O Enigna Das Três Cruzes
De Darci Men
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O Enigna Das Três Cruzes - Darci Men
CAP. I – Os Dramas da Zero Hora
No verão de 1948, em uma fazenda de café do norte paranaense, aproximava-se à meia noite de um domingo chuvoso. O céu estava todo fechado e o vento agitava as árvores sem parar, anunciando que um aguaceiro
cairia a qualquer momento.
Indiferentes a isso, em uma pequena, mas bem construída capela, um grupo de devotos realizava o seu culto
semanal.
Repentinamente, alguns homens, vindos não se sabem de onde, bloqueou a saída daquele templo e atirou tochas incendiárias pelas suas vidraças entreabertas. O incêndio foi devastador, destruindo parcialmente aquele pequeno prédio e causando uma tragédia sem precedentes por aqueles lados.
Exatamente setenta anos depois e coincidentemente na mesma região e horário, o tempo parecia querer repetir aquele malfadado dia de tantos anos atrás.
Assim, ouvia-se aqui e ali o uivar do vento batendo contra as grandes árvores, balançando os seus galhos e as suas copas de um lado para outro. O mesmo acontecia com as folhas secas que voavam para longe, rodopiando sem um destino certo e formando uma sinuosa e caprichosa dança.
Fred olhou para o céu e percebeu que a sua situação se agravava minuto a minuto, pois o tempo piorava a cada momento e as nuvens ficavam cada vez mais escuras, além do vento forte que não parava um só momento, sempre acompanhado de relâmpagos, raios e trovões que mostravam uma intensidade crescente e assustadora.
E:\FOTOS\Fotos - Curiosidades, Maq. Mov.Veículos - Ordem alfa\Ciências - Relâmpagos.JPGCansado, mas mantendo a calma, ele contava os minutos para ver o fim daquele sofrido dia. Chegou a pensar seriamente em desistir, mas lembrou-se de uma frase que seu pai sempre lhe dizia: "Se você não lutar por alguma coisa necessária, vai ser vencido por outra desnecessária".
Pensando nisso, ele insistiu naquela jornada, mas, repentinamente, o tempo fechou totalmente e a lua sumiu de vista, recusando-se a dar a graça da sua presença. Consequentemente veio uma escuridão de arrepiar, só quebrada com os eletrizantes clarões dos raios que, ironicamente, criavam um magnífico espetáculo da natureza.
Apesar da gravidade do momento e do adiantado horário da noite, o Fred decidiu continuar dirigindo o seu carro naquela interminável estrada paranaense.
Já arrependido de não ter parado no último posto de combustível, mas já dando conta a si mesmo que era tarde demais para isso, ele relembrou como aquele dia tinha sido difícil: primeiro porque aquele mal-estar abdominal que o incomodou o dia inteiro e que o obrigou a diversas paradas durante a viagem, insistia em não abandoná-lo; segundo, porque, em consequência disso, seu serviço estava todo atrasado; e terceiro, porque ele não podia fazer nada, só torcer para aquele sufocante e terrível dia terminar logo.
Preocupado com tantas coisas ao mesmo tempo, Fred distraiu-se por um momento e quando foi olhar o relógio não acreditou no que os seus olhos viam: caprichosamente os ponteiros estavam todos alinhados, um em cima do outro, marcando exatamente zero hora.
O que ele não sabia e nem podia imaginar, é que o novo dia que começava lhe reservava muitas surpresas interessantes e mudaria para sempre a sua vida.
Indiferente a tudo isso, o Lima não se importava com coisa alguma e, recostado no banco de passageiros de forma desleixada, cochilava despreocupadamente. Num certo momento o Fred percebeu que ele estava roncando e não pode deixar de sentir um pontinho de inveja do companheiro.
Foi então que as suas dores abdominais pioraram e tornaram-se insuportáveis. Apesar de estar no meio do nada
e em uma noite terrível, ele tomou a decisão de parar e se aliviar
, acordando o outro que, meio assustado, fazia uma pergunta atrás da outra:
- O que houve? Onde estamos? Por que paramos?
- Tenho que ir ao sanitário novamente. – respondeu o outro, meio sem graça
- A coisa ta feia
! Apanhe aquele rolo de papel higiênico, por favor.
- Sanitário? – perguntou o Lima admirado e olhando pra fora do carro - Que sanitário? Só consigo ver um barranco e as silhuetas de algumas árvores no meio da escuridão! Você deve estar desesperado para enfrentar isso aí.
- Não tenho como adiar. – respondeu o outro um tanto lacônico.
O Lima, ainda meio sonolento, mas mantendo o bom humor, brincou:
- Entendo! – disse ele, com um sorriso maroto - "Para quem está se afogando, jacaré é tronco".
- É bem por aí! - confirmou o outro - E você, fique atento porque vou subir ali até aquelas árvores e utilizar o maior e mais belo sanitário do mundo: o mato!
- Boa sorte! – comentou o Lima, ainda meio sonolento, bocejando e tentando abrir os olhos que insistiam em ficar fechados – Tenha cuidado e não vá se perder por aí!
- Obrigado. - respondeu o Fred meio envergonhado – Querendo ou não, tenho de arriscar. É como disse Júlio Cesar: "a sorte está lançada"!
Lima ficou observando o companheiro sair do carro e desaparecer em seguida. Tentou ver onde o colega estava, mas a escuridão era total e só se via os vultos de árvores, relâmpagos e outras coisas não identificadas. O silêncio era total e só se ouvia o vento castigando as árvores e, de vez em quando, os trovões que insistiam em estremecer tudo em volta. Ele abriu o vidro do carro e gritou:
- Fred, trate de se apressar. Vem chuva por aí!
O outro não respondeu e foi aí que surgiu uma sequencia de raios e ele pode ver o amigo sair do meio de algumas plantas de forma apressada e desengonçada. Ele pensou consigo mesmo:
- Já está voltando? Impossível ter feito
em tão pouco tempo. Nossa... O cara
parece desesperado! Alguma coisa aconteceu...
Desesperado era pouco! O homem parecia estar alucinado! Ele desceu aquele barranco com uma mão segurando a calça pra não cair, pois continuava desabotoada, e com a outra mão tentava se apoiar aqui e ali desajeitadamente.
Na verdade, ele não desceu propriamente dito, mas escorregou todo desengonçado, enroscando em raízes, plantas e outras coisas. Mal acabara de chegar ao nível da estrada e tropeçou violentamente em uma pedra, saindo catando cavaco
, num cai não cai
interminável. A cena ficou ainda mais cômica porque, enquanto tudo isso acontecia, ele tentava segurar a calça que insistia em cair e por muito pouco não se esborrachou
no chão.
Lima ria gostosamente, enquanto o outro, sem dar a mínima atenção para as gozações do colega, tentava abrir a porta do carro e não conseguia.
Ajudado pelo companheiro ele entrou no carro, mas de uma forma toda apressada, ofegante e com cara de assustado, ora olhando para um lado, ora para outro e sempre a procura de não sei o quê.
De repente, e sem dizer nada, ligou o motor do carro e saiu cantando pneu
.
Lima, usando o seu costumeiro bom humor, o interpelou:
- Oh meu
! Pedi para você se apressar, mas não precisava tanto! Vou te inscrever no Guinness: foi a c.
mais rápida da história! Cadê o rolo de papel higiênico?
- Sei lá! – respondeu o outro, desconversando - Perdi!
- Como assim perdeu? E se você precisar novamente? O que aconteceu lá?
- Não aconteceu nada não. Esquece! E não vou precisar novamente de papel higiênico, porque passou a vontade, as dores, tudo!
- Espera aí, oh meu
! – interpelou o Lima novamente, todo confuso, meio abobalhado, mas sempre com bom humor:
– Há alguma coisa errada que não está certa! - disse ele brincando - Dor de barriga não some assim, como num passe de mágica. Você está me escondendo algo, não está? Alguma coisa aconteceu lá, não sou trouxa!
- Não aconteceu nada de importante. – respondeu o outro, tentando mais uma vez desconversar - Já disse, esquece!
- Como esquecer? Você voltou de lá como se tivesse visto o capeta
em pessoa, chutou a maior pedra que tinha no caminho como se fosse uma bola de futebol, nem se lembrou de abotoar as calças e vem me dizendo: não é nada importante. Esquece!
Fred olhou para a sua cintura e viu que realmente a calça ainda estava totalmente aberta e com a cinta desafivelada com sua ponta jogada para o lado, parecendo uma enorme língua fora da boca.
Ele estacionou o carro e foi colocar a roupa no lugar, enquanto aproveitava para respirar profundamente e se acalmar. Enquanto isso, naquele exato momento, a chuva caiu fortíssima, intensa e acompanhada de mais raios e trovões.
O Fred permaneceu parado, quieto e estático, como se estivesse olhando para o nada. O Lima, por sua vez, o observava atentamente e ficou meio sem ação porque o seu colega dava a impressão de estar em outro mundo, ou seja, como se aquele carro, o seu companheiro ao lado e aquela chuva toda, simplesmente não existissem.
- E aí? – perguntou novamente o Lima - Vai ou não me contar o que aconteceu?
O outro não respondeu e ele insistiu:
- Não me deixe assim cara
, sem resposta nenhuma! Acho que você ainda não percebeu, mas "estou mais por fora que bunda de índio"!
O outro continuou calado e ele insistiu:
- Não sei por que você não quer me contar? - continuou um pouco chateado pelo silêncio do outro e aproveitando para forçar a barra
:
- Será que você não quer me falar porque fez nas calças? É isso mesmo! Você se c.
todo!
- Não é nada disso! – respondeu o outro, sem desviar o olhar do não sei o quê
– Já lhe disse: passou a vontade, a dor, tudo! Como isso aconteceu, eu não sei, mas que passou, passou!
- Pensando bem, – comentou o Lima, sempre com aquele ar de gozação – acho que foi o susto. Dizem que para resolver certos problemas, nada melhor que um bom susto. Do jeito que você saiu de lá, deve ter levado um baita
de um susto, daqueles que levantam até um defunto!
Fred permaneceu calado e ele continuou:
- Uma coisa eu não entendo? Se o seu problema está resolvido, porque você continua com essa cara de quem comeu e não gostou? Ou melhor: de quem não c.
e não sabe quando vai conseguir!
- Está bem, está bem, você venceu! – falou o outro, um tanto pensativo e demonstrando que finalmente se abriria
- O problema é que você não vai acreditar no que me aconteceu!
- Ah! Vou sim! – respondeu o Lima, de bate pronto
– Nessa altura do campeonato
eu acredito em qualquer coisa!
- Que foi? – continuou ele - Não vá me dizer que simplesmente se assustou com os raios?
- Sim! Não! – respondeu o Fred todo indeciso e fazendo uma pausa estranha, como se tentasse relembrar algo inusitado, mas mantendo o suspense
:
– Eu estava assustado sim, - disse ele pausadamente - mas isso não foi nada: o pior veio depois...
- Ué!? – comentou o Lima sem entender – Se não foi o raio, o que foi então? Desembucha
homem! Afinal, porque você saiu de lá tão assustado?
- Bem, - respondeu o outro meio confuso e depois de respirar profundamente – é claro que eu estava assustado! Como você queria que eu estivesse?
- Não sei... – respondeu o Lima – Só sei que você saiu daquele mato todo transtornado e, não sei por que motivo, não quer me contar o que aconteceu.
- É que a minha situação era a pior possível: - disse o Fred pensativo - além das dores, todo aquele mato esquisito, aquela escuridão terrível e não se esqueça de que era meia noite e ainda por cima com raios, ventos e trovões por todos os lados!
- E daí? – perguntou o outro – Isso eu já sei! O eu quero saber mesmo, é porque você saiu daquele mato feito um serelepe
e, pra piorar, um serelepe
com a calça na mão.
- Bem... – respondeu o Fred ainda indeciso – É que estava com tanto medo que nem piscava mais e com todos os pelos do meu corpo arrepiados.
- E daí! – insistiu novamente o Lima – Isso eu já sei e você não precisa ficar repetindo...
- Bem, - respondeu o Fred ainda meio confuso – é que foi nesse clima
que levei o maior susto da minha vida...
Fred fez nova pausa, deixando o outro mais impaciente ainda:
- Mas que droga homem! Fale logo de uma vez! O que aconteceu?
CAP. II - Uma Visão Assustadora
- Calma! - respondeu o Fred um tanto preocupado, repetitivo e gaguejando um pouco – Pois então: eu estava agachado, você sabe como é que é? Foi nesse momento que vieram alguns raios mais fortes e só então percebi que eu estava bem ao lado de três enormes cruzes e, pra piorar, tive a impressão que elas vinham pra cima de mim e queriam me abraçar... Dá pra acreditar?
- Você está brincando?! – comentou o Lima – Você deve ter visto coisas
! Três cruzes? No meio do mato? E ainda por cima, no mesmo lugar?
- Foi isso mesmo! – respondeu o outro, voltando a respirar profundamente – E eram enormes! Acho que tinham cinco metros de altura ou mais! Naquele momento o meu coração disparou e, não sei como, imediatamente a dor de barriga passou e eu saí de lá feito um The Flash
. O resto você já sabe.
- Caramba! – exclamou o Lima todo admirado e rindo ao mesmo tempo – Você caprichou hem! Resolveu ir c.
bem no meio de um cemitério? Ali deve ser um cemitério para ter tantas cruzes! Não me admira que passasse a sua dor de barriga.
- Fico até imaginando a cena: - continuou ele com aquele jeito gozador – meia noite, raios pra todos os lados e você agachado naquela escuridão, olha para cima e vê três cruzes tentando lhe abraçar
. Uma cena digna dos melhores filmes de terror.
O outro se limitou a sorrir discretamente e ele continuou, com seu jeito brincalhão:
C:\Users\Darci\Pictures\Fotos - Curiosidades\Tres Cruzes A2.JPG- Também já estou vendo a manchete no jornal: mistério no interior paranaense: jovem cura sua dor de barriga ao profanar um terreno sagrado
.
Fred, agora menos tenso e também rindo de tão inusitado acontecimento, comentou:
- E você ainda fica me gozando? Como eu