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A senciência como atributo para a natureza jurídica dos animais não humanos
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A senciência como atributo para a natureza jurídica dos animais não humanos
E-book180 páginas2 horas

A senciência como atributo para a natureza jurídica dos animais não humanos

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Sobre este e-book

Esta obra busca responder à seguinte pergunta-problema: diante de uma eventual necessidade de mudança da atual natureza jurídica dos animais não humanos, qual a melhor classificação a ser adotada: sujeitos de direito ou objetos de direito? Nesse sentido, o objetivo geral foi demonstrar, com base na disputa pela guarda de animais de companhia, que classificar os animais como coisas semoventes não reflete mais as lides da sociedade atual. Parte-se da hipótese de que, embora os animais sejam sencientes, isso não é suficiente para classificá-los como sujeitos de direito, sendo que sua real proteção jurídica não depende de seu status normativo. Concluiu-se que a abordagem sistêmico-emergentista, somada a um estatuto dos animais, é o melhor caminho a ser seguido. Porém, tendo em vista uma enraizada dicotomia entre sujeitos de direito e objetos de direito, a resposta mais factível é a classificação jurídica desses seres vivos como objetos de direito sencientes.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento7 de jun. de 2023
ISBN9786525282695
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    A senciência como atributo para a natureza jurídica dos animais não humanos - Fernanda Toffanetto

    1 INTRODUÇÃO

    "Não ter vergonha como homem, é fácil;

    dificultoso e bom era poder não se ter vergonha feito os bichos animais."

    João Guimarães Rosa

    À medida que o tempo avança, a sociedade vai se transformando e, ao lado dessa transição, as necessidades dos indivíduos também vão sendo alteradas. Uma consequência advinda disso é a modificação ou a criação de normas jurídicas de modo a espelhar o momento atual vivenciado pela coletividade.

    Mas o Poder Legislativo não tem acompanhado essa evolução com a devida celeridade. Marcado por um viés conservador, e até mesmo político, ele deixa de regular fatos sociais importantes na contramão da segurança jurídica objetivada pelo Direito.

    De modo a exemplificar isso, há o Poder Judiciário brasileiro que, cada vez mais, recebe demandas nas quais se disputam a guarda/posse e o direito ao regime de convivência com animais de estimação após a dissolução do casamento, da união estável e até mesmo de um namoro. O grande obstáculo desses litígios é que esses seres vivos são classificados pela norma como coisas, além de que não existe, no ordenamento jurídico pátrio, uma legislação específica sobre o tema.

    Dessa forma, alguns magistrados encaram a situação como uma simples disputa de bens, aplicando o regramento referente aos bens móveis previsto no Código Civil de 2002. Outros, tendo em vista o bem-estar do animal não humano e o vínculo afetivo entre estes e seus donos, usam a analogia para a solução da lide, valendo-se das normas referentes à guarda da criança e do adolescente.

    Mas é incongruente falar em direito de guarda e em regime de convivência a respeito de uma mera coisa como está previsto na norma brasileira atual. Ademais, a subjetividade dessa relação é colossal, e a consequência é a proliferação de decisões judiciais controversas.

    Portanto, o estudo da natureza jurídica dos animais não humanos justifica-se pelo fato de a norma jurídica brasileira atual ser insuficiente tendo em vista a relação do ser humano com esses seres vivos.

    Nesse contexto, a pergunta-problema que esta obra buscou responder foi: diante de uma eventual necessidade de mudança da atual natureza jurídica dos animais não humanos, qual a melhor classificação a ser adotada: sujeitos de direito ou objetos de direito?

    Assim, a hipótese era que, embora os animais sejam sencientes, isso não é suficiente para classificá-los como sujeitos de direitos, uma vez que sua real proteção jurídica não depende de seu status normativo. O cenário ideal seria compreender os animais não humanos como seres emergentes. Porém, diante do panorama jurídico brasileiro atual, a classificação desses seres como objetos de direito sencientes seria uma via mais factível de ser alcançada no momento.

    O objetivo geral da pesquisa foi demonstrar, com base na disputa pela guarda desses seres e tendo em vista a complexidade da convivência entre eles e os seres humanos, que o atual status normativo brasileiro dos animais como coisas semoventes não reflete mais as lides da sociedade atual. Em complemento, foram objetivos específicos deste estudo:

    1) demonstrar que a classificação dos animais não humanos como sujeitos personificados ou despersonificados é inviável e inadequada diante da complexidade prática da relação entre animais não humanos e humanos e da alteridade entre as espécies não humanas;

    2) demonstrar que considerar a senciência animal não implica classificar os animais não humanos como sujeitos de direitos;

    3) demonstrar que a real proteção jurídica dos animais não humanos está além do seu status normativo, ou seja, insere-se nas políticas públicas efetivas que buscam uma harmonia entre o bem-estar animal e os homens.

    No que concerne ao marco teórico desta pesquisa, a doutrina basilar foi a obra de Brunello Stancioli e Carolina Nasser (2020), denominada Para Além das Espécies: O Status Jurídico dos Animais. Na visão dos autores os animais não humanos devem ser observados diante da abordagem sistêmico-emergentista. Assim, os animais não humanos seriam seres emergentes, ou seja, o papel funcional exercido por esses seres vivos é extremamente relevante (STANCIOLI; NASSER, 2020, p. 202).

    Para responder à pergunta de pesquisa e, consequentemente, alcançar os objetivos, no que concerne ao perfil do estudo, nesta obra, desenvolveu-se um trabalho secundário, sob o viés dogmático, de perfil transversal prospectivo concorrente. Portanto, trata-se de uma pesquisa contemporânea que se projeta para o futuro. Além disso, utilizou-se, a revisão bibliográfica, jurisprudências e reportagens de forma auxiliar. Portanto, realizou-se uma pesquisa teórica qualitativa.

    Nesta obra, usou-se, como método-base, o hipotético-dedutivo popperiano, isto é, a defesa de uma tese a partir da sua não refutação.

    Com relação ao uso de dados, foram usados, como estratégia subsidiária, dados indiretos como os do IBGE, do Instituto Pet Brasil, da Associação Brasileira de Proteína Animal e da World Animal Protection.

    A justificativa para a escolha dessa metodologia deu-se pelo fato de que esse método trabalha com validação e refutação, ou seja, com a verificação da falseabilidade da hipótese (SOUZA, 2020, p. 72).

    A obra está dividida em 5 capítulos. No capítulo 2, discorre-se, inicialmente, sobre o tratamento dado pelos dispositivos normativos pátrios aos animais não humanos, cujo objetivo central é delinear a atual natureza jurídica desses seres no Brasil. Além disso, conceitua-se propriedade e coisas para, posteriormente, diferenciar coisas de bens jurídicos.

    Em um segundo momento, aborda-se o tema coisificação dos animais não humanos sob um viés da Filosofia embora não seja objetivo deste estudo uma abordagem filosófica do tema. Especificadamente, analisam-se os ideais de René Descartes e Immanuel Kant tendo em vista compreender o tratamento dado por eles aos animais não humanos.

    Ademais, em um terceiro plano, analisa-se, também, o posicionamento doutrinário brasileiro de que o atual status normativo dos animais não humanos deve ser mantido, com especial ênfase à perspectiva de que há um novo olhar para os objetos de direito no Brasil diante dos chamados direitos da personalidade.

    Por último, ainda nesse capítulo, com base na disputa pela guarda/posse dos animais de estimação, demonstra-se que a atual natureza jurídica dos animais não humanos como coisas semoventes, no Brasil, é inadequada e incongruente diante dessa demanda.

    Salienta-se que o escopo desta pesquisa foi tratar, de forma genérica, da natureza jurídica dos animais não humanos tendo em vista que, tanto no âmbito do Direito Público quanto no do Direito Privado, a coisificação dos animais não humanos se faz presente.

    No capítulo 3, analisa-se a perspectiva de Peter Singer, denominada de Movimento em prol da Libertação Animal. O autor defende que o princípio da igual consideração deve ser estendido aos animais não humanos. Ainda nesse sentido, examina-se, também, a concepção, proposta por Tom Regan, de que os animais não humanos são sujeitos-de-uma-vida.

    Posteriormente, tecem-se considerações sobre a personalidade jurídica dos animais não humanos, mostrando que há duas correntes teóricas nesse sentido. A primeira delas defende que os animais não humanos devem ser juridicamente considerados como sujeitos de direitos personificados. Já a segunda argumenta que os animais não humanos são sujeitos de direitos despersonificados.

    Além disso, nesse capítulo, analisam-se os projetos de lei brasileiros que pretendem alterar a natureza jurídica dos animais não humano, desde suas proposições iniciais até a discussão eventual de emendas.

    No final do capítulo, examina-se a alteridade entre as espécies não humanas como um fator importante para a não classificação jurídica delas como sujeitos de direito.

    No capítulo 4, analisam-se as implicações, para o Direito, de se constatar que grande parte dos animais não humanos é capaz de exprimir sentimentos, ou seja, são sencientes.

    Em seguida, por meio de pesquisas científicas internacionais, coteja-se o sentir dos animais não humanos em algumas espécies específicas de modo a ilustrar a temática e torná-la menos genérica.

    Em tópico posterior, define-se bem-estar animal juntamente com a apresentação de alguns estudos feitos pela Organização World Animal Protection, que analisa esse termo tendo em vista os animais de consumo e os silvestres. Ademais, também se conceitua bem-estar único.

    Após, enunciam-se algumas políticas públicas que visam à proteção dos animais não humanos no Estado de Minas Gerais. O recorte estadual escolhido se deu em virtude da autora desta obra ser mineira, o que facilitou a busca de informações nesse sentido.

    Em seguida, examina-se a abordagem Sistêmico-Emergentista de Brunello Stancioli e Carolina Nasser, que ultrapassa a dicotomia entre sujeitos de direito e objetos de direito.

    Por fim, diante dessa dicotomia, presente na norma e em projetos de lei que versam sobre a temática, discute-se uma classificação jurídica dos animais não humanos nesse contexto dualista.

    Conclui-se que a abordagem sistêmico-emergentista dos animais não humanos, somada a um estatuto dos animais, é a via ideal a ser seguida pelo legislador brasileiro. Porém, diante de uma discussão legislativa pátria focada na dicotomia entre sujeitos de direito e objetos de direito, a resposta mais exequível é a classificação jurídica desses seres vivos como objetos de direito sencientes.

    2 A ÉGIDE DA COISIFICAÇÃO DOS ANIMAIS NÃO HUMANOS

    "O homem busca evoluir entre as espécies

    Penoso caminho[...]."

    Rossyr Berny

    "A escravidão colonial reduzia o homem à condição de coisa, de objeto inanimado, de mercadoria. Esta (sic) redução tinha um sentido preciso. Como instrumentum vocale, o agora escravo podia ser utilizado como agente fundamental do esforço produtivo escravista" (FILHO, 1988, p. 57).

    A humanização do homem apagou-se no momento em que alguns da espécie passaram a ser considerados como meras coisas desprovidas de vivacidade, reduzidos a míseros açafates. A unicidade do animal humano foi aniquilada quando se usou a cor de um indivíduo para fundamentar a Escravidão.

    Nesse viés, [...] as pessoas humanas escravizadas eram consideradas coisas, passíveis de apropriação e domínio como as coisas inanimadas. Assim ocorreu no Brasil durante 388 anos de escravismo [...] (LÔBO, 2020, p. 26).

    Mariano Pereira dos Santos, brasileiro e ex-escravo, em entrevista a Mário José Maestri Filho, descreve sua vida na época da Escravidão. Segundo o entrevistado, o alimento era controlado e não havia intervalo de descanso durante o trabalho, que durava toda a parte do dia. Além disso, o feitor batia nos escravos sem quaisquer motivos (FILHO, 1988, p. 27).

    Maria Chatinha, brasileira e ex-escrava, também em entrevista a Mário José Maestri Filho, descreve o momento festivo da Abolição. No momento em que foi aclamada a liberdade dos escravos, diz a entrevistada que todos gritaram, cantaram e dançaram (FILHO, 1988, p. 51). Ela se lembra da música que era cantada naquele momento:

    Mamãe eu tenho pena

    Mamãe eu tenho dó... o

    De vê meu galo branco

    E apanhá do carijó (FILHO, 1988, p. 51).

    Complementar aos depoimentos acima, a fim de transmitir, em termos literários, o que foi a Escravidão, segue trecho do poema A canção do africano de Castro Alves:

    O escravo então foi deitar-se,

    Pois tinha de levantar-se

    Bem antes do sol nascer,

    E se tardasse, coitado,

    Teria de ser surrado,

    Pois bastava escravo ser (ALVES, 2022, p. 97, E-book).

    Diante do exposto, pode-se perceber o quão duro era ser uma pessoa escravizada. O homem era reduzido a mera mercadoria, moeda de troca, sem direitos e dignidade. Era apenas mais uma coisa, como as cadeiras, as camas e o maquinário da fazenda.

    Este capítulo inicia-se com a temática da

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