uma ferramenta de conhecimento melhor que a simples crença, mas raciocinando com o mesmo cuidado e dedicação ainda podemos chegar a teorias completamente contraditórias.
Se apoiamos as nossas crenças apenas no raciocínio, logo começamos a perceber que o raciocínio pode nos levar a acreditar em coisas muito diferentes, às vezes opostas, e até mesmo contraditórias e incompatíveis umas com as outras.
Deste modo o raciocínio, se por um lado acaba derrubando nossas crenças infundadas, por outro lado acaba nos deixando numa situação de incerteza, ao invés de nos ajudar a chegarmos a certezas mais sólidas e bem fundamentadas.
6. A fase mais desenvolvida
Finalmente, no estado mais avançado do conhecimento, aprendemos a pensar cientificamente a respeito das coisas. Em outras palavras, aprendemos o que é preciso fazer para fundamentar melhor nossas teorias: a observação e descrição cuidadosa dos fatos.
É preciso observar os fatos antes de começarmos a raciocinar, para não construirmos raciocínios fantasiosos e sem nenhuma base.
Então, nesse último estado do conhecimento, que é o mais avançado, aprendemos a observar cuidadosamente os fatos, para só depois raciocinarmos sobre eles desenvolvendo nossas teorias, e com isso chegamos, agora sim, a teorias mais sólidas e menos contraditórias, nas quais podemos finalmente acreditar sem cairmos em tantas fantasias e erros.
7. Religião, filosofia e ciência
Comte fala sobre essa sua Lei dos 3 Estados de desenvolvimento em diferentes textos seus, e a cada vez os estados aparecem com nomes um pouco diferentes. Mas basicamente existem três áreas de atividade humanas que, para ele, estão ligadas a esses 3 estados de desenvolvimento, respectivamente: a religião, a filosofia e a ciência.
No livro Discurso sobre o espírito positivo, publicado em 1844, por exemplo, Comte explica sua Lei dos 3 estados