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O Amor Não Tem Fronteiras
O Amor Não Tem Fronteiras
O Amor Não Tem Fronteiras
E-book292 páginas4 horas

O Amor Não Tem Fronteiras

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Sobre este e-book

Toruge era um fazendeiro abastado que vivia feliz com sua esposa Olívia e seus filhos na Argélia. Mesmo sendo respeitado e admirado por sua família e seus empregados, seu jeito de ser e tudo aquilo que conquistou com muito trabalho despertaram a inveja de Kúlide, empregado da fazenda, que não considerava justo ele ter tanto.
Mesmo sem entender, Kúlide se deixa levar pelo ódio inexplicável que sentia por Toruge e se torna escravagista, sequestrando e vendendo-o como escravo para o fazendeiro Don Rodrigo Alvarez de Sá. Agora, separado de sua família e vivendo na Espanha, Toruge trilhará um longo caminho, atestando que o amor une almas por séculos, assim como o ódio arrebata às cobranças antigas.
Uma história sobre oportunidade de reparação, harmonização e perdão para quem realmente soube abraçar, com consciência, os ensinamentos de Cristo e as Leis Morais do Pai Maior.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento22 de ago. de 2023
ISBN9786588535547
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    O Amor Não Tem Fronteiras - Léa Caruso

    1. NAS COSTAS AFRICANAS

    Servindo de boa vontade como se fosse ao Senhor, e não aos homens. (Paulo, Efésios, 6,7)

    Estávamos no ano de 1790 em uma fazenda próxima à cidade de Oran, na Argélia. O frescor da aurora e a relva esverdeada e límpida anunciavam o início de um belo dia. O sol já aparecia no horizonte e a passarada acordava sinalizando com seus gorjeios a bênção do astro celeste, fonte de luz e calor, facilitador da fotossíntese para a fertilidade da vida animal e vegetal da Terra.

    Os funcionários do senhor da lavoura movimentavam-se para o trabalho não tão distante dali, saindo de suas casas mais afastadas do labor com as ferramentas para o cultivo nas costas. Toruge os via de onde estava e sorria de satisfação por ver sua vida correr sete léguas e mais a caminho da abastança. Ergueu os braços aos céus agradecendo ao Criador pela vida que lhe estava oferecendo, enquanto profundo suspiro era ouvido por sua esposa Olívia no quarto ao lado.

    — Que suspiro profundo, meu esposo!

    — Ora, mas eu não sou um homem de sorte? Veja à nossa volta, meu amor. Olha para tudo isso aqui. – Suspirou agradecido, novamente.

    — Mas tudo o que vês é porque muito trabalhaste todos esses anos! Esse é o resultado de um trabalho constante.

    — Sim, é verdade, mas vejo que Deus foi muito bom para mim. — Mencionou abraçando a esposa pela cintura, beijando-lhe o rosto e acariciando-lhe o ventre. — Deu-me uma esposa especial, dois belos filhos e ainda mais esse que está para nascer.

    — Sim, mas falta ainda um bom tempo. Anda, se queres caçar com Tongo, conforme prometeste a ele. Apura-te! Teu filho está já a te esperar. — Falou a esposa, olhando seu pequeno Kurio, ainda com dois anos a ouvi-la e levantando nu e muito rápido da cama, quase caindo ao tentar colocar as calças para ir junto com o pai.

    Toruge, sorrindo, advertiu-o:

    — Não queres perder a oportunidade, não é? Mas não, tu não vais. Vais ficar com tua mãe.

    — Quelo i, quelo i zunto.

    O pai abaixou-se acariciando o rosto do filho e conformou-o com palavras:

    — Não podes ainda sair para caçar, meu filho. Quando cresceres, quando tiveres a idade de Tongo, aí sim irás com teu pai. — E foi saindo de casa.

    A criança começou a chorar. Olívia apanhou-a no colo e, vendo pai e filho andarem com as lanças nas mãos, correu à porta franzindo a testa com a lembrança de seus últimos sonhos e falou-lhe em voz alta:

    — Esposo, tenha cuidado! Sabes que a escravidão negra ronda também por esses lados!

    Toruge virou-se e respondeu-lhe:

    — Não te preocupes, querida. Não irá acontecer nada a nós que temos tantos bens. Preciso ir, um pai não pode faltar com sua palavra e Tongo não gostaria que eu falhasse.

    — Mas o que vais caçar com um menino dessa idade? Ele tem somente cinco anos, meu bem. Sabes, eu sinto coisas ultimamente que não me alegram. Há dias estou assim, como se algo muito negativo estivesse batendo à nossa porta.

    — Olívia, querida —, elucidou Toruge, voltando e subindo os degraus da casa com o garoto pela mão — nada de preocupações, está bem? Fique certa de que tudo está nos levando a morar novamente em Angola como gostarias. Lá, com certeza, teremos momentos mais agradáveis e tranquilos, mas enquanto eu não vendo esse lugar, nós conquistaremos um pouco mais do que há por aqui.

    — Toruge meu esposo, abraça-me. Abraça-me muito forte para que eu te sinta.

    — Ora, querida, estás chorando?

    — Tenho medo.

    — Queres, então, que deixemos a caça? Sabes esposa, eu jamais me separarei de ti, porque és tudo o que sempre sonhei encontrar. — E olhando para o ventre de Olívia, continuou. — E olha que estamos já no terceiro filho.

    Sorriu para ela, mostrando seus alvos dentes em contraste com a pele escura, apanhando o queixo da esposa para olhá-la nos olhos.

    — Queres que eu sorria também, não é? — Indagou Olívia — Mas nada me fará sorrir hoje. No entanto, o amor que sinto por ti mostra-me que estou sendo egoísta.

    — Ora, linda esposa, tu estás assim porque estás sensível. Nosso sangue é forte e uma africana linda como tu tem que ser forte também. Chamei Kúlide para te levar à vila. Distrai-te, compra um vestido bonito, algumas coisas para casa que, ao entardecer, quero te ver bem mais alegre.

    — Está bem, mas não gosto muito da pessoa que chamaste, ele não me parece um bom sujeito.

    — Não deves falar deste homem que tanto tem nos servido.

    — Pensei em sair para procurar na vila a pessoa que me ajudará com a vaca que vai parir.

    — Queres dizer o médico dos animais? Mas não há necessidade, querida, eu não volto tarde... À tardinha, faço isso e a nossa vaca parideira esperará, com certeza.

    — Toruge, no outro dia em que saíste, os fazendeiros próximos vieram reclamar de alguns leitões deles que sumiram. Tive que caminhar com eles por tudo isso aqui para mostrar-lhes que os leitões no cercado eram nossos.

    — Vamos, pai! — Gritou Tongo.

    — Já vamos, filho, mas antes, vem dar um abraço em tua mãe.

    — Para quê? — Falou o menino apressado.

    — Ora, porque ela quer.

    — Que coisa! — Reclamou ele, dando um beijo na mãe.

    — Espera! O alimento... estás levando? — Indagou ela.

    — Sim, e agora tenho que ir, mas não te preocupes com esses fazendeiros, eles não são maus, e nós, que nada fizemos a eles, temos que ser pacienciosos para não despertarmos o mau ânimo desses brancos.

    — Ajo assim porque procuro ter respeito em relação a eles, mas não gosto de abusos. Tudo tem um limite.

    — Até à tardinha, querida.

    — Até lá.

    Olívia olhou seu marido se afastar com o filho, até perdê-los de vista, apanhando o pequeno Kurio que descia de seu colo e corria sem roupa atrás do pai. Só então entrou em casa. Tudo estava muito calmo e isso a assustava. Começou a cantar a canção de sua tribo que ouvira desde criança para se alegrar um pouco. Passou a mão nos cabelos ainda desalinhados, suspirou profundamente olhando para o sol quente que já estava alto.

    — Vamos ter que nos preparar para o dia que ferve. — Disse ao pequeno, nervosa e pensando nos sonhos anteriores. O bebê em seu ventre, já com quatro meses, começou a mexer-se demais. Pensou em orar. Seu esposo não tinha religião, mas não se importava com sua crença. Ela chegou em seu quarto e, olhando para o crucifixo na parede, ajoelhou-se e orou:

    — Cristo de bondade e amor, ouça-me. Se algo vai acontecer a meu esposo, leve-me junto com ele. Não permita que duas almas tão unidas se separem.

    Olhou para a mesa de cabeceira de sua cama encontrando um entalhe em madeira com a figura de Jesus subindo aos céus com os braços estendidos. Lembrou-se da vizinha que teve em Moçambique e que foi levada por homens brancos para o mercado de escravos. Viu o desespero do esposo depois, procurando-a por todos os locais e perdendo tudo o que tinha em busca da esposa amada, sem resultado. Então, orou a Jesus com os olhos marejados em lágrimas e o coração em pedaços. Em seguida, levantou-se e foi tratar do filhinho, que chorava de fome.

    Passadas três horas, Olívia ouviu à distância um ruído estridente. O céu cobriu-se de nuvens pesadas, escurecendo repentinamente. Um raio rasgou o céu e rugidos de leões e balbúrdia de macacos nas árvores anunciaram o temporal que chegava. Então, uma tormenta caiu, lavando tudo pela frente. O rio próximo começou a encher sob os olhos assustados da esposa de Toruge.

    — Com esse toró todo, eu duvido que Kúlide venha. — Falou sozinha Olívia. Contudo, ao se virar, viu o homem sisudo e com cara de mau caráter ao seu lado. Assustou-se.

    — Mas de onde vieste, homem? — Indagou indignada

    Kúlide não respondeu, mas comentou com aquela voz de malandro:

    — Parece que o céu vem abaixo, dona.

    — Boa tarde. Eu achei que não virias hoje, Kúlide.

    — Mas se o patrão manda, eu venho.

    — Então esperemos a tormenta passar, porque assim é perigoso. Além do mais, nos molharemos muito nesta tua carroça. Desejas beber uma água?

    — Aceito. — Respondeu o mestiço, funcionário de Toruge para todas as obras, enxugando o rosto com as mãos e alisando o grande bigode.

    — Mas antes eu vou apanhar uma toalha para que te enxugues, porque tão molhado como estás, nem poderás comandar os cavalos.

    Atenciosamente Olívia entregou-lhe a toalha.

    Kúlide, homem mestiço e de aparência nada agradável, trabalhava havia poucos meses com aquela família. Alto, magro e malcheiroso, quase não abria a boca para falar. Olívia não gostava dele porque a sua presença a deixava atordoada, mas, mesmo assim, conforme o seu interior, cheio de bondade e mansuetude, acreditava que ele não deveria ser mau, apenas inseguro e triste.

    Ele era filho de um fazendeiro com uma escrava de cor, mas renegado pelo pai. Ali, além dos infortúnios que o visitaram na triste infância, agora na vida adulta sentia também o afastamento das pessoas das quais se aproximava, e o não reconhecimento dos homens para quem trabalhava. Sempre achava que merecia mais do que ganhava. Com isso, cada vez mais se abarrotava de revolta. Estando ele desejoso de se fazer na vida, abandonou as plantações onde trabalhava, vindo a pedir ao pai os valores que lhe eram de direito. Tendo como resposta a negação paterna, ficou indignado, trazendo imensa mágoa no coração pelo desprezo que o pai lhe tinha e foi neste momento que, encontrando a fazenda em silêncio, enfrentou o pai, assassinando-o e apanhando os bens que achava que eram seus por direito. Seu pai fora encontrado morto na fazenda e na localidade jamais souberam sobre o assassino.

    Kúlide sorria ao se relembrar do fato. Agora estava com os valores do pai consigo, mas deveria seguir em frente como se estivesse muito necessitado. Procurou a fazenda de Toruge, que o empregou. Kúlide, enfim, havia chegado exatamente aonde desejara, porque odiava Toruge, mas não tinha ideia de qual era o motivo de tamanho desprezo, já que Toruge sempre fora atencioso com ele e com os trabalhadores da lavoura.

    Então, pensava em enganá-lo, roubando, se possível, seus valores, e então fugindo com Olívia.

    Naquela tarde ali com Olívia, ele se levantou para caminhar na área coberta, de cá para lá, imaginando seu início de jogo. Olívia há dias não lhe saía do pensamento. Sentia inveja de Toruge por tudo o que ele tinha e ainda mais por ter aquela esposa digna de ser amada pelo melhor homem do mundo. Gostou quando Toruge pediu-lhe para levar Olívia à vila, e o atendeu sem mostrar muita alegria para que o patrão não desconfiasse de sua ansiedade. Com meio sorriso, dizendo que faria tudo a contento de Toruge, imaginou estar a sós com a bela morena para poder tê-la nos braços. Era como se ela lhe fosse tão necessária naquele momento como a água que bebia. E enquanto ela estava na cozinha, ele matutava sobre aquela chuva que iria deixar seu esposo fora por muito tempo, e tudo estaria de acordo para que ele pudesse, finalmente, cumprir seu maldoso plano. Sua humildade era só aparente.

    Ali na casa do patrão, enquanto Olívia lhe dirigia a voz, Kúlide de costas virava-se e, com olhos arguciosos, olhava de soslaio o gingar de suas cadeiras ao caminhar, assistindo a sua aparência esbelta e seu belo rosto moreno. Nesse momento, imaginava-a como sua esposa, e não daquele homem cheio de si.

    Por que ele pode ter uma mulher tão bela e eu não? Pensava. Eu tenho mais valores do que ele nessa minha vida miserável, do meu jeito é claro, mas que valores tem ele, afinal? Quase nada! Por que essa diferença de vida? Se eu puder, eu juro que o removerei de minha vida para ficar com Olívia Suspirou fundo e continuou com seus pensamentos. Eu tenho o pensamento forte o suficiente para conseguir tudo o que desejo, como me disse a velha Casimira, que tira a sorte com os ossos da galinha. E eu digo que vou sim conseguir essa mulher para mim!"

    Na selva rala, Tongo quis aprender com seu pai a atirar a lança à distância, apesar de ser pesada demais para o seu tamanho. Lá, caçaram algumas cotias, mas nada mais do que isso, porque Toruge não quis entrar muito na parte mais perigosa da floresta. Ao começar a trovejar e o céu a escurecer, ele apanhou a mão do filho e correu para se abrigar sob frondosa árvore. A água lavava as pradarias e tudo o que havia pela frente, então Toruge se lembrou de uma gruta próxima e falou ao menino:

    — Aperta o passo agora, filho, porque temos que nos abrigar melhor.

    Ambos correram até a gruta e ficaram sentados no chão olhando para fora, vendo somente os raios que clareavam a noite que se formou rapidamente.

    — Papai, eu tenho medo.

    Toruge abraçou o filho e começou a cantar uma canção negreira de seu povo para que ele se esquecesse um pouco da tormenta. Tongo pegou no sono e Toruge também.

    Em casa, Olívia olhava a chuva cair e, apesar de pedir para Kúlide vir no dia seguinte, ele não ia embora. As horas passavam e ela começou a tremer quando percebeu seu olhar malicioso sobre ela. Desajeitada, resolveu comentar com ele:

    — Kúlide, acho melhor que vás embora. Essa chuva não vai parar e tenho que colocar meu pequeno Kurio na cama. Ele tem sono.

    — Ora, fica à vontade. Eu não posso sair com essa chuva, mesmo não tendo o que temer.

    — Se dizes que nada tens a temer, por que não sai agora?

    — Estou aqui para acudi-la caso haja necessidade. Teu esposo demora e já está anoitecendo. É perigoso permanecer a sós nessa imensa casa. — Aludiu sorrindo e baixando o olhar para depois fixá-la com os olhos cerrados.

    — Isso não será necessário! Eu sei ficar sozinha.

    — Mesmo assim eu não irei até o patrão chegar.

    — Então, aguarda Toruge aí no terraço porque tenho trabalhos a fazer. Além do mais, eu vou colocar Kurio

    na cama.

    Olívia imaginava como faria para se livrar daquele desagradável empregado da fazenda. Estava aparente a aproximação daquele homem. Notando que ele vira o temor em suas maneiras, ela adentrou o quarto rapidamente e cerrou a porta com a tramela, levando a criança que adormecera em seu colo. Deitou Kurio no leito e, ao se virar para sair, viu o mestiço atrás dela olhando-a com meio sorriso. Não entendeu como ele havia entrado lá.

    — Vem. — Disse ele, querendo apanhar sua mão.

    — Mas o que significa essa aproximação indesejável? — Irrequieta, ponderou Olívia.

    — Ora, mas não era isso que desejavas? Então por que deixaste que ele marcasse comigo essa visita, sabendo que ia chover e que ficarias sozinha por tanto tempo?

    — Sai daqui! Direi isso a Toruge quando ele chegar! Sai daqui!

    Kúlide abraçou-a fortemente tentando roubar-lhe um beijo, mas Olívia começou a esbofeteá-lo. Gritando, ela acordou Kurio que começou a gritar também, mas não havia ali quem pudesse defendê-la e, com o terror que sentiu, desmaiou. Vendo-a desmaiada Kúlide deixou-a no chão e saiu esbravejando:

    — Verás, mulher! Verás qual será a minha vingança! Vou-me embora, mas um dia chegarás arrastando-te, como as cobras fazem, e beijarás os meus pés para que te devolva o tesouro que pensas ter em casa. É só uma questão de tempo e oportunidade.

    Abrindo os olhos minutos depois, ela percebeu o martírio que seria sua vida sem Toruge caso acontecesse o que temia, porque, de uns tempos para cá, esse pressentimento estava presente dentro dela. Contudo, desmaiada, ela não ouvira o que Kúlide falara antes de sair. Então ajoelhou-se e orou novamente frente ao crucifixo na parede, pedindo a Deus a bênção da saúde do esposo e a união familiar constante.

    2. O DESTINO

    Portanto voltai a levantar as mãos cansadas e os pés desconjuntados. (Paulo, Hebreus 12:12)

    O esposo de Olívia voltou para casa assim que parou a tormenta e, vendo sua esposa a orar, adentrou sem fazer ruído. Deixou-a tranquila e a aguardou até fazerem a refeição da noite. Ao estarem a sós, Olívia, marcada nos braços com os dedos firmes do mestiço e arranhada nos ombros, chorou contando ao esposo o que acontecera. Ele se enfureceu e saiu de casa com a espingarda a fim de encontrar aquele que o enganara dizendo ser uma pessoa de bem, mas foi em vão. Kúlide novamente saíra da localidade, despedindo-se da pensão onde estava vivendo naqueles dias. Assim tudo continuou como antes.

    Meses se passaram sem que se ouvisse falar em Kúlide. O sol banhando as verduras, o céu azul, a família unida, tudo era esplendor e alegria. O pequeno Cirne nascera enchendo os corações de felicidade. A paz voltou ao lar e a vida continuou ali com trabalho, alegria e conforto. Daquele dia em diante, Olívia não mais ficou sozinha. Frísia, uma morena mais velha, agora a acompanhava. Mas houve ocasião em que esta senhora teve que visitar sua filha que morava a dez quilômetros de distância, e foi em uma dessas desventuradas tardes que Toruge recebeu um recado por escrito que dizia: Vem encontrar-te comigo perto da praia, pois estou interessado na fazenda que sei que desejas vender. Endereço..., nº 20..., assinado Silésio Forth.

    — Ora! — Falou ele à esposa. — Mas naquele lugar? Bem, faz tanto tempo que não vou até lá, quem sabe esteja mais habitado. Diz aqui que um tal homem, perto de certo local, me aguardará. O Sr. Silésio Forth diz estar interessado na compra da fazenda, pedindo que o apanhe, pois é forasteiro, e que o leve de volta depois de fechado o negócio.

    Sem desconfiar de nada, Toruge ficou feliz e, dando um beijinho na esposa, despediu-se:

    — Enfim, querida, agora teremos outra vida. Com três filhos para criar, será melhor sairmos daqui para outro lugar onde eles possam estudar. Venderemos nossa fazenda para o Sr. Silésio Forth e tudo estará resolvido. Espera-me, meu amor, bem bonita para festejarmos. E veste também os três meninos.

    Aquela preocupação anterior pousou no coração de Olívia novamente como plumas que lentamente vêm do alto, dançando primeiro, mas, depois, depositando-se firmes e seguras no chão. Contudo, ela se deu conta de que agora estava acompanhada por Frísia, que acabara de chegar, e não teria problemas em ficar sozinha. Além do mais, o malfeitor, soubera-se, fora morar na Espanha, muito longe da África. Então, voltou a seus afazeres com as crianças.

    Toruge chegou afoito ao tal número 20, mas a casa de madeira, já bem envelhecida, estava abandonada. Havia um degrau para se chegar à porta da entrada e as janelas estavam cerradas com uma tranca pregada na frente. Estranhando, ele pensou:

    Sr. Silésio deve ter marcado esse encontro aqui em frente.

    O local onde havia a antiga moradia era meio afastado da povoação, próximo à praia, mas o homem não aparecia. Sentou-se no degrau e aguardou por vinte minutos. Quando estava pronto para voltar, viu Kúlide, chegando com um sorriso malicioso, recostando-se em uma árvore. Com ele, três homens fortes que se colocaram em volta de Toruge:

    — Boa tarde. — Falou o pai de Tongo, não adivinhando o que estava acontecendo. — Porventura conhecem o Sr. Silésio Forth? Algum de vocês marcou esse encontro com ele?

    — Boa tarde, esposo da bela morena. — Respondeu o mestiço com ar de indignação e com um cigarro dependurado nos lábios, começando a andar em voltas para olhar Toruge melhor. — Enfim chegou o dia previsto e muito bem estudado!

    — Onde está o senhor em questão? — Expressou-se Toruge, já com o sobrolho marcado.

    — O Sr. Silésio? — Interrogou Kúlide com ar de malícia. — Ora, ele não existe. Alguém caiu como bobo e acreditou na cartinha que mandei marcando esse encontro. — Rindo, continuou Kúlide: — Doce ingenuidade.

    Começou a rir alto, fazendo os acompanhantes imitarem-no. Depois, dando voltas em torno de Toruge, calmamente falou:

    — Se de nada desconfiaste é porque és muito ignorante mesmo, e homens assim servirão somente para serem escravos!

    — O que dizes? Escravo? Estás é louco! Tenho posses e sou muito conhecido na região.

    — No entanto, agora serás um de meus escravos.

    — Quem és tu para escravizar alguém?

    Toruge fez menção de deixar o local, mas nesse instante um dos homens de Kúlide o apanhou segurando seus braços para trás das costas. Toruge tentou desvencilhar-se e fugir dele, mas os outros dois que estavam com o mestiço alcançaram-no e o amarraram.

    — O que vamos fazer com esse bonitinho? — Inquiriu Justo a Kúlide.

    — Ora Justo, como escravagista que me tornei, fiz questão de apanhar essa bela peça que será de apreciação de senhores de engenho. Forte e másculo.

    — Não podes

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