Não é só Covid: MEDICAL / Mental Health
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Sobre este e-book
Existem doenças que têm a precedência na imprensa e nos meios de comunicação social enquanto muitas outras são postas de lado e praticamente esquecidas, como se fossem passageiras e pouco debilitantes. Claudio Calzoni é testemunho de uma destas através das notas do seu diário, prenhe de Poesia e sofrimento.
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Não é só Covid - Claudio Calzoni
CLAUDIO CALZONI
NÃO É SÓ COVID
––––––––
EDIÇÕES HOGWORDS
––––––––
Tradução de Adérito Francisco Huó
Prefácio
De Gabriella Gumina
Nestas páginas intensas, ricas de pathos e de tiradas poéticas, o Autor, Claudio Calzoni, de Turim, fautor da equipa de futebol Turim, ex-empresário, tanto culto e requintado quanto escravo e distante dos refletores da fama e do sucesso, com coragem e lucidez convida a nós leitores para compreender uma patologia psiquiátrica com a qual se confronta diariamente: a depressão bipolar.
"Aprofundas o olhar, abra o teu coração e conecta-te ao meué o seu convite neste breve livro, a meio entre o conto autobiográfico breve e o diário em prosa, onde nos ilustra, com simplicidade e sinceridade, o que passa na mente e no coração de uma pessoa
bipolar".
O Autor narra-nos sem papas na língua a experiência da sua hospitalização numa clínica psiquiátrica e este conto julgo que possa realmente ser útil a todos, sobremaneira quem sofre e se sente incompreendido (porque irá rever-se nas experiências narradas) mas também a quem está próximo a um doente deprimido ou maníaco para melhor compreender nelas o mal-estar.
Claudio Calzoni não minimiza, não ilude e não se ilude de que será tudo simples: "Não acabou a aflição, não acabou a ansiedade, mas espero safar-me...".
O Autor é um homem de engenho multiforme, Poeta, Músico, Escritor e, para mim, um bom Amigo que demonstra, com a sua vida, que é possível conviver com este mal, combatendo e conseguindo vencê-lo, todos os dias, desfrutando das pequenas coisas belas que a existência nos oferece.
O meu convite é pois aquele de apropriar-se livremente desta obra Literária com atenção, curiosidade e muita vontade de aprender.
Este é o meu pequeno conselho.
Boa leitura a todos aqueles que me terão dado ouvidos.
––––––––
Gabriella Gumina
Introdução
Os institutos manicomiais piemonteses almejados como reais da dinastia dos Saboias e surgidos lá para os finais de 1700, e nos primórdios do século seguinte, hospedaram os denominados dementes. Conhecemos todos O Manicómio de Collegno que foi o mais importante do subúrbio de Turim. Estas estruturas, por vezes enormes serviram, no tempo, como asilo de clausura para os malucos, os perturbados, os maus da memória lombrosiana e os anárquicos. Durante os anos do passado século 20 acolheram também bandidos e pederastas em grandes quantidades. Sucessivamente tornaram-se em lugar obscuro onde encarcerar as vergonhas da sociedade, os perversos, as mentes livres não alienadas, o fruto anómalo e desconfortável de insanas relações incestuosas, ou os filhos de famílias abastadas e burgueses da província vindos ao mundo não muito espertos e não dignos de ser mostrados aos próximos.
Em 1978 dá-se a viragem da época. Finalmente, com a superação da estrutura manicomial promulgado pela famosa lei 180, imprescindível para o doutor Basaglia, o passado obscuro dos manicómios foi abolido. A partir daquele momento, na Itália, os internados não foram mais considerados dementes, transformaram-se em utentes. Mas foi realmente assim? Certamente o propósito daquela inovação era ótimo mas os factos e as realizações práticas não foram tanto quanto coerentes com a ideia e a ideologia que tinham inspirado o legislador. A doença mental continuou a ser, de todas as formas, correlacionada à estranheza, à vergonha, ao internamento, ao esquecimento.
Conheci esta realidade há pouco mais ou menos 30 anos. Era o meu primeiro emprego verdadeiro depois do serviço militar.
Tive o tempo para conhecer aqueles filhos da vergonha social, aqueles resíduos humanos e aqueles idosos destruídos pelas tantas rações de óleo de rícino recebidas como oferenda do regime do vicénio. Aprendi muitíssimo deles, daqueles que acreditava de que estava a ajudá-los. Lembro-me a forma extraordinária deles de te fazer sentir os sofrimento e a raiva feroz que eles guardavam no íntimo deles, relembro também a extrema humanidade que exprimiam, ou provavelmente melhor pensá-la e descrevê-la como desumanidade
, porque a luz que ardia no olhar deles ocorreu-me de estar a vê-la alguns anos depois reflexa no olho gigantesco de uma rorqual a poucos metros de distância de mim, durante um dia de Whale Watching no alto mar.
Aquele encontro, para mim, foi tudo menos que casual e reabriu, sobre aquele barco perdido no meio do santuário dos Cetáceos no mar Lígure, uma ferida ainda aberta. Repensei em todas as ferozes sensações de uma experiência que jamais esquecerei. Como jamais esquecerei as pessoas que durante aqueles anos tive à minha volta e que procurava, contra a minha vontade, ajudar. A essência vaga daqueles homens, aquele extraordinário desequilíbrio que percebia entre os vários doutores Jekyll e os tantos Mister Hyde com os quais compartilhava aqueles dias, marcou-me profundamente.
Eis, estas são as sensações que reconheci em pouco tempo neste livro, neste diário, nesta narração crua e poética dos momentos da vida como recluso, como doente, do autor.
Voltando a mim, estou infinitamente grato àqueles homens perdidos nos seus delírios e nos seus lucidíssimos momentos de loucura onde, fingindo em pedir-me ajuda, na verdade ajudavam-me a perceber.
Neste diário, com uma magistral capacidade descritiva, o escritor pôs-se a nu, contando ao mundo as sensações, as esperanças e os medos vividos durante os dias de hospitalização.
Lendo e relendo estas páginas sinto a necessidade imperiosa, profunda, para agradecer ao autor por ter-se exposto pessoalmente, oferecendo a oportunidade ao leitor para entrar num mundo oculto e desconhecido, feito de doença, de sofrimento mas também de humanidade e amor.
Visto que nada foi tirado nem posto a partir do diário redigido durante aqueles dias de inverno, ao leitor é inculcado praticamente para partilhar esta experiência, como se estivesse ali, entre aquelas paredes, naqueles aposentos mesmo ele, a viver no seio da gente, dos internados, dos enfermeiros, dos doutores.
O meu obrigado estende-se ao Claudio por ter tido a coragem de abrir uma janela, uma brecha nas nossas consciências, na forma de como nos deixa perceber a doença mental, e sobretudo, neste período de costumeira, de achatadela, de pensamento único e resignação. O meu obrigado por ter presenteado ao leitor uma possibilidade para compreender, para manter alta a atenção, para pensar, para despertar.
Porque existe sempre um qualquer regime em que despertar.
Esta, no fundo é uma leitura para estômagos fortes, para mentes disponíveis à abertura, para gente