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O Divino Julgamento
O Divino Julgamento
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E-book182 páginas2 horas

O Divino Julgamento

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Sobre este e-book

Acredita-se que o ser humano tem ou já teve algum sonho. Até que ponto vale a pena realizá-lo? Só a fé basta? Há quem não consiga por incompetência ou falta de sorte. Para esses, é mais fácil julgar do que fazer melhor. E julgar é algo humano. Divino, assim como muitos, tinha um sonho: ser um vaqueiro vencedor. Como todo sonho, há um preço caro a se pagar. Mas ser pobre e sem estudo
pesa bastante. Frustrações? Há quem tenha. Há feridas do passado que precisam ser cicatrizadas de algum modo. A dor do remorso judia, porém também ensina. Será que Divino aprendeu?
É verdade que, em toda história, há três versões: a de uma parte, a da outra e a verdadeira. Muitas pessoas são conhecidas pela boca dos outros. E quem conta, conta do jeito que quiser, à sua maneira. Acredita quem quiser. Divino tinha características. Quando conhecemos alguém pelos olhos dos outros, é impossível não julgarmos. Analise bem e descubra, nesta história, até que ponto a vida de alguém, por meio de suas atitudes, pode se parecer com a sua ou de algum conhecido. Só no final da vida que se descobre, de fato, quem foi herói ou vilão.
IdiomaPortuguês
EditoraViseu
Data de lançamento14 de jul. de 2023
ISBN9786525453330
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    O Divino Julgamento - Ismael Sobrinho

    CAPÍTULO 1

    O que leva alguém a abrir mão de algo para buscar um sonho ou um desejo? Será que a fé tem peso nisso? Ou será que é a intuição? Pode ser também por tentar ou ter de fazer as vontades alheias. Não sei o que se passa na cabeça desse povo que age assim, tanto os que mandam como os que obedecem. Um dia desses, estava me perguntando (no meu mundo) sobre coisas do tipo. Algo do nada. Por preguiça, não anotei aqueles questionamentos. Preferi esperar o momento certo para refletir melhor. Escolhi confiar na memória. Com isso, acabei esquecendo os questionamentos (podia ter anotado tudo). Fica a lição de não confiar na memória. De início, faço uma recomendação: evite confiar nas pessoas e, principalmente, na memória. Como dizem, o preguiçoso trabalha duas vezes. Nesse caso, assim como no ditado popular, acabei tendo dois trabalhos: tentar lembrar e passar raiva. Enfim.

    À medida que as reflexões foram surgindo novamente, algumas histórias também. Causos de pessoas conhecidas e outras que nunca vi, apenas soube dos fuxicos. Ah, lembrei-me de algo: até que ponto a fé pode ajudar o ser humano? Pronto! Era mais ou menos assim o questionamento (pelo menos um deles).

    O pouco que (mal) sei das aulas do tempo do ensino médio é que, no Período Medieval, o Clero teve como um de seus principais objetivos a implementação do Teocentrismo. Sendo bem direto, foi uma atitude da Igreja Católica de querer que o povo vivesse exclusivamente para Deus, desde a implantação do cristianismo neste mundo, em que se criou um raciocínio de que todo (ou quase todo) ser humano tem de ter uma religião, porém nos moldes da Santa Igreja, carregada de regras e bem farta de moralismo. É certo que, como deu para notar, não sou nenhum historiador de formação e muito menos de paixão.

    Séculos se passaram, e o pensamento puramente teocêntrico se tornou obsoleto, assim, o homem passou a crer que poderia caminhar com as próprias pernas, daí o nome Antropocentrismo. Até hoje, não é raro encontrarmos pessoas que atribuem todos os acontecimentos a uma vontade Divina, aos desígnios de Deus, seja de aprovação ou repulsa. Falando em fé, gostaria de tentar falar sobre a fé do nordestino, pelo menos em partes, mais precisamente do vaqueiro, pois, ainda que as dificuldades surjam, sempre se põe de joelho a rezar e a fazer promessas para Nosso Senhor Deus, Menino Jesus, Nossa Senhora e/ou para algum Santo, independentemente da ocasião ou da circunstância, mesmo que seja só para pedir. Quanto ao pagamento das promessas, deixa pra lá.

    Hoje, quando se fala no Nordeste, há quem ainda afirme que lá todos passam fome, que é terra de sofrimento ou coisa do tipo. Engana-se quem pensa assim. É certo que, em alguns lugares, a seca e a fome ainda imperam, entretanto, mesmo assim, posso garantir que a maioria daquele povo nunca perdeu e nem perderá a fé de que dias melhores virão. Sofrimento há em todo lugar. No entanto eu acho que esse sentimento é algo muito subjetivo, visto que depende bastante de um ponto de referência. O que é sofrimento para mim pode ser apenas uma dificuldade trivial para você, e vice-versa.

    Costumo dizer que, de modo geral, ser nordestino é sinônimo de resiliência. Ah, mas conheço uma pessoa que é nordestina e nem é assim!, beleza! Gente ruim tem em todos os lugares. Inclusive ao seu redor ou mais próximo do que possamos imaginar. Para mim, a definição mais sensata que alguém já fez sobre o meu povo foi escrita por Euclides da Cunha, na obra Os sertões: O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Acredito que todas as pessoas têm uma cruz para carregar. Uns aparentam ter mais força que outros. Ou uns acham que a cruz do outro seja mais leve. Ou ainda que a sua seja a mais pesada de todas. No final, cada um sabe (ou pelo menos deveria saber) a cruz que carrega.

    Ainda sobre o Nordeste, é visível a grandeza territorial dessa região. Cada estado contém sua particularidade, cada cidade idem. Até dentro das cidades com seus bairros e setores há hábitos e costumes diferentes. Por isso relatarei do jeito que eu lembrar e da forma que achar conveniente, visto que nem todos precisam saber tudo. Contarei uma particularidade de um município no interior do Maranhão, chamado Alto Parnaíba, que fica no extremo sul do estado. Para falar a verdade, não sei se posso considerar uma particularidade da cidade, e sim sobre a vida de um cidadão que gostava de vaquejada e que tinha um sonho. Sendo bem sincero, nunca achei nele grandes coisas que o fizessem ser algo importante, mas um tanto interessante. Das tantas pessoas que conheci, algo me chamava bastante atenção, e é sobre isso que falarei a partir de já. Se não é tão interessante, então vou contar por quê? Poderia ter escolhido outras pessoas com histórias bem mais interessantes? Poderia. Todavia preferi falar sobre a que primeiro veio à memória e também porque, pelo menos agora, é a história que mais tem a ver com as minhas indagações. Lembrando-me de outra sobre alguém mais valoroso, interrompo esta e inicio a outra.

    Para começar, uma verdade seja dita: na vaquejada da vida, só no final da corrida saberemos a nota. Para quem conseguir se destacar e, no final da corrida, pontuar, boa nota vai levar e receber um Valeu boi. Contudo, se algum descuido cometer, se algum vacilo acontecer e, na corrida da vida, esmorecer, a única nota a receber será um Zero boi. Agora paro e faço uma pergunta retórica: e quando chegar nossa hora, qual será nossa nota? Valeu boi ou Zero boi? Espero que demore para chegar a fim de dar tempo de pontuar e a graça alcançar no final de tanta peleja. Enfim.

    Pois bem, coisas como fé, cultura, diversão e alguns outros acontecimentos vêm à minha mente agora, ainda que de modo desorganizado. Espero lembrar-me de outras mais no decorrer do relato, pois, à medida que as lembranças forem surgindo na minha cabeça, vou contando aqui. Pode ser que eu esqueça de algumas coisas? Sim. O tempo vai passando, e é de se esperar que detalhes vão se perdendo e, com isso, é conveniente lembrar-nos do que (de fato) interessa. Pode ser que eu omita algo? Sim também. Muito do que sei chegou aos meus ouvidos. Outras partem da chamada presunção humana. Enfim...

    Desconheço quem nunca perdeu, no mínimo, dez ou quinze minutos do seu tempo falando da vida alheia. Ainda que seja para tecer um elogio. Geralmente esse tempo é destinado para especular a vida do outro de modo negativo. Infelizmente isso é um dos combustíveis da nossa vida. Enquanto você vai me dando atenção, tenha certeza de que há veneno escorrendo da boca de alguém. Creio que há uma explicação para isso: é mais legal, para não dizer prazeroso, ver, especular, analisar e julgar apenas o pecado do outro. E, no final de tudo, ainda dizer: Quem sou eu ‘pra’ julgar?!. Ainda que o nosso pecado seja imenso, sempre acreditamos que o do outro é ainda maior. Pois bem, valendo-me disso, vou falar da vida dos outros. Não me julgue! Visto que um dia você já deve ter feito isso ou até pior, mesmo sem perceber.

    A princípio, o que posso contar é que seus pais sempre tiveram uma veia religiosa, uma espécie de criação à moda antiga, a ponto de todos ali, eu disse TODOS, rezarem o terço e as ladainhas todos os dias, ao acordar e no final do dia, sempre diante de um crucifixo e das imagens de Nossa Senhora de Aparecida, Santa Luzia, da Virgem Maria, de São Lázaro, Santo Expedito e Nossa Senhora das Vitórias, esta era a padroeira da cidade. Tudo isso em um altar feito de madeira de sucupira que ficava numa salinha, no canto esquerdo, bem próximo aos quartos daquela casa, algo que lembrava, rusticamente, uma capela. Era tudo muito humilde e de bom gosto (ou não).

    Também seguiam a tradição de não comer carne vermelha nas sextas-feiras da Quaresma e muito menos na Sexta-Feira Santa. Falar mal dos outros o resto do ano pode, porém comer carne vermelha nesse dia não. Enfim. Falando na Sexta-Feira Santa, não se podia fazer nada. Varrer a casa, lavar roupas, estudar, ficar cantando, dançando eram considerados uma forma de ultrajar a Jesus. Era um dia muito chato para a criançada.

    Você já deve estar querendo saber o nome desse cidadão, correto? Contarei em instantes, sem pressa. Pois bem, na sua infância, costumava se pegar em devoção a exemplo da sua mãe, uma mulher próvida, esposa exemplar, que, assim como Irene, merece um lugar no Céu. Pode ser que você conheça alguém que tenha características parecidas, mas iguais será muito difícil, para não dizer raro. Quanto à devoção do cidadão, olha, assim, há de se questionar. Nunca convenceu ninguém essa sua fé, mesmo que tenha sido coroinha na infância, ter feito catequese e crisma — até parece que isso santifica alguém. Muitas vezes, dizia que ia à catequese, entretanto acabava mesmo era indo assistir ao jogo no campo. Acredito que, nos momentos de rezar o terço, estava ali em corpo, todavia a cabeça... Estava ali para não ficar de castigo. Continuando...

    Divino Miguel Santos da Silva era o penúltimo de um grupo de quatro filhos do casal, sendo ele o único homem. Não eram ricos, contudo nunca passaram fome. Seu pai era um mecânico bastante habilidoso, muito reconhecido pelo seu trabalho, zelo e primor tanto na execução do serviço quanto no tratamento aos clientes. Com essa profissão, conseguiu sustentar Divino e suas irmãs. Daqui a pouco, falarei um pouco mais sobre seus pais.

    Moravam numa casa grande e humilde de esquina, um pouco recuada — cerca de uns dez metros a partir do meio-fio até a calçada, muito limpa e bem-conservada. As paredes externas eram pintadas a cal na cor branca com chapiscos até sua metade, mais precisamente na altura da parte inferior das janelas. As portas e as janelas eram de pau-d’arco e davam diretamente à rua, assim como as casas tradicionais propícias à cidade pequena. Já a calçada era alta, e a rua não era pavimentada. Lá, havia quatro quartos, sendo um para seus pais e para a caçula; outro que sua irmã mais velha dividia com a segunda; o que era usado como o quarto da bagunça, uma espécie de depósito, e, por fim, no que era o menor de todos, ficava o do Divino. Residiam numa das ruas do bairro Santo Antônio, confesso que não lembro aqui o nome da rua, mas a casa ficava numa das esquinas e era próximo à igreja católica do bairro.

    Quando jovem, ele começou a desfrutar um pouco de alguns prazeres mundanos e, com isso, sua veia religiosa foi sendo deixada aos poucos de lado. Bebidas e cigarros regravam suas farras, e isso foi se estendendo até a fase adulta. Lógico que era escondido dos pais, pelo menos quando começou. No entanto nada dura para sempre, principalmente uma mentira. Há quem diga que ele nunca usou entorpecente, nem sei se já tinha isso lá, quando Divino era jovem. Sendo sincero, se já existia, não duvido de ele ter usado, partindo do pressuposto determinista, o meio deve ter o influenciado. Se alguém comentasse algo, poderia até me segurar e ficar calado, mas se perguntassem o que eu acho, enfim. Vale ressaltar que, apesar dos pesares, ele sustentava suas farras e noitadas, pois ajudava seu pai na oficina e também ganhava uns poucos trocados consertando bicicletas, capinando quintal, sendo servente de pedreiro e até ajudando a descarregar caminhões (que nem eram muitos) de compras dos comércios — pelo menos isso!

    Machado de Assis dizia que um costume não se perde de um dia para a noite, ou seja, ainda que estivesse levando uma vida desregrada, nunca se esquecera das orações que foram ensinadas pela mãe e por uma tia-avó, Dona Maria da Consolação, irmã da sua avó materna. Ela tinha um carinho muito grande por ele e muito mais por seu pai. Assim como sua mãe, ela era muito religiosa, era espírita de carteirinha e, sempre que possível, dizia a seu sobrinho-neto que ele tinha traços de mediunidade e deveria ser mais prudente e se resguardar um pouco mais. De início, ele ficou surpreso; depois, amedrontado; em seguida, estranhou e, com o passar dos dias, acabou aceitando. Segundo ele, às vezes sonhava com algumas coisas estranhas que o deixavam perturbado o dia inteiro.

    De tanto a Dona Maria da Consolação falar, acabou por aceitar a alcunha de médium, pois achava o nome diferente e talvez pudesse ganhar algo com isso. O fato é que nunca se interessou em estudar sobre o assunto, visto que não considerava tão relevante perder tempo estudando isso. Era-lhe mais cômodo aproveitar as horas de folga divertindo-se com os amigos. Um dia, contou a alguns colegas da escola que ele era médium; um deles, muito gaiato, fez logo um trocadilho um tanto infame dizendo que Divino "não era grande nem pequeno, era médium". Geral ficou olhando sem entender, todavia, como era algo que servia como zombaria, acabaram rindo só para deixá-lo sem graça.

    — Vai! Fica brincando com isso pra você ver! Na hora que um espírito aparecer pra ti de noite, aí tu fica esperto — advertiu tentando intimidar. Sem sucesso.

    Com isso, abortou de vez a ideia de querer entender o que era mediunidade. Pesou também o fato de ter pavio curto para brincadeiras que o deixavam constrangido. Sem contar que tinha muito medo dessas coisas de espírito. Passou a dormir com uma lanterna do lado da cama. Qualquer barulho, por menor que fosse, já acordava e ligava-a.

    Quando o assunto era estudar, a sua cabeça doía. Seu histórico escolar sempre foi carregado de notas baixas. Passava de ano arrastado até que um dia o inevitável aconteceu: a reprovação. Ir à escola tinha um lado bom, pois,

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