Ainda aqui estou
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Sobre este e-book
Patrícia Carvalho
Patrícia Carvalho nasceu no Porto, fez a licenciatura em Ciências da Comunicação na Universidade Nova de Lisboa e o estágio no Jornal do Letras. Trabalhou no 24horas, O Comércio do Porto e colaborou com publicações como a Grande Reportagem, Visão, Notícias de Sábado e Sábado. Está no Público desde 2008. É autora de Portugueses nos Campos de Concentração Nazis (Vogais, 2015) e Fátima, Milagre ou Construção (Ideias de Ler, 2017).
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Ainda aqui estou - Patrícia Carvalho
O início
A 17 de Junho e a 15 de Outubro de 2017, o país assistiu, incrédulo, ao alastrar dos violentos incêndios que devastaram, sobretudo, a zona centro do país. O horror instalou-se em cada casa, não tanto pela paisagem ardida – e que foi muita, ascendendo a cerca de 500 mil hectares –, mas pelo número de vidas perdidas. O que ficou conhecido como o incêndio de Pedrógão Grande, em Junho, custou a vida, segundo os dados oficiais, a 66 pessoas. Madrugada fora, e pela manhã, quando o número de vítimas mortais ia subindo a cada hora que passava, parecia impossível que algo assim tivesse acontecido. Que tanta gente – crianças, adultos e velhos – tivesse morrido, em Portugal, num incêndio. A tristeza e o desespero aumentaram ao perceber-se que a maior parte daquelas pessoas tinha morrido a tentar fugir das chamas, num momento de pânico, e que as casas de onde fugiam ficaram, afinal, intactas, depois de o fogo passar. A Estrada Nacional 236-1, onde tantos morreram dentro ou perto das viaturas usadas como instrumento de fuga, passou a ser sinónimo de «estrada da morte».
Seguiu-se a raiva por tudo o que falhara e conduzira a tamanha tragédia. E uma onda de solidariedade de enormes proporções. Depois, quando ninguém queria acreditar que algo idêntico poderia acontecer, chegou Outubro e o pior dia de incêndios do ano. Desta vez, foram 49 as vítimas mortais. Milhares, as empresas e casas destruídas. A diferença é que a dispersão foi maior. Não havia um local único a simbolizar a tragédia, como acontecera com a EN 236. As pessoas morreram, na sua maioria, a tentar salvar os bens, não a fugir de um incêndio brutal que, como tantos repetiram, foi diferente de tudo o que tinham visto até então.
Quando a Fundação Francisco Manuel dos Santos me convidou para escrever este livro, decidi, desde o início, duas coisas. Que queria abdicar, tanto quanto possível, dos nomes e rostos cujas histórias se tornaram, tristemente, um bocadinho de cada um de nós, de tanto aparecerem em jornais e revistas. E queria também mostrar um pouco do outro lado – pessoas que viram a vida transformada pelo incêndio, mas que queriam morar nestas zonas do interior do país antes de o fogo chegar e que, mesmo depois da tragédia, não pretendiam sair dali.
Restava decidir que histórias contar. Uma estava, à partida, escolhida. A do senhor Manuel Francisco Ribeiro. A fotografia do velho, tirada pelo fotojornalista do Público Adriano Miranda, era a única certeza do livro, mesmo antes de o texto existir. Aquela seria a capa. Logo, era preciso regressar a Covelo, em Ventosa (Vouzela), e perceber quem ele era e como vivera aquele dia.
Queria também ter a história de pelo menos um bombeiro. Tive a sorte de dois se disponibilizarem a falar do que foi, certamente, o pior dia da vida deles: o chefe Tomé e Filipa, ambos elementos do grupo de cinco bombeiros de Castanheira de Pêra que foi travado por um acidente, em plena linha de fogo, na EN 236-1.
Paulo e Cláudio Guerra explicaram como se começa de novo, quando a fábrica que era o projecto de vida dos dois irmãos e sustento de 55 funcionários se transformou em cinzas, em Oliveira do Hospital, nos incêndios de Outubro. E Albina e António mostram como é possível sobreviver à perda de todos os bens e recordações, depois de a casa em que viviam arder até às fundações.
Com a onda tremenda de solidariedade que atravessou o país, quis também contar o que motivou alguns voluntários a saírem, pela primeira vez, do conforto das suas casas e atravessarem meio Portugal para dar a mão a desconhecidos. E continuarem a voltar lá para o fazer, meses depois dos incêndios.
Não há, no livro, uma história exclusivamente dedicada a quem perdeu a vida. Conversar com familiares de vítimas mortais chegou a ser uma hipótese, mas, à medida que o tempo passava, fui abandonando essa ideia. A dor de quem perdeu um filho, a mãe, o pai, os avós ou um tio naqueles incêndios está espelhada em centenas de artigos de publicações diárias ou semanais que, até hoje, continuam a contar o que foram aqueles dias. Insistir com alguém que perdeu a única coisa verdadeiramente insubstituível – alguém que morreu – pareceu-me desnecessário, quase