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Em Busca Do Final Feliz
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E-book404 páginas5 horas

Em Busca Do Final Feliz

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Sobre este e-book

Há 150 anos um mistério se iniciou. Agora, 150 anos depois, a inacreditável verdade é revelada ao público. Ciente de que não deve confiar mais em ninguém, Martin ergue forças dentro de um torvelinho desesperador de paranoia, medos e insanidades, para encarar a realidade nefasta que esteve diante dele o tempo todo e caminha, juntamente com o seu quebrado grupo, para o final de sua jornada. Mas será que é um final feliz que os aguarda nas últimas páginas de sua aventura descomunal? Num emaranhado de segredos e conturbações, a tão aguardada última pista se revela numa corrida contra o próprio tempo. E o guia para uma última revelação que muda todo o destino da sua existência! O tão aguardado livro três chega, e, com ele, as pontas soltas se fundem em nós, o caminho se trilha e a verdade reveladora te direcionará para um desfecho tão chocante e perturbador que ficará vivo na sua memória para sempre! Ou seria isso tudo apenas o começo? Um massacrante e assustador começo...
IdiomaPortuguês
Data de lançamento14 de jul. de 2019
Em Busca Do Final Feliz

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    Em Busca Do Final Feliz - J. J. Coelho

    Capítulo I

    Sonhos

    Era briluz quando o garoto abriu os olhos. Foi surpreendido pelo céu aberto numa singela coloração alaranjada percorrendo entre as poucas nuvens que ali antes habitava o lugar do teto mofado e sem graça do seu quarto de Oxford.

    Ele sentiu o solo macio provocado pelo gramado lhe pinicar a escápula. Martin havia acabado de despertar de um sonho esquisito. Sua cabeça ainda residia encostada sobre o tronco rígido e desconfortável do velho carvalho. Não é possível., ele pensou. Eu conheço esse lugar.

    Ele logo se sentou e contemplou as roseiras e outras inúmeras plantas da vegetação artificial que lhe cercava. Estava no seu quintal, na sua casa, no Brasil. Porém, ainda usava o seu sobretudo cinza. Sobretudo...?, pensou quando percebeu que as mangas do casaco estavam muito grandes do que eram de costume, a roupa estava completamente folgada nos seus braços... curtos. Ele imediatamente colocou as mãos para fora e, espantado, ficou fitando em desespero os seus minúsculos braços de uma criança de sete anos.

    Ele estava de volta às origens não apenas no lugar, mas também na idade. Era novamente uma criança ingênua que acreditava que o País das Maravilhas era real.

    O que foi tudo aquilo...?, refletiu. Será que todas essas inúmeras aventuras e desventuras que eu acabei de vivenciar foram apenas um sonho? Talvez eu nunca tenha ido à Oxford, talvez eu nunca tenha começado a desvendar os enigmas de Carroll, talvez eu nunca tenha conhecido os meus melhores amigos, talvez nunca ocorreu nenhuma morte ou perseguição por uma sociedade secreta. Foi tudo... Um sonho... ?, ele não parava de pensar naquilo. "Ou, quem sabe, foi um sonho presságio? Talvez eu adormeci ao pé da árvore como de costume e tive um sonho que foi uma espécie de espiada no meu futuro. Aquilo tudo ainda não aconteceu. Talvez eu possa mudar tudo! Todas as tragédias e erros. Talvez tenha sido um aviso para uma chance... como se eu tivesse voltado no tempo para consertá-lo...", por mais que visse que ainda era uma criança, a sua mente de um homem feito ainda residia em sua psique por algum motivo.

    Nesse instante, um farfalhar de folhas e gravetos secos foi ouvido do outro lado dos arbustos, o que desconcentrou as teorias do pequeno Martin.

    — Eu vi o Coelho! — O tom de surpresa semi-histérico da pequena Alice Liddell soou do outro lado — Ele passou por aqui agora mesmo! Vem! Rápido, senão você vai perdê-lo! — chamou em euforia e, pelo som das folhas, deu para entender que ela se pôs a correr.

    Martin se colocou de pé num salto, com o pequeno coração batendo forte, bombeando o sangue por todo o seu corpo que começava a estremecer em adrenalina e emoção.

    Eu sabia que ele viria!

    Sem pensar duas vezes, disparou em direção do quintal dos seus avós, sendo devorado pelas folhagens e galhos das mais diversas espécies daquele projeto de floresta densa.

    Ele corria em disparada, afastando os galhos com seus pequenos dedos, até chegar à clareira. Nela não havia mais nada além de um espaço aberto de grama. Martin já pensava em dar as costas, nesse instante, sentiu o solo se ondular sob os seus pés como se a terra ganhasse vida. Ele viu a grama desaparecer lentamente do centro da clareira, uma luz diferente saía de pequenas rachaduras nas quais o solo deformado começava a formar. Martin se aproximava com passos cuidadosos, que queriam ser ligeiros devido à sua enorme curiosidade interna. Ele agora observava os pequenos feixes da luz avermelhada aumentando na medida em que o solo se retorcia, abrindo espaço dentro de si mesmo. O piso arenoso eclodiu numa nuvem de pó que foi de encontro à face dele num vapor quente. Não demorou muito tempo para Martin estar fitando, à sua frente, nada mais do que um grande poço que parecia se estender infinitamente para o interior da terra.

    Mais um pequeno farfalhar na sua direção. Ele ergueu seus olhos azuis de encontro a algo que fez seu coração saltitar numa confusão de anseio com encanto. Estava, não muito longe dele, de frente para toca, um excêntrico coelho branco. Era mais exótico do que ele imaginava ser. Ele tinha traços que se misturavam entre curtos e extensos, que lhe davam um aspecto de uma criatura completamente magra. Os seus olhos eram grandes e verticalmente ovais que acompanhavam suas orelhas espessas e pontudas, que se mantinham naturalmente eretas o tempo todo. Sem deixar de mencionar a sua cara triangular, tão longa que Martin mal conseguia distinguir o queixo do focinho. Mas, o que era mais impressionante naquele coelho, além de suas vestes vitorianas desgastadas em trapos, eram suas cores. Sim, ele tinha inúmeras listas e desenhos coloridos pelo corpo, idênticos à marcas e simbologias tribais indígenas. Por um momento, o menino achou que fossem pinturas rupestres, porém, ao olhar de mais perto, viu que a pigmentação saía diretamente dos seus pelos.

    Ele olhou para a criatura, esperando, com um sorriso, pelo momento que ela dissesse alguma coisa ao tirar um relógio do bolso.

    Foi assim que Martin percebeu, ao começar a sentir uma grande onda de calor lhe acertar o peito que começava a formigar. Ele puxou lentamente a gola da sua camiseta azul e se deparou, por debaixo dela, com o seu totem em formato de coelho feito na madeira, preso em volta do seu pescoço ao barbante como um pingente. Era o mesmo coelho. Os traços, as cores em listras, tudo. Observando seus olhos, ele podia jurar que eram inexpressivos. Eram totalmente negros, pareciam não terem pupilas, ou, talvez, seus olhos fossem tão grandes que as pupilas negras tomaram conta de todo o glóbulo. Mesmo assim, Martin conseguiu distinguir o que o coelho demonstrava. Ele tremia ao ver o garoto. Ele estava... com medo.

    — Oh, pobre criança, você não deveria ter me seguido até aqui... — lamentou numa voz bizarramente humanística. O conteúdo da frase também fez Martin estremecer.

    Alguma coisa dizia a Martin para se afastar. Ele jurava ouvir as vozes de Samantha e Matilda se mesclando no fundo. Se você ouvir o chamado do coelho, não responda! Se você ver o coelho, não o siga!

    Dedos frios agarram com força o tornozelo da criança. Martin dá um grito em espanto ao ver que uma mão saía de dentro da toca. Uma mão muito pálida e suja, estava despelada, o tempo parecia ter consumido a pele e a carne como se a pessoa estivesse... morta. Aquilo não era uma toca, e sim, uma cova. Cada vez mais braços velhos, retorcidos e carcomidos saíam do poço e da terra. Pegando partes do corpo de Martin que, desesperadamente, gritando por socorro, queria fugir. Mas foi inútil. As mãos zumbis eram mais resistentes e o fizeram cair de joelhos próximo à borda do buraco. O garoto fazia um esforço a mais, tentando escapar da sua prisão de dedos que cada vez mais pareciam que iriam rasgar a sua pele. Seus berros foram abafados por uma das mãos que cobriu a sua boca e sua respiração. Martin sentiu seus sentidos se desligarem como se alguém o tivesse, praticamente, lhe puxado a tomada de sua energia vital. Elas venceram, Martin se viu caindo e caindo, em direção ao país no qual ele não acreditava ser mais tão maravilhoso assim.

    O cheiro da terra putrifica subiu às narinas. Ele agora se via no fundo do poço. As mãos fantasmagóricas não estavam mais à vista. O lugar era apertado e de pouca profundidade. Ele poderia ver a claridade do sol sendo substituída pela da lua na saída logo acima dele. O espaçamento que antes era circular havia se tornado retangular. Martin não estava mais no mesmo buraco no qual havia sido arrastado. Era uma cova aberta. Ele tentou movimentar as pernas, primeiramente achou que era pelo lugar apertado, mas, em seguida, via que não conseguia mexer nenhuma parte do corpo.

    Nesse instante, ele viu o seu campo de visão sendo tomado pela penumbra da sombra de alguém que estava na beirada do túmulo aberto. Era Samantha. Estava com um vestido vitoriano. Com os olhos cheios de lágrimas ao ver o que parecia ser o corpo de Martin. Segurava uma pá em uma das mãos.

    Os sentidos de desespero de Martin se mesclavam em sinal de alerta, sua mente e alma gritavam por ajuda, mas dos seus lábios nada saía. Completamente imóvel e invisível à Samantha.

    Lentamente, a velha senhora começou a cravar o solo com a pá, retirando conchas repletas de terra e jogando por cima de Martin. Enterrando-o vivo. Aquilo parecia uma tarefa difícil para Samantha, ela chorava e engolia as palavras cada vez mais em seus soluços. Como se a pessoa que acreditasse estar enterrando fosse importante para ela.

    — Por que você fez isso?!... — ela gritava em agonia. No entanto, os berros não se dirigiam a Martin. Havia outra pessoa naquela cena com Samantha. Alguém que ela temia e culpava. — Por que você fez isso?!

    E, cada vez mais, Martin era coberto por aquela terra sufocante e podre. Ficando perdido e preso em agonia e aflição.

    Ele, no mesmo instante, atingiu o chão. Por um momento, ele achou que havia chegado ao final da toca, até abrir os olhos e ver que encarava o piso do dormitório masculino de Oxford.

    Ergueu-se com a cabeça ainda latejando, observando a sua cama na qual havia acabado de cair. Seus dedos ainda tremiam devido à intensidade daquele pesadelo. Ele se sentia mal, precisava de alguém para conversar sobre tudo aquilo. Olhou por todas as direções. Nenhum sinal de Lucas. Estranho, pensou. Olhou no relógio do celular e viu que ainda era extremamente cedo para Nicole ou mais alguém estar acordado. Então ele decidiu colocar uma roupa adequada para ver talvez a única pessoa que estaria disponível para ele naquele momento.

    *

    Ele já havia percorrido quase toda a Oxford à procura da tal sala. O sol ainda não havia aparecido, o que provavelmente justificava o fato de não ter uma sequer alma viva em toda a universidade. Estava extremamente frio e com pouquíssimas luzes acesas, criando certa tensão em Martin, o que lhe fez apertar o passo.

    Mais um tempo e ele se via atravessando pelo corredor familiar. A porta que ele procurava estava entreaberta e um pequeno feixe de luz emergia de dentro dela. O garoto dá um suspiro de alívio. Ele entra na sala que antes pertencia a Lewis Carroll, empurrando a porta lentamente para não fazer muito alarde à pessoa que lá dentro estava, para se deparar com o seu professor sentado próximo à escrivaninha — na qual havia uma placa apresentando o nome do mesmo: Edgar Gardnet Cuthwellis. Ele fazia algumas anotações num caderno velho usando a sua mão canhota, por debaixo da luz alaranjada do abajur, e levantou o olhar para se deparar com Martin.

    — Senhor Roque...? — surpreendeu-se numa voz preocupada, claramente percebia que o menino não estava bem. Gardnet se levantou e foi até ele.

    — Roque, está tudo bem? O que está fazendo por aqui tão cedo? Ainda é praticamente noite.

    Martin não disse uma palavra. Ele pensava que Gardnet poderia ser a melhor pessoa para falar sobre aquilo no momento, Martin, de certa forma, sempre se sentia bem quando estava perto dele. E Gardnet parecia também gostar bastante dele. Todos os acontecimentos dos últimos tempos fizeram Martin se aproximar de Gardnet, assim como dos outros membros da seita, se aproximar de um modo mais pessoal. Embora houvessem conversado poucas vezes, ele se sentia como se conhecessem e fossem amigos há anos.

    — Alguma coisa aconteceu? — insistiu.

    Martin se esforçava para abrir a boca. Não conseguia. Não podia. O medo tomou conta do seu corpo mais uma vez. Roque tentou abrir a boca de novo e foi surpreendido pelo som esganiçado. Ele não conseguiu conter as lágrimas.

    — Oh, céus... Está tudo bem, Martin. — Gardnet sussurrou num tom calmo, porém ainda com um quê de preocupação. — Pode chorar. Respire, ok?

    A respiração de Martin foi se nivelando gradualmente até que chegou ao ponto normal.

    — Então, vai me contar o que aconteceu? — Gardnet insistiu.

    — Tudo. — ele respondeu — aconteceu tudo.

    Gardnet balançou a cabeça ao ouvir aquela resposta. Parecia confuso diante da afirmação dele. Ele logo foi acompanhando Martin em direção à sua escrivaninha, fazendo-o sentar em uma das cadeiras.

    — Ok. Agora me explique o que seria esse tudo? — questionou Gardnet indo para o outro lado da mesa.

    Martin estava pasmo. Seria algum tipo de brincadeira? Era óbvio que Gardnet entendia o que era aquele tudo. Mortes, perseguições... Não era o suficiente para ele?

    — Ela vai me levar. — um sussurro tão frio quanto o rosto de Martin saiu pelos lábios — Ela levou Carroll, Alice, Hector e todos os outros. E agora, está atrás de mim! — exaltou numa ponta de desespero enquanto voltava a se engasgar num choro descontrolado.

    — Martin! — Gardnet foi extremamente agressivo no momento em que o interrompeu, o que assustou Martin — Eu não estou te entendendo, não faço a menor ideia do que o Senhor está falando.

    — O quê? — o garoto perguntou atônito.

    — Alice, Lewis Carroll e os outros estão aqui. Sempre estiveram aqui. Você não está vendo? — naquele momento, Gardnet apontou na direção do grande espelho que ficava na sala no qual o garoto já conhecia. Martin levou o olhar até lá e seu coração começou a bater mais forte, espalhando desespero por todas as conexões do seu corpo.

    Ele via Hector e Jake de pé logo por trás dele. Pálidos e com as mãos postas por cima do seu ombro como uma forma de consolo. Hector ainda permanecia com sua cabeça arrancada, porém mal colocada no lugar, exibindo o corte do degolamento abaixo do pescoço e o sangue escuro, ainda fresco, escorrendo por sua camisa, com algumas gotas dele pingando também em Martin. Jake encarava Martin com seus olhos inexpressivos, sua cabeça estava retorcidamente fora do lugar, era possível ver os ossos do pescoço quebrado espetando a pele da garganta de Jake por dentro, seu maxilar rompido mostrando a boca aberta e distorcida. Martin deu um grito em desespero. Isso é um pesadelo! Só pode ser...!

    Ele virou desesperadamente na direção de Gardnet para pedir ajuda. Porém se deparou com uma cena desconcertante. O seu sangue congelou. Os pés cruzados não tocavam o chão e ele mantinha os braços bem abertos ao lado, imóveis, ele fazia uma cruz. Gardnet mantinha a boca aberta, emitindo um som distorcido que Martin não conseguia identificar. O sangue começou a escorrer em torno de toda a superfície crucificada do corpo de Gardnet, que começava a se aproximar lentamente no caminho de Martin.

    O garoto esperneou e caiu de costas da cadeira. Levantando-se e voltando em direção à porta, ele passou os dedos pelo cristal da maçaneta, girando-o, abrindo a porta apenas para topar com Rainha de Copas no seu caminho, encarando-o com seus olhos ameaçadores por debaixo do capuz vermelho.

    Ele não tinha nenhum meio de escapatória do seu infortúnio destino.

    Nem mesmo nos seus sonhos.

    Capítulo II

    Apenas mais uma peça no jogo

    Um pulo na cama seguido do seu despertar. Estava ainda enrolado em seu cobertor surrado. Parecia ter sido tão real. Assim como a maior parte dos sonhos que ele vinha tendo.

    Algumas lágrimas começaram a escapar do seu rosto. Martin tentou contê-las, porém, logo ele se pôs a soluçar entre gemidos esganiçados e as lágrimas aumentaram tanto que poderiam ser suficientes para encherem uma lagoa de lágrimas, assim como Alice fez. Martin se belisca algumas vezes na tentativa de confirmar se ele havia realmente acordado daquela vez.

    Ele ouviu o som do ranger das molas do colchão, Lucas já ia na direção dele.

    — Martin... Ei, ei, o que houve agora? — perguntava, juntamente a um consolo, enquanto passava a mão gentilmente nas costas do amigo curvado no chão. — Chorando de novo?

    Martin escondeu o rosto com as mãos, tentando se desprender da própria vergonha. — Foram os sonhos... — gaguejou por fim.

    Lucas suspirou, ele sabia que não tinha muita coisa na qual ele podia fazer sobre aquilo.

    — Martin, não há com o que se preocupar mais. — Lucas começou a repetir o que ele sempre dizia desde quando o amigo começou com os ataques — Nós já sabemos quem foi o assassino. Sabrina está foragida, mas, todos estão à procura dela. Você está seguro, já que agora sabe a identidade de quem deve temer.

    Sabrina. Aquilo fazia Martin ter memórias. Já faziam seis meses e meio desde que eles passaram pelas inúmeras desventuras envolvendo os assassinatos. Um longo tempo, mas Martin ainda conseguia se lembrar de ver a gravação de segurança de um dos prédios onde ocorreram as mortes. Se lembrava de ver Rainha de Copas descendo as escadas e, em seguida, Sabrina. Ele havia sido tomado por um sentimento tão grande de confusão. Se sentia traído, com ódio, e, ao mesmo tempo, triste. Ele esteve muitas vezes protegendo uma pessoa que acreditava ter sido sua amiga. Que, muitas vezes, parecia ter sido a vítima. Mas, no final das contas, estava apenas ajudando-a a colocar as mãos em seus planos.

    Por falar em colocar as mãos nos planos, também havia aquela chave que Sabrina havia roubado. A chave prateada da casa de Alice Liddell. O que ela queria com aquilo? A chave que se parecia com a outra dourada que ele havia encontrado no primeiro ano de faculdade. Martin sentiu a mesma lhe tocar a pele por debaixo da blusa, lhe transmitindo uma energia fria. Ele agora usava a chave como um colar, juntamente com o totem do coelho. O garoto estremeceu. Quase havia se esquecido do coelho bizarro do seu sonho. Com isso, ele observou na direção de todos os objetos que havia encontrado em sua jornada. Por algum motivo, algo lhe dizia que os mesmos seriam importantes, e Martin, estranhamente, tinha o sentimento de querer protegê-los. Por debaixo da sua cama residia: o primeiro diário, a carta de baralho, o dedal do Dodô, a pequena coroa com as escrituras rainha Alice marcadas, o relógio de Carroll parado no tempo e a misteriosa Espada Vorpeira, tudo reunido dentro de uma caixa de papelão.

    Faltavam duas semanas para a sua formatura. Ele estava finalizando o último período de história literária. Um flash passava por sua cabeça como uma retrospectiva barata. Focando nos mais intrigantes momentos de sua estranha aventura.

    Descobri os enigmas de Alice no País das Maravilhas em busca do livro perdido, descobri uma sociedade secreta que também estava estudando sobre aquilo, houve uma morte, duas, três. Estava sendo perseguido por uma entidade chamada Rainha de Copas, descobri que ela só pode ser a minha melhor amiga de Oxford e a culpada pelos assassinatos. Batalhei contra bestas e criaturas que eram para existirem apenas nas páginas de um livro de ficção, enquanto passava pelos desafios criados por Carroll..., ao se lembrar daquilo, refletiu sobre as inúmeras coisas insanas — e completamente fora do comum — que aconteciam na medida em que ele passava pelos enigmas e se aproximava mais do seu objetivo. As pistas pareceram ficar mais desafiadoras e perigosas, de certa forma também... exigentes. Como era possível aquilo? Martin viu seus amigos sendo divididos em dois por duplicatas, viu uma pessoa flutuar a um metro do chão mais de uma vez, via e conversava com fantasmas (e, muitas vezes, acabava por, inesperadamente, voltar para o passado com eles), matou uma besta invisível que saiu do espelho, chamada Jaguadarte... Era mais intensidade e adrenalina do que ele planejava ter tido quando seus pés pisaram pela primeira vez em solo inglês.

    Em relação às coisas absurdas, Martin parou um pouco para pensar no que havia acontecido durante aquele ano no qual já estava prestes a acabar. Nada. Estava tudo estranhamente calmo. Mas não era nem um pouco surpreendente. Martin, receoso, parou de procurar. Não entendia muito bem por que havia dado uma pausa em suas decodificações do passado de Carroll, e a realização do seu próprio sonho. Talvez houvesse sido pela junção de todos os tópicos de anteriormente. Era arriscado, era confuso e também não era a mesma coisa de antes. Tudo havia mudado. O garoto sabia qual era a próxima pista para ele poder continuar com a sua jornada. O segundo diário de Lewis Carroll residia por cima da sua escrivaninha, fechado. Ele havia tentado muitas vezes criar coragem para lê-lo, porém, sempre que se sentava, pensava em o que seria dali para frente após ele voltar a resolver as pistas, quais iriam ser as mais absurdas situações em que ele seria colocado, ou pior, quais seriam as próximas mortes. E, com isso, no ritual que ele tentava fazer todo dia, o garoto terminava por deixar o objeto de lado com o pensamento: Às vezes é melhor deixar a caixinha de pandora fechada.

    No entanto, o ruim era ele ter que aguentar o falatório das páginas amareladas. Sim. Muitas vezes ele acreditava ouvir o diário falando. Murmurava, numa voz desconhecida, coisas como "Abra-me, ou até frases bem longas como O jogo não pode parar. É a sua vez de mexer as peças. Muitas vezes, Martin se pegou fazendo Shhh...", no quarto, para o estranhamento de Lucas. Mas, na maior parte do tempo, ele ignorava, decidindo manter aquilo em sigilo, afinal, não queria que os outros aceitassem o fato de que ele poderia estar enlouquecendo.

    "Talvez meu destino seja mesmo o que a Rainha está me proporcionando..., refletiu. Pois eu estou mesmo perdendo a cabeça".

    *

    Seus dedos tocavam, gentilmente, a arte feita em glacê de um dos bolos decorativos do refeitório. Coma-me, ele leu a citação escrita em passas. Oxford já estava entrando no clima da sua grande festa de graduação que aconteceria no final do ano. Muitos temas foram discutidos até que, por fim, decidiram que seria Alice.

    É claro que tinha que ser Alice, Martin resmungava com seus botões. Como já não bastasse isso tudo acontecendo, por outro lado, ele evitava reclamar, até que fazia mais sentido ser Alice, o que a universidade fazia não era nada mais do que um aquecimento para o grande Carroll’s Day que estava chegando no ano seguinte.

    Carroll’s Day é um feriado que acontece anualmente na cidade de Oxford. Ele sempre celebra mais um ano desde quando o livro foi publicado pela primeira vez em 1865. Porém, o que aconteceria no ano seguinte seria especial e diferente de todos os outros, ele iria comemorar os 150 anos da obra. Um momento muito especial e, por isso, no ano seguinte, a festa não só seria comemorada em Oxford, como seria comemorada em toda a Inglaterra.

    Dessa vez, Martin não tinha como fugir. Haveria pessoas por todo o país vestidas de cartas, gatos, coelhos e dos mais diversos outros personagens da história, saindo de todos os cantos das ruas. O que antes parecia um sonho, agora para ele parecia um pesadelo.

    Ele estremeceu e deu uma grande mordida por cima do bolo. Engolindo com ele todos os pensamentos irritantes, que ele agora insistia em carregar, sobre o livro que tanto amava.

    — Como passaram a noite? — ele foi surpreendido pela pergunta de Nicole que já carregava a sua bandeja com o café da manhã. Martin olha pra Lucas.

    — Martin continua com os pesadelos. — Lucas diz.

    — Ah... — Nicole soa com um certo desapontamento — Tudo bem, então. — Ela se senta à frente dos dois. E todo o grupo têm o sentimento estranho. O sentimento de falta. Eles observando, tentando não serem tão diretos, o lugar onde Sabrina costumava ficar. Vazio. Não havia mais um Por Alice. Não havia mais os três mosqueteiros. Todos eles sentiam a mesma coisa. Todos eles sabiam o quanto aquilo tudo era perturbador e triste.

    — Martin... — Lucas havia começado, ele parecia ser o que mais percebia e reconhecia os sentimentos do amigo.

    — Agora não, Lucas. Estou comendo.

    — Martin, todos nós sabemos o quanto a situação é desagradável, mas...

    — Eu disse que estou comendo, Lucas! Não é a hora.

    — Martin, se você apenas ficar fugindo disso sempre, as coisas nunca irão melhorar! — Nicole explodiu, demonstrando o fim de sua paciência naquela frase. Martin lhe mostrou um olhar disfarçado de indignação. Ele empurrou, na mesma hora, a cadeira para trás, deixando aquilo bem claro pelo som do metal arrastando no piso antigo. Segurando nas mãos o que sobrava do seu café da manhã.

    — Eu vou comer lá fora.

    Ele deu as costas, mantendo os passos firmes enquanto saía friamente pela entrada principal. Um suspiro de cansaço foi ouvido ao mesmo tempo de Lucas e Nicole, que se olharam imediatamente, comunicando-se através de olhares.

    — Eu vou atrás. Eu sei onde ele está indo. — ela respondeu.

    *

    Nicole acalmava os próprios nervos através dos sons receptivos dos seus passos, que amassavam a trilha de folhas secas nas quais Martin já havia demarcado com seu andar culminado de estresse.

    A trilha de folhagens mortas parou assim que ela se viu de frente para a pequena porta que levava para os jardins — quase que escondida nos arredores da igreja. Entreaberta.

    De acordo com as inspirações de Alice, Lewis Carroll havia se baseado naquela pequena porta para a mesma que dava entrada para o País das Maravilhas, que revelava o jardim mais encantador que ela já havia visto. Nicole a abriu, ouvindo o ranger das dobradiças que, provavelmente, estavam fora de uso há séculos, imaginando como seria encolher como um telescópio, para apenas se deparar com Martin deitado no gramado, encolhido dentro do seu próprio sobretudo. Ela imaginava ele se fechando num casulo para virar uma borboleta, livre dentro do seu refúgio.

    Ela sabia que Martin reconhecia a sua presença, pois o viu estremecer ao som do sapato de Nicole na grama.

    — Dá licença, Lucas... — resmungou ele.

    — Não se preocupe. — diz ela, abaixando-se até se sentar próximo a ele — É apenas eu.

    Martin bufa em desdém.

    — Vai continuar se escondendo por quanto tempo? — Nicole sorri.

    — Faça de conta que eu sou o Chapeleiro e que o tempo morreu para mim. Estou destinado a ficar aqui para todo o sempre. — Nicole dá uma risada com a fala de Martin.

    — Vamos, Martin. As coisas não vão ir para frente se você permanecer recluso.

    — Esse é o ponto.

    — Como?

    — As coisas ruins só acontecem se eu continuar a jogar o jogo do destino.

    Nicole ri — Martin, que assunto é esse?

    — Olhe... — Martin se ergue, mostrando o seu rosto de dentro do casaco — Veja o que aconteceu até agora desde que eu parei de buscar as pistas no ano passado. Me diga o que de ruim aconteceu?

    Nicole ficou pasma.

    — Nada.

    — Exatamente. Sem mortes, sem perseguições. Nem ao menos voltei a ver a figura que estava me seguindo.

    — Martin, esse seu modo de pensar não faz sentido. Nada mais acontece, e você não é mais perseguido, pois nós finalmente descobrimos quem é a autoridade por trás daquela confusão toda. Sabrina está foragida durante todos esses meses, ela tem outras preocupações agora, como fugir da prisão perpétua, do que usar o tempo dela para te atormentar e perseguir como ela antes fazia. Simples assim.

    Martin pensou em falar sobre os seus pesadelos em detalhes. Contar à Nicole sobre o diário tagarela. Mas seus lábios eram temerosos o suficiente para lhe fazerem acovardar.

    — Talvez você tenha razão. — mentiu a sua confiança.

    — Não é mesmo? Você esteve ficando paranoico com tudo isso, apenas. É completamente normal. Foram acontecimentos traumatizantes e todos nós estamos impressionados até agora. Acredite, você não está sozinho nisso.

    — Mas não é suficiente. Eu... preciso saber o porquê de ela ter feito tudo isso. Algo que justifique ela ter mentido para nós todo esse tempo.

    Nicole deixou escapar um suspiro.

    — Bem, esse livro da lenda no qual procuramos, você tem no mínimo em sua mente o quanto ele valeria se existisse, não é?

    — Sim. — respondeu cabisbaixo.

    — Pois bem, Martin, em uma situação como essa, qualquer um poderia fingir os seus sentimentos para se aproximar de você e conseguir essa peça. Ainda mais por você ser um que, de fato, está mais perto de descobri-lo do que qualquer outra pessoa. É triste, mas, infelizmente, existem pessoas que realmente fazem coisas assim por aí. Usando as outras para conseguir o que querem... — o garoto não pôde deixar de notar a clara pontada de tom melancólico que Nicole carregava ao dizer aquilo, principalmente com a dificuldade na última frase, como se aquilo a atingisse nas áreas mais profundas do seu íntimo.

    Houve um breve silêncio da parte de Martin.

    — Entendo. — era tudo que ele podia dizer.

    — Mas nós não somos assim! — Nicole se levantou tão depressa que fez Martin se assustar de leve. — Eu e o Lucas somos os seus amigos de verdade! E, acredite, nós iremos fazer tudo possível para que cheguemos ao nosso objetivo. Só precisamos de você. Você, Martin, é importante para nós dois. Foi você quem nos uniu e, embora ache que muitas das coisas ruins possam ter sido sua culpa, você foi o responsável por algo mais importante diante a tudo, nossa amizade. Você me fez passar por toda essa aventura, eu ri e também chorei e não deixarei você se perder em sentimentos tão banais como esses. Você está realizando o maior sonho da minha vida — Martin estava claramente assustado com a posição de Nicole, aquilo havia sido tão de repente que ele nem pôde raciocinar direito. — Eu te amo, Martin. E você pode confiar em mim.

    Martin via a palma da mão da ruiva estendida na sua direção. Ele pensou em pegá-la, foi aí que percebeu o formigamento das suas mãos, elas tremiam, talvez em nervosismo. — Prometa que vai se levantar agora e vir comigo aproveitar o nosso

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