Desertificação em Portugal
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Maria José Roxo
Maria José Roxo, é Professora Catedrática do Departamento de Geografia e Planeamento Regional da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e investigadora no Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais CICS.NOVA. A sua investigação centra-se em temáticas como a Desertificação, as Mudanças Climáticas e as Catástrofes Naturais. É membro da Comissão Nacional de Combate à Desertificação e da Academia de Ciências de Lisboa.
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Desertificação em Portugal - Maria José Roxo
Desertificação em Portugal Maria José Roxo
A desertificação, um temor que ensombra o futuro, foi já diagnosticada em vastas áreas dos países mediterrâneos, com destaque para a Península Ibérica. Que não restem dúvidas: a suscetibilidade do território de Portugal Continental tem aumentado, em relação direta com a mudança climática, e o grau de impacto atual é bastante elevado, por exemplo, na Margem Esquerda do rio Guadiana.
O presente ensaio contextualiza e explica a desertificação enquanto fenómeno ambiental complexo, com origem em processos naturais e atividades humanas, a diferentes escalas. Reflete sobre os seus efeitos na degradação dos solos, dos recursos hídricos e da biodiversidade, e nos riscos de despovoamento, mas, de olhos postos no amanhã, aponta estratégias de recuperação e prevenção.
Na seleção de temas a tratar, a coleção Ensaios da Fundação obedece aos princípios estatutários da Fundação Francisco Manuel dos Santos: conhecer Portugal, pensar o país e contribuir para a identificação e para a resolução dos problemas nacionais, assim como promover o debate público. O principal desígnio desta coleção resume-se em duas palavras: pensar livremente.
Head.jpgMaria José Roxo é Professora Catedrática do Departamento de Geografia e Planeamento Regional da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e investigadora no Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais CICS.NOVA. A sua investigação centra-se em temáticas como a Desertificação, as Mudanças Climáticas e as Catástrofes Naturais. É membro da Comissão Nacional de Combate à Desertificação e da Academia de Ciências de Lisboa.
Desertificação em Portugal
Maria José Roxo
Ensaios da Fundação
logo.jpgLargo Monterroio Mascarenhas, n.º 1, 7.º piso
1099-081 Lisboa
Portugal
Correio electrónico: ffms@ffms.pt
Telefone: 210 015 800
Título: Desertificação em Portugal
Autora: Maria José Roxo
Director de publicações: António Araújo
Revisão de texto: Vasco Rosa
Validação de conteúdos e suportes digitais: Regateles Consultoria Lda
Designe paginação: Guidesign
© Fundação Francisco Manuel dos Santos, Maria José Roxo, Setembro de 2023
As opiniões expressas nesta edição são da exclusiva responsabilidade da autora e não vinculam a Fundação Francisco Manuel dos Santos.
A autorização para reprodução total ou parcial dos conteúdos desta obra deve ser solicitada à autora e ao editor.
Edição eBook: Guidesign
ISBN 978-989-9118-95-9
Conheça todos os projectos da Fundação em www.ffms.pt
Siglas e acrónimos
Introdução
Desertificação: um fenómeno a compreender, um desafio a vencer
Desertificação em Portugal Continental: o desassossego da realidade
O combate à desertificação e a Herdade de Vale Formoso: o conhecimento aliado à prática e a importância das parcerias
Considerações finais
Referências
Websites
«Desertificação não é Despovoamento»
A todas as pessoas que têm contribuído
de uma maneira ou de outra
para o conhecimento deste grave fenómeno ambiental
Siglas e acrónimos
COP — Conferência das Partes — Organização das Nações Unidas
EC-JRC — Centro Comum de Investigação da Comissão Europeia
FAO — Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura
IPBES — Plataforma Intergovernamental para Biodiversidade e Serviços dos Ecossistemas
IPCC — Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas
OCDE — Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico
ONU — Organização das Nações Unidas
PNPOT — Programa Nacional de Ordenamento do Território
UNCCD — Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação
UNEP — Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.
Introdução
A Humanidade encontra-se num momento crucial e está na hora de inverter a forma como se utilizam e gerem os recursos naturais disponibilizados pelo Planeta. A crise ambiental é uma realidade impulsionada por um cenário de mudança climática e pelo aumento da pressão sobre os recursos, através do consumo de bens por uma população mundial em crescimento, que a Organização das Nações Unidas (ONU) estima venha a ser composta, em 2050, por cerca de 9700 milhões de pessoas. Se este aumento já é um motivo de preocupação, não o são menos os efeitos da mudança climática sobre a futura produção de alimentos, a quantidade e qualidade da água disponível. As mesmas projecções da ONU apontam para uma redução de 10 % da produção agrícola a nível global, mas em certas regiões esta redução pode chegar a 50 %.
O desequilíbrio dos ecossistemas e a perda de biodiversidade são hoje indiscutíveis. Assim sendo, importa perceber de que forma o ser humano tem contribuído para esta situação e, em função da identificação das causas e consequências, encontrar soluções e comportamentos que permitam uma convivência mais harmoniosa com a Natureza.
Neste contexto, recursos naturais vitais como o solo, a água e a vegetação encontram-se hoje sob enorme pressão. Não têm tempo de se regenerar, à velocidade com ao mesmo tempo que as actividades humanas destroem habitats, levando à extinção de espécies e colocando outras em vias disso. A degradação das terras e a desertificação estão a causar enormes desigualdades e desequilíbrios a nível global, em termos de crescimento económico e desenvolvimento das sociedades.
Considera-se degradação das terras, segundo a Plataforma Intergovernamental para Biodiversidade e Serviços dos Ecossistemas (IPBES, na sigla em inglês), «os muitos processos que conduzem ao declínio da biodiversidade, serviços ou funções dos ecossistemas, incluindo todos os ecossistemas nas massas terrestres». Este é um problema global, que ocorre em todos os climas, mas afecta particularmente os países em vias de desenvolvimento ou em desenvolvimento.
O termo desertificação foi definido em 1994, na Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (UNCCD, sigla em inglês), para caracterizar a «degradação da terra nas zonas áridas, semiáridas e sub-húmidas secas em resultado da influência de vários factores, incluindo as variações climáticas e as actividades humanas». De uma forma simples, isto significa uma perda de fertilidade dos solos, por má utilização, a que se associam condições climáticas desfavoráveis para a sua recuperação natural.
Degradação das terras e desertificação são fenómenos interligados, e bastante complexos em si mesmos. As condições que favorecem o surgimento e a expansão da desertificação ocorrem em condições climáticas específicas, enquanto a degradação das terras é um fenómeno muito mais generalizado.
Outro aspecto relevante passa pela compreensão que as comunidades têm acerca dos fenómenos que conduzem à destruição dos recursos naturais e, consequentemente, à degradação das terras e à desertificação. Vários têm sido os equívocos na divulgação de casos de desertificação, a começar por imagens de dunas de areia a avançarem sobre solos férteis, sugerindo ambientes estéreis e irrecuperáveis, ou por imagens de solos gretados e ressequidos por ocorrência de seca, o que não corresponde à realidade.
O fenómeno é difícil de percepcionar, mas há uma forma simples de o fazer. A desertificação observa-se facilmente quando a rocha surge à superfície, nas encostas: isto significa que o solo desapareceu. Não há, portanto, relação com areias ou dunas. Tal só se observa em áreas como o Sahel, onde a proximidade do deserto do Saara, um ambiente de grande aridez, em que o sobrepastoreio ou a destruição da vegetação para obtenção de combustível provocaram sérios desequilíbrios ambientais, e o problema da desertificação foi aí reconhecido desde a década de 1970, constituindo, desde então, motivo de preocupação, pois as suas consequências são bem visíveis em termos ambientais, e socioeconómicos. Insegurança alimentar e política tem forçado importantes movimentos migratórios.
Se as imagens divulgadas para ilustrar o fenómeno da desertificação já constituem um problema, a situação agrava-se com a comum utilização do termo, sobretudo nos países do Sul da Europa afectados, como Portugal. A incorrecta utilização da palavra, apesar de todo o conhecimento já existente e de serem visíveis as consequências no território, é lamentável: políticos, decisores e jornalistas continuam a confundir desertificação com despovoamento.
A frequência com que a palavra é erradamente usada pela classe política, que se apropriou do termo, constitui um dos factores que justifica a fraca adesão à implementação de acções concretas de mitigação e combate. Um exercício interessante é analisar como, em Portugal, políticos e decisores com diferentes níveis de responsabilidade falam de «desertificação humana», «desertificação física», «desertificação dos solos», termos que a comunicação social reproduz igualmente. Esta terminologia gera confusão, nomeadamente em função de acontecimentos específicos, nos períodos eleitorais ou quando se pretende justificar investimentos para dinamizar áreas do interior do país.
Desertificação não é sinónimo de despovoamento. A desertificação pode conduzir ao despovoamento, o que é fácil de compreender: uma elevada degradação dos recursos naturais, em particular do solo, traduz-se em perda de biodiversidade, diminuição da capacidade produtiva dos solos e escassez de recursos hídricos, tornando inevitável o abandono dos campos e a migração para as cidades ou outros países. Contudo, o despovoamento pode acontecer por outras e variadas razões, entre elas as guerras e os desastres tecnológicos (Chernobyl é um exemplo).
Há, no entanto, uma relação entre despovoamento e desertificação que importa realçar: só havendo pessoas no território é