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Democracia Animal: Os Direitos Animais – Do Conflito à Reinvindicação
Democracia Animal: Os Direitos Animais – Do Conflito à Reinvindicação
Democracia Animal: Os Direitos Animais – Do Conflito à Reinvindicação
E-book394 páginas5 horas

Democracia Animal: Os Direitos Animais – Do Conflito à Reinvindicação

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Sobre este e-book

O livro Democracia animal: os direitos animais – do conflito à reivindicação lança um olhar sobre o movimento animal, como movimento social emergente, que vem questionando paradigmas antropocêntricos da sociedade e postulando o reconhecimento de animais como seres que importam moralmente.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento3 de dez. de 2020
ISBN9786558203797
Democracia Animal: Os Direitos Animais – Do Conflito à Reinvindicação

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    Democracia Animal - Maria Cândida Simon Azevedo

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    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO DIREITO E CONSTITUIÇÃO

    A todos que lutam por um Direito Animal.

    AGRADECIMENTOS

    Agradeço aos meus pais, Geraldo Borges Azevedo e Silvana Simon Azevedo, por possibilitarem que eu trilhasse o caminho que escolhi e por me apoiarem em todas as etapas, até que pude andar por mim mesma.

    Ao meu marido, Roger Freier Nascimento, por permitir que eu pudesse largar tudo para realizar meus sonhos, sendo minha sustentação em todos os momentos desde que nos conhecemos.

    Agradeço à minha irmã, Camila, por ter me ensinado que a desconformidade nem sempre é rebeldia.

    Ao grupo do Colóquio Aberto de Crítica do Direito, pois sem esses estudos e debates eu não teria condições de finalizar esta obra.

    A José Rodrigo Rodriguez, pelo brilhantismo como professor, assim como pelo entusiasmo e pela dedicação em conhecer, acompanhar e me auxiliar no estudo desse emergente tema. Sem seus ensinamentos, não seria possível a finalização desta obra.

    Por fim, agradeço a todos os familiares, amigos e professores que, de uma forma ou de outra, contribuíram para que eu trilhasse mais uma etapa de minha vida.

    Horkheimer: A felicidade seria uma condição animal vista da perspectiva de tudo aquilo que deixou de ser animal.

    Adorno: Os animais poderiam nos ensinar o que é a felicidade.

    Horkheimer: Atingir a condição de um animal no nível da reflexão – isto é liberdade.

    (ADORNO; HORKHEIMER, 2010, p. 35)

    O direito visto como ciência e como forma institucional – o estado de direito – está comprometido com toda a sociedade, com os desejos e necessidades de todos, com o ser humano em sua integralidade, e não apenas com aspectos parciais de sua existência.

    (RODRIGUEZ, 2014b, p. 152)

    PREFÁCIO

    Se eu não me tornei vegano depois de orientar este trabalho, hoje estou convencido de que esse é um modo de ser e de pensar racionalmente desejável para qualquer pessoa racional. Por isso mesmo, o tema merece toda a nossa atenção. Os problemas que Maria Cândida aborda neste livro passaram da condição de algo em que eu não prestava muita atenção para um dos temas centrais de minhas reflexões a respeito da melhor maneira de pensar e agir durante a minha curta existência sobre este planeta.

    Como se não me bastassem os problemas que já me preocupavam! Sim, Maria Cândida me arrumou mais uma série de problemas com a sua impressionante capacidade de organizar um campo de reflexão relativamente novo e, por isso mesmo, ainda bastante confuso. Um campo repleto de posições teóricas, cujos pressupostos, para mim, só ficaram realmente claros depois de eu ter lido a versão final de seu trabalho.

    Para quem tem apreço pelo pensamento racional, como eu, são necessárias clareza de pensamento e paixão pela clareza para que as minhas ações e emoções se transformem. E isso nunca faltou para Maria Cândida desde o primeiro dia em que conversamos sobre esses assuntos. Por isso mesmo, o leitor racional pode esperar sofrer o mesmo impacto existencial que eu sofri ao terminar de ler estas páginas.

    Pois nutrir apreço pela racionalidade significa, no fundo, amar a igualdade e todo o seu potencial democrático. Afinal, um dos antípodas da racionalidade, o amor louco, romântico, por se tratar de um fenômeno humano, sempre se manifestará em um tempo finito e em um contexto de escassez de recursos.

    Por isso mesmo, tal espécie de amor não pode produzir outro resultado a não ser decisões arbitrárias. Nesse sentido, no sentido humano – e não divino – quem ama a todo mundo não ama ninguém, a menos que tal amor seja aliviado do fardo – humano – de ter que fazer escolhas.

    A autora deste livro sempre demonstrou o mais vivo interesse por compreender adequadamente os textos com os quais decidiu trabalhar e por expressar seu pensamento com precisão e simplicidade, tornando seu texto acessível a qualquer leitor interessado.

    Nessa ordem de razões, não seria preciso nem dizer, ser claro e preciso é uma das maneiras de demonstrar amor pelo outro. O exercício da razão e da clareza de pensamento nos mantém amando a quem, ao ser obrigado a escolher, nos frustra. Por isso mesmo, talvez essa seja a maneira mais adequada, leia-se a maneira menos arbitrária, de lidar com temas politicamente controversos como os tratados aqui.

    Mas a crença e a aposta amorosa no pensamento racional não são os únicos méritos deste livro. Embora não seja dito com todas as letras, a análise de Maria Cândida, ao organizar as várias visões da ética animal e suas relações complexas com o Direito, reencena os impassem do pensamento filosófico em suas feições tradicionais. Um pensamento que, no campo prático, busca um fundamento objetivo e único para orientar a ação humana.

    Como o leitor poderá testemunhar por si mesmo, a indecidibilidade entre os diversos critérios utilizados para justificar o direito dos animais empurra a autora para um pensamento que se apresenta, ao fim e ao cabo, como centrado no conceito de democracia. Um pensamento que termina por colocar o Direito no centro da reflexão prática e demanda uma visão ética desinflada, a única adequada para funcionar em bases pluralistas.

    Uma ética que busque construir acordos temporários, que argumente para convencer e construir e não pregue para converter e destruir. Nesse sentido, o livro de Maria Cândida funciona, em seu movimento de capa a capa, como uma boa introdução aos problemas enfrentados pelo pensamento crítico nos dias de hoje; ao menos para a vertente que põe a democracia no centro de suas atenções.

    Não a democracia como um regime político específico, mas como um problema, como um projeto em construção. Um projeto que tem a pretensão de propor soluções racionais para os problemas sociais, ou seja, soluções válidas para todas as pessoas, consideradas como iguais, sem recair na lógica amigo X inimigo ou no imobilismo relativista que caracterizam boa parte do debate político contemporâneo.

    Mas não é de direitos dos animais que tratamos aqui? Não seriam estes, direitos que transcendem, que se colocam para além dos desejos e interesses humanos? Direitos, assim, para além do mundo – humano – do sentido?

    Mas qual seria o sentido de um pensamento pós-humano? E seria esse pensamento algo sequer pensável?

    Este livro não responde a essa pergunta, mas ajuda a situá-la. O debate sobre direitos, sobre ética animal surge, como mostra Maria Cândida, da necessidade que o movimento animalista sentiu de justificar-se perante a esfera pública, para além do amor aos animais. Estamos lidando, portanto, com um fenômeno situado no campo do sentido e da razão. O debate sobre direitos dos animais é, portanto, uma manifestação de amor e não de ódio à razão.

    Ao afirmar tal coisa estaria eu sugerindo que a busca por um direito para além do (humano) sentido seria, ao fim e ao cabo, uma manifestação de misologia?

    Espero que Maria Cândida se anime a construir uma resposta para essa questão. Com toda certeza, ela é plenamente capaz de lidar com sua radicalidade e complexidade.

    Estamos diante de um livro notável e de uma pesquisadora em florescimento, no mais pleno exercício de seu amor pela razão, pela igualdade e pela democracia. Uma pessoa que, com seu mestrado cumpriu, com todos os méritos, o objetivo de se preparar para enfrentar questões da mais alta transcendência.

    Pois só compreende a urgência do projeto democrático quem já circula com alguma desenvoltura e sem medo pelas bordas do abismo da ausência de fundamento ou, para as pessoas religiosas, pelas bordas do mistério da existência humana. E, claro, da existência dos animais, que Maria Cândida tanto ama.

    Professor doutor José Rodrigo Rodriguez

    Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos

    APRESENTAÇÃO

    Foi a preocupação, assim como o amor pelos animais, que me levou a pensar sobre o tema deste livro. Mas foi a minha inquietação com o que é postulado no movimento pelos direitos animais que me fez buscar uma reflexão maior acerca do que representa reivindicar direitos em um Estado democrático. O que você verá nesta obra não é uma simples esquematização do movimento que busca direitos aos animais, tampouco a defesa de uma ou outra teoria, mas uma organização de pensamentos e um aclaramento de ideias e formas de postulação.

    A obra parte de uma apresentação geral de teorias, ao mesmo tempo que questiona suas possibilidades e efetividades na sociedade atual, onde não podemos mais pensar o todo como algo uniforme e coerente. A sociedade atual é extremamente contraditória, reivindicatória e plural, razão pela qual precisamos encontrar meios para que não se desintegre.

    É por meio do Direito, do Estado de direito, que os movimentos sociais tomaram forma e passaram a ser entendidos como ferramenta de postulação e reivindicação, especialmente para as minorias. A partir daí, o movimento pelos direitos animais procura incluir outras espécies na disputa por direitos e conceder a elas garantias mínimas.

    A questão principal é que toda reivindicação e todo movimento social possuem suas próprias peculiaridades, além de suas próprias formas de entender e utilizar o Direito como possibilidade de inclusão de suas demandas. Percebam que o Direito é um meio para que a sociedade possa ser ouvida pelo aparato estatal, mas não significa que suas demandas serão incluídas, de imediato, no âmbito estatal e social.

    Por isso, prefiro pensar ao longo da obra como esse movimento vem-se desenvolvendo e que tipo de peculiaridades possui. Para tanto, parto da concepção de que o movimento traz à tona modelos jurídicos e propõe projetos de regulação não apenas no âmbito estatal, mas também no âmbito social. Isso porque a ideia de regulação social vem tomando espaço diante da complexidade da sociedade, e é necessária para absorver demandas que não conseguem ganhar espaço no âmbito da regulação estatal.

    Não pretendi, com esta obra, esgotar o objeto de estudo, mas apontar para desenhos institucionais capazes de lidar com as reivindicações e as frustrações causadas pela inquietante sociedade atual.

    A autora

    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    Sumário

    INTRODUÇÃO 21

    PARTE I

    DA LUTA PELOS DIREITOS ANIMAIS 31

    1. O Movimento Animal 39

    1.1. Regulação: Teoria do Bem-estar 43

    1.2. Abolição: Teoria dos Direitos 52

    1.2.1. Abolicionismo Fundamentalista 60

    1.2.2. Abolicionismo Pragmático 67

    1.3. Integração: Teoria Política 72

    2. Para um Movimento Animal 100

    PARTE II

    DA DISPUTA POR MODELOS DE JURIDIFICAÇÃO NO

    DIREITO ANIMAL 105

    1. O Direito Animal no Brasil 114

    1.1. Direitos de Bem-estar: Oposição Restritiva 121

    1.2. Direitos Universais Básicos: Emancipação Restritiva 136

    1.2.1. Direito de não Ser Propriedade: Emancipação Negativa 144

    1.2.2. Direitos Graduais: Emancipação Negativa Pragmática 153

    1.3. Direitos Políticos: Emancipação Integrativa 158

    2. Para um Direito Animal 165

    CONCLUSÃO 173

    REFERÊNCIAS 189

    APÊNDICE

    RELATÓRIO DAS PROPOSIÇÕES LEGISLATIVAS INDEXADAS 213

    ÍNDICE REMISSIVO 231

    INTRODUÇÃO

    Pensar a ampliação ou a reformulação de um conjunto de valores no âmbito social significa refletir sobre novas formas de estruturação da sociedade, ocasionando reflexos em outras áreas, como a Política e o Direito. A ressignificação social que busca ampliar a abrangência limitada da consideração moral de seres é o objeto de estudo de um ramo emergente que se intitula ética animal.¹ Ele origina-se como uma corrente da ética ambiental, que, por sua vez, sob o ponto de vista ontológico, pode ser dividida em três concepções: a ética animal, também chamada de zoocentrismo ou sensocentrismo − segundo o qual todos os animais têm valor moral; a ética da vida ou biocentrismo − todo ser vivo, inclusive inanimado, tem valor moral; e a ética da terra, conhecida por holismo ou ecocentrismo − todas as espécies, os processos e os ecossistemas têm valor moral (NACONECY, 2014).

    O objeto de estudo deste livro é, portanto, a ética animal, a qual, como será observado, funda-se em um paradigma racionalista, especialmente porque precisa ser traduzida para a Política e, notadamente, para o Direito como ramo do saber que promove a integração entre os diversos grupos sociais. A separação entre a ética animal e as abordagens holísticas e biocentristas é necessária porque os argumentos éticos agregam à empatia pelos animais um enfoque racional, fazendo com que o movimento não seja visto tão somente como algo para amantes de animais. Além disso, também como objeto de estudo, mais recentemente é possível observar um movimento que vem pretendendo enfocar os aspectos políticos dessa ética animal, lançando mão de argumentos no âmbito da filosofia política.²

    Mas, para além de um ramo ético, a ética animal desenvolveu-se principalmente para dar suporte a essa reformulação da consideração moral de seres não humanos, fato que ocorre no âmbito social. De forma mais ampla, portanto, essa ressignificação de conceitos morais decorre de um movimento social mundialmente conhecido por movimento pelos direitos animais³. No curso do livro, entretanto, serão utilizadas também as expressões movimento animal e movimento animalista − esta última empregada por Adela Cortina (2009).⁴

    Trata-se de um tema de emergente importância, já que as postulações sociais nesse sentido merecem a atenção do Estado como representante da sociedade. Não é de hoje que essa modificação vem sendo observada mais de perto pelo Direito. Em algumas universidades brasileiras já se encontra como disciplina autônoma em todos os níveis, desde a graduação até o doutorado.⁵ Assim, os fundamentos éticos que justificam a necessidade de falar sobre o tema serão abordados em toda a Parte I do livro.

    Todavia, para além de um debate ético, existem questões, como o próprio impacto ambiental, que decorrem da produção capitalista industrial de animais e do fato de que essa produção é acobertada por uma racionalidade própria do sistema.

    O número de animais criados para abate − em especial frangos, porcos e gado − tomou proporções estrondosas, que costumeiramente superam o número de habitantes de uma região ou estado.⁶ Em países desenvolvidos, a implantação de fazendas industriais (SINGER,⁷ 2010), onde os animais são mantidos em currais ou gaiolas apertadas para proporcionar mais lucro e menos despesas no menor tempo possível, exige a produção de alimento para esses seres, uma vez que não podem pastar ou se alimentar naturalmente. Portanto, é necessária a produção de grãos específicos para alimentar esses confinados, o que gera um duplo gasto de recursos. A poluição de rios e do meio ambiente como um todo é ampliada com a produção animal.

    Referidas fazendas industriais vêm proporcionando um aumento na produção de animais e pode-se sustentar que chegará o momento em que não haverá mais recursos suficientes para manter essa industrialização, ao menos da forma como ocorre hoje (SCHUCK; RIBEIRO, 2015). Um livro que busque discutir a utilização de animais para fins humanos é importante, na medida em que visa também denunciar essa realidade, pois evidentemente a lógica do mercado exige preços cada vez menores, o que faz com que o produtor piore a vida dos animais a fim de se adequar ao mercado consumidor.

    O movimento animal aqui estudado desenvolve-se a partir da década de 1970, mais especificamente tem início em 1975, quando Singer publica pela primeira vez seu livro Libertação animal. No entanto, a emergência do movimento animal é bem mais antiga, pois possui origens no seio das sociedades, as quais encontraram representação nas próprias organizações de proteção animal. Sue Donaldson e Will Kymlicka (2011) chamam a atenção para a existência de um movimento que se expressa por meio das organizações que já dura mais de 180 anos. Nesse sentido, as teorias éticas e políticas a serem analisadas no curso da obra dão aporte racional à movimentação que já existia muito antes.

    A partir desses esclarecimentos preliminares, é possível observar a existência de duas questões que merecem atenção: a organização das argumentações e suas devidas consequências para o Direito; e a observância da possibilidade de real efetivação do que está sendo proposto no campo da filosofia com o que é possível jurídica e socialmente. O que se propõe responder é: como é possível relacionar ética/política animal e Direito em um contexto democrático, e como se dá essa relação no debate sobre a atribuição de direitos aos animais? Uma possível resposta é a necessidade de implementação de regulações alcançáveis juridicamente hoje para que seja possível um futuro sem a exploração dos animais, isto é, parte-se do pressuposto de que abordagens mais pragmáticas e com enfoque político poderiam dar conta de postular modificações em um contexto democrático em que o paradigma social é extremamente antropocêntrico, como parece ser o caso do Brasil e de países etnocentristas.

    Para responder adequadamente à problemática, é necessário em um primeiro momento entender os argumentos racionais defendidos no âmbito do movimento para, em um segundo instante, entender como está ocorrendo essa relação no âmbito do Direito. É preciso compreender o movimento animal ético/político contemporâneo e suas implicações na esfera jurídica brasileira. Para tanto, é necessário traçar algumas considerações iniciais tanto delimitativas quanto explicativas, principalmente com relação à escolha dos autores e das teorias utilizadas no curso do livro, bem como a forma como estarão dispostas.

    A obra se desenvolverá a partir da utilização dos pressupostos de pesquisa da Teoria Crítica do Direito, uma vez que procura entender o movimento animal como integrante de uma sociedade democrática. A Teoria Crítica do Direito é um campo teórico que toma forma como um modelo de ação a ser seguido; um modelo para pensar os fenômenos sociais de acordo com o eixo central de seus princípios fundamentais: a orientação para a emancipação⁸ e o comportamento crítico⁹ (NOBRE, 2004). Aqui, cabe uma sucinta explicação sobre o que significa a pesquisa no campo crítico.

    A Teoria Crítica¹⁰ pode ser descrita como o pensamento de autores que estão ou estiveram relacionados ao Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt, tomando como base o texto Teoria tradicional e teoria crítica de Max Horkheimer¹¹ (1895-1973). Esse modelo dá-se a partir de um projeto de atualização do pensamento de Karl Marx. O objetivo fundamental é entender a sociedade como ela é, sob a perspectiva de como deveria ser, e extrair daí tendências emancipatórias do momento histórico estudado. Ainda que esteja ligada a autores específicos e principalmente ao modelo marxista, a Teoria Crítica não possui uma doutrina oficial, mas uma atitude crítica para desenvolver um estudo, o que resulta em modelos críticos variados (RODRIGUEZ, 2016a; NOBRE, 2004).

    Dessa forma, a característica da Teoria Crítica é ser permanentemente renovada, desde que sejam obedecidos seus dois princípios fundamentais ancorados na produção de um diagnóstico do tempo.¹² Portanto, a presente obra se utilizará dos modelos críticos de Jürgen Habermas (2012a¹³ e 2012b¹⁴) e José Rodrigo Rodriguez (2009). Ambos os autores fazem parte do modelo teórico da Teoria Crítica do Direito, isto é, entendem o Estado de direito como emancipatório; como forma ideal de promoção da integração social.

    O diagnóstico do tempo proferido por Habermas (2012b) é fundamental para entender a racionalidade inscrita nos movimentos sociais, razão pela qual irá embasar a análise do movimento animalista na Parte I do livro, na qualidade de movimento social que se desenvolve contemporaneamente a partir de argumentos racionais. Essa parte inicial, intitulada Da Luta pelos Direitos Animais, tem como objetivo específico analisar o pensamento ético-político do movimento a partir das correntes principais. A escolha do título − Luta pelos Direitos Animais − pode deixar a equivocada impressão de que a obra pretende defender a corrente que propõe uma teoria dos direitos animais. Mas a expressão direitos animais estará vinculada, inclusive, às concepções de bem-estar, porque nela também existe uma ideia de direitos, por exemplo, o direito de ser tratado de forma humanitária.

    Nesse sentido, importa esclarecer que o movimento ético desenvolve-se em duas principais correntes: a utilitarista, que promove principalmente o bem-estar animal; e a deontológica, que procura efetivamente igualar humanos e não humanos em um mesmo patamar moral e promover essa equiparação a partir de direitos universais básicos. Ainda, buscando enfocar uma concepção política dos direitos animais, desenvolve-se, mais recentemente, uma corrente que busca seu argumento na filosofia política (MILLIGAN, 2015a). Essas são as três principais concepções do movimento animalista que serão abordadas na Parte I do livro sob as denominações de regulação, abolição e integração, respectivamente.¹⁵ Para tanto, será utilizada a análise habermasiana dos novos movimentos sociais com a finalidade de entender que tipo de reivindicação está sendo produzida em cada argumento.

    A divisão, primeiramente, em duas correntes éticas, encontra respaldo no livro Rain without thunder: the ideology of the animal rights movement, de Gary Francione (1996), no qual ele discorre sobre os argumentos existentes no movimento. Como representantes dessas duas correntes éticas serão analisadas as argumentações de Peter Singer, filósofo utilitarista que desenvolveu uma teoria da regulação, e o deontologista Tom Regan (1938-2017), representante da teoria abolicionista. Dentro desta última, também é necessário abordar os desdobramentos desenvolvidos por Francione − autor que fundamentou sua teoria a partir da necessidade de extinção do status de propriedade dos animais − e David Sztybel, que propõe um modelo abolicionista pragmático, fazendo um contraponto ao argumento desenvolvido por Francione, principalmente em seu artigo Animal rights law: fundamentalism versus pragmatism (SZTYBEL, 2007). No que diz respeito à concepção política do movimento animal, ela será representada pelas teorias de Sue Donaldson e Will Kymlicka em seu livro Zoopolis: a political theory of animal rights, publicado em 2011, bem como de Martha Nussbaum em seu livro Fronteiras da justiça: deficiência, nacionalidade, pertencimento à espécie, publicado inicialmente em 2006.

    A escolha dos autores justifica-se da seguinte maneira: Singer é considerado o pioneiro contemporâneo da ética animal, fato que é reconhecido por outros autores (REGAN, 2004; FRANCIONE, 1996; JASPER; NELKIN, 1992; LOURENÇO, 2008; MILLIGAN, 2015a; NACONECY, 2014); Regan, por defender um argumento deontológico, que coloca animais em um mesmo patamar de direitos universais que os seres humanos, reconhecido como o precursor do movimento pelos direitos animais (FRANCIONE, 1996; FRANKLIN,¹⁶ 2013; MILLIGAN, 2015a; LOURENÇO, 2008; NACONECY, 2014); Francione, em razão de seu argumento ético, de consequências jurídicas, para que exista a extinção do status de propriedade dos animais, e por se diferenciar com seu ativismo antiexploração animal (DONALDSON; KYMLICKA, 2011; MILLIGAN, 2015a; FRANKLIN, 2013; TRINDADE, 2014; LOURENÇO, 2008); Sztybel, tendo em vista seu contraponto ético pragmático em face das demais teorias, em especial do próprio Francione, sendo um dos poucos contrapontos à Francione citados no Brasil (NACONECY, 2009); Donaldson e Kymlicka por se destacarem em sua abordagem política, que parte da ética deontológica de Francione, tendo sido os primeiros teóricos da política animal que começaram a ser citados no Brasil (MILLIGAN, 2015a; SOUZA, 2015); Nussbaum também por seu destaque em uma abordagem política, mais especificamente se utilizando da teoria da justiça (TRINDADE; WOODHALL, 2017; BORA, 2017, RODRIGUES, 2010).

    Dito isso, partindo para as questões atinentes à Parte II do livro – intitulada Da Disputa por Modelos de Juridificação no Direito Animal −, ela terá como objetivos pensar as consequências jurídicas de cada posicionamento ético-político no ordenamento jurídico e analisar, criticamente, o papel do Direito em face do movimento. Essa análise estará limitada ao âmbito brasileiro, e se dará pelo exame e pelo questionamento das implicações decorrentes das argumentações desenvolvidas na Parte I, especialmente pelo questionamento dos desenhos institucionais que cada argumento utiliza-se para postular juridicamente sua posição. Aqui, propõe-se a utilização do modelo crítico de Rodriguez (2009; 2014b), isso porque, embora Habermas tenha sido coeso em confiar ao Direito a integração social, sua teoria é acusada de não se adequar às realidades de países em desenvolvimento como o Brasil, principalmente porque ele aposta na capacidade de as instituições formais do Estado − Executivo, Legislativo e Judiciário − captarem adequadamente as reivindicações sociais.

    A Teoria Crítica de Rodriguez (2016a), por outro lado, está fundada no modelo crítico de Franz Neumann¹⁷ (2013),¹⁸ o qual foi por ele atualizado e reformulado. Neumann, antes de Habermas, já defendia o Estado de direito como capaz de efeitos revolucionários em sociedades desiguais, a partir da análise das consequências do ingresso da classe operária no parlamento alemão, que passou a utilizar o Direito como ferramenta para lutar por direitos.

    Portanto, embora Habermas seja

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