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Projeção Demente
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E-book210 páginas2 horas

Projeção Demente

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Sobre este e-book

Esta é uma coletânea de contos bastante diversos uns dos outros, mas que têm em comum a ideia de projeção da mente. Seja por projetarem o leitor no futuro ou no passado, seja por projetarem os personagens em seu futuro e em seu passado, seja por tratarem de paranormalidade e telepatia, ou de mentes que, no presente, se projetam de algum modo para fora de sua consciência presente, em seus pensamentos e reflexões. Existe também o tema da demência, no sentido de loucura, permeando em alguma medida essas histórias, pois os personagens muitas vezes transitam nos limites de sua lucidez.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento13 de mar. de 2022
Projeção Demente

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    Projeção Demente - João Ribeiro De A. Borba

    Projeção demente:

    passados, futuros e presentes

    João Ribeiro de A. Borba

    Apresentação

    Existe um jogo de palavras no título deste livro: a projeção demente é também projeção de mente, e este é o tema comum que une os 8 contos tão diferentes aqui reunidos. O leitor será projetado no passado e nofuturo, e em alguns casos projetado, no presente mesmo, em um ambiente psicológico de consciência alterada.

    Além disso em alguns contos se trata de um modo ou de outro de projeções mentais que adquirem um perfil demencial, no sentido de insano, seja pela sua dimensão, seja pelo seu modo de desenvolvimento. Em outros contos, a narrativa envolve temas como telepatia e paranormalidade.

    O conto Sobre um velho casarão em ruínas explora a projeção de mentes fantasmagóricas — fantasmas — sobre a realidade prática ou psicológica dos vivos no cotidiano… esta é pelo menos a camada de superfície da coisa, aquela com a qual o leitor toma contato logo nas primeiras páginas… mais do que isso não posso dizer sem o risco de estragar alguma possível surpresa.

    O texto Cãozinho — o único da coletânia que não é ficcional, mas um relato real — projeta nossa mente no passado remoto, na pré-história e nas lendas da primeira civilização humana, a mesopotâmica, para poder desenvolver em toda a sua profundidade e significação uma pequena história sobre o medo, vivida no convívio com uma cachorrinha querida.

    Pêlos em pílulas é o relato da insanidade de um professor universitário que, entrando gradualmente em um surto psicótico, se vê psicologicamente perseguido pela ideia sombria de sofrer a possessão por um lobo — este conto está presente também como um capítulo no livro Sombras de lobo: Humor negro & fantasia.

    No conto Um dia eu vi a Lua é esse astro luminoso que se projeta insanamente nos sentimentos humanos, devido às circunstâncias da vida em um futuro distópico possivelmente bem próximo.

    Expôr no gráfico é um conto mais leve e bem-humorado que eu chamaria de minha pequena bobagem. Nele a linguagem procura projetar o leitor num louco ambiente de malícia, que se rompe subitamente numa cena repleta de revelações.

    Boca de base é uma ficção científica sobre um jogo de disputas políticas e traições em um futuro distópico, na Base Central da Inteligência Militar de uma terrível ditadura. Tudo gira em torno das projeções da imagem do regime político junto aos jornais e à opinião pública, e de novas tecnologias de espionagem que envolvem telepatia e outros recursos parapsicológicos.

    A Bela Adormecida pode ser compreendida como uma versão adulta e pesada, psicológica, da fábula infantil, com uma protagonista dotada de poderes paranormais, e explorando bastante os possíveis significados de estar adormecida e de despertar, em especial o despertar com um beijo — ou mais precisamente, despertar para o beijo.

    Lençol na beira do lago era originalmente a letra de uma música composta por mim, que aqui transformei em prosa narrativa — em alguma medida, prosa poética. Trata de um casal separado que se reencontra, e das projeções mentais do homem a partir do que vai se desenrolando nesse encontro.

    Espero que o leitor aprecie, que se projete nessas narrativas com gosto, e possa curti-las com aquela dose de insanidade que o clima delas sugere.

    Boa leitura!

    Sobre um velho

    casarão em ruínas

    1.

    E como isto foi escrito?

    Outubro de 1999.

    Longe da viva loucura da humanidade, escavado entre montanhas de verde selvagem, o vale era uma cova seca e funda, eternamente coberta por um véu de cinza nublado chuvoso. O clima era constante, pré-chuva torturante. Nunca realmente chovia, mas o ar tinha uma pesada umidade apodrecedora.

    Vivíamos nesse vale, num casarão lá no fundo, rodopiando por entre as paredes, zunindo nas frestas, dançando no vento. O casarão, de dois andares e quase todo construído em madeira, estava abandonado havia muito, muito tempo.

    Os pequenos animais, insetos e pássaros, evitavam o vale, assustavam-se com a nossa presença fria e transparente.

    Os maiores nem se aproximavam, pelas mesmas razões mas também porque o centro do vale era na verdade uma ilha, circundada por uma lagoa em forma de anel. Uma lagoa que ninguém atravessaria a nado… ninguém, talvez nem mesmo um peixe, porque estava recheada por uma estranha espécie de roseira aquática cheia de flores roxas e espinhos.

    Nossa existência era uma eterna repetição tediosa de movimentos no silêncio do vale. Nos deixávamos levar pelo vento. Os movimentos mais interessantes eram aqueles em que o vento nos levava para dentro do casarão, pelas frestas nas tábuas das paredes ou por um buraco que havia no telhado. Então nos desligávamos do vento para explorar os detalhes de cada cômodo, levantar a poeira dos móveis, passar pelas fechaduras e por debaixo das portas… brincávamos então de imaginar cenas com pessoas, como se as estivéssemos espionando — Sim! Sabíamos o que eram pessoas!

    Mas na verdade não havia ninguém.

    O que mais atiçava nossa curiosidade era um cômodo em especial, quando voávamos pelas escadas acima, no fundo de um corredor no andar de cima da casa. Neste cômodo não conseguíamos entrar. As frestas ao redor da porta, e também o buraco da fechadura, estavam vedados por uma poeira grudenta que não conseguíamos retirar, e não havia frestas nas paredes. Havia uma janela para o lado de fora, mas também estava vedada, e além disso coberta pelo lado de dentro pela mesma poeira cinzenta. Se éramos transparentes, aquela janela não era.

    Isso nos divertia. No tédio da existência diária, imaginávamos coisas loucas que poderiam existir ali.

    Estávamos precisamente nessa brincadeira, despejando nosso hálito gelado nos vidros daquela janela, carregados de curiosidade e imaginação, quando fomos surpreendidos pelo ruído da velha grande canoa, a velha grande canoa que estava largada desde tempos imemoriais na margem externa do anel de água e de espinhos que circundava o vale.

    Saltamos numa lufada de vento que ia naquela direção, e chegamos lá rapidamente. Mas o que era aquilo?

    Era incrível!

    Espantoso!

    Era… era um casal!

    Um sujeito forte e moreno, uma mulher morena também, de estatura mais baixa, com cabelos castanhos escuros enrolados e presos no alto da cabeça, um largo sorriso no rosto . Nos pareceu bonita. Na verdade, examinando com cuidado, mais do que tudo no vale. Ana… foi assim que o sujeito a chamou.

    O homem, com enorme esforço, havia levantado uma das laterais da canoa até deixá-la de lado, e a mulher, Ana, estava com um balde de óleo, jogando esse óleo na parte de baixo e espalhando-o com um grande pincel. Sabíamos o que era isso, conhecíamos o ritual. Era o que os humanos faziam para atravessar o lago sem encalhar nas entranhas espinhosas da roseira d’água. Havia também uma longa vara de madeira, para enfiar na água até o fundo do lago e ir empurrando a canoa para a frente.

    Como entendíamos o que eles estavam fazendo? Era incrível que tivéssemos de algum modo a memória disto, porque não conseguíamos nos lembrar de alguma vez na nossa existência já termos tido contato com humanos! Decerto tínhamos tido. Decerto tínhamos esquecido. Caso contrário nem saberíamos o que são pessoas.

    — Ana — disse o homem — já está terminando? Digo porque está escorregando e está meio pesado isso aqui.

    — Aguenta só mais um pouquinho, amor.

    — Espero que a casa valha a pena — disse ele. Estou suspeitando que vai sair caro arrumar. A região também não ajuda muito, com essas nuvens, essa umidade no ar. Será que é sempre assim?

    2.

    Setembro de 2018, quase dezenove anos depois.

    Nati Laurentina estava no banho. Estava molhando os cabelos louros e curtos, sentindo a água quente do chuveiro no rosto, descendo pelo pescoço e escorrendo pelo corpo. A sensação era gostosa. Era pra ser gostosa. Devia ser gostosa. Mas estava com os braços cruzados sobre os seios, como que protegendo-os, e de vez em quando soltava um suspiro aflito, tentando se livrar daquela outra sensação, aquela meio absurda, que a vinha acompanhando já fazia pouco mais de um mês. Não estava à vontade.

    De repente deixou escapar uma risada, e baixou a cabeça, passando as mãos nela lentamente, da testa para a nuca. Saiu do banho e se enrolou rapidamente numa toalha. Um pouco mais rapidamente do que devia talvez, estando ali… sozinha.

    Olhou instintivamente para o lado. Sozinha sim, no banheiro vazio. Olhou no espelho sobre a pia e deu mais uma risada aflita. Por que isso está acontecendo comigo? — pensou. Eu sou bonitinha — pensou brincalhonamente como se fosse criança, como sua mãe lhe dizia quando era criança. Sou bonitinha, não mereço isso.

    Olhou com mais cuidado o seu rosto, o nariz fino, os olhos azul-prateados e os traços com alguma coisa de indígena. Sou uma gata, isso sim. Uma gatona. — Afastou-se e olhou melhor os contornos do próprio corpo contra a toalha. Sou um mulherão. Talvez um pouco magrinha, mas um mulherão. Mais ainda aqui (pôs a ponta do dedo na cabeça). Aqui (pôs a ponta do dedo sobre a toalha indicando o coração). Ninguém vai me intimidar não… nem mesmo alguém dentro da minha própria cabeça!.

    Abriu a porta do banheiro e saiu rápida, saltitante. Mas de repente algo puxou e lhe arrancou com força a toalha.

    — Aah! — gritou apavorada, encolhendo-se toda para esconder o corpo — Não!

    Olhou para trás com os olhos arregalados. Não havia ninguém no banheiro. Ninguém à vista pelo menos. Caminhou devagar toda encolhida para conseguir uma vista melhor do resto do banheiro através da porta aberta… vazio. E então reparou: a porta. A toalha estava pendurada no trinco por um pequeno rasgo na beirada. Tinha se enroscado sem ela perceber.

    Tirou a toalha dali com a mão tremendo, e enrolou-se de novo, com a cabeça enevoada e com vontade de chorar. Não foi nada — pensou. Pelo menos não dessa vez. E tentou respirar fundo, mas o que saiu foi um longo suspiro tremido.

    Não se assuste… — soou uma voz masculina suave e acolhedora na sua cabeça, uma voz que ela já conhecia — Por favor, não se assuste. Não fui eu quem puxou a toalha.

    Nati fechou os punhos e começou a bater na própria cabeça, aflita. Não, nada disso. E decidida a ignorar, avançou rapidamente para o quarto, para se vestir.

    Antigamente fazia isso — continuou a voz na sua cabeça, enquanto ela se vestia um tanto apressada e constrangida — …eu assustava as pessoas. Mas eu era diferente, eu era muitos, não era eu, era nós, e não conhecíamos sentimentos, não saíamos do nosso vale, do vale úmido frio.

    — Não quero saber dessas coisas — Nati deixou escapar em voz alta, enquanto olhava o relógio — Tenho que ir pra faculdade.

    Nati esvaziou a cabeça, pegou sua bolsa e saiu.

    3.

    De volta a Outubro de 1999.

    A canoa havia atravessado o anel de água, flores e espinhos que rodeava o vale. Estava atracada na margem de cá. Ana e seu companheiro estavam forçando a porta do casarão. Creeeeeck — a porta se abriu, e os dois foram entrando. Voamos espiralando com o vento para cima da casa e depois para dentro dela pelo buraco do telhado, levantando poeira na escadaria enquanto descíamos para receber o casal lá em baixo. Estávamos muito entusiasmado: diversão!

    Íamos arrancar a cabeça do companheiro de Ana, mas mantendo-a ligada ao resto do corpo e virada para ele, para ele poder enxergar o que estávamos fazendo com o resto.

    Então íamos abrir a barriga dele com um facão, do umbigo até em cima, e ir puxando as tripas para fora, amarrando as pernas e os braços com os intestinos, rá rá rá! E íamos fazer tudo isso com Ana assistindo!

    Depois íamos colocá-la na frente da cabeça do companheiro pra ele ver o que faríamos com ela, e íamos começar a esfolar viva a mulher, tirando a pele em tiras fininhas, faixa por faixa.

    E depois ainda iríamos fatiando e puxando as fatias de cada músculo, cada órgão, da superfície para dentro, tudo com ela ainda viva, rá rá rá! Mas a cabeça dela não, a cabeça manteríamos intacta para gritar chorar, e o companheiro dela sempre reconhecer até o fim quem estava ali sendo fatiada rá rá rá! A última coisa seriam os pulmões. Os pulmões dela, ao invés de fatiarmos, iríamos espremer como se espreme uma laranja, para a cabeça soltar pela boca o último gemido cheio de ar e de dor, rá rá rá! Ódio aos pulmões!

    Faríamos isso tudo ao ar livre, depois espalharíamos as sobras, rá rá rá, desmancharíamos os dois até se tornarem fertilizante espalhado na terra do vale.

    Ía ser muito divertido!

    Só não sabíamos como: como fazer tudo isso?

    Como fazer essas coisas?

    Não estávamos acostumados à interação com as coisas materiais. Só conseguíamos controlar, e mais ou menos, só até certo ponto, o vento que nos levava pra lá e prá cá. Mas em geral apenas pulávamos nele, numa lufada que por acaso parecesse estar indo para onde queríamos. Já conhecíamos os caminhos das lufadas de vento da região, o que facilitava as coisas. Isso tinha nos deixado passivos e preguiçosos. Precisávamos fortalecer nossos laços com o vento, direcioná-lo com mais força para onde quiséssemos. Entretando, só isso ainda seria pouco.

    A questão era realmente agir, poderosamente, sobre o vento e sobre outras coisas do mundo material. Como?

    Tínhamos muito a aprender!

    Um universo inteiro de novidades se descortinava para nós com a chegada desse casal. Depois de um tédio infinito de passividade flutuante e observadora, agora teríamos finalmente um pouco de atividade e diversão!

    Estavam parados os dois na entrada da casa, olhando ao redor com ar preocupado.

    — É, vai dar trabalho — disse o companheiro de Ana.

    Entramos pelas pernas das calças dele até os joelhos num ventinho gelado para cumprimentá-lo com um primeiro calafrio. Conseguimos repetir o feito um pouco mais ao lado: fizemos o mesmo com ela, por debaixo da saia. Mas nos atrevemos a subir um pouquinho mais, rá rá rá.

    Ana fugiu do calafrio pegando no braço do companheiro:

    — Vamos, a gente precisa de material de limpeza. Deve ter uma

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