Poder cívico autônomo
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Poder cívico autônomo - Marcelo Muritiba Dias Ruas
1. A TEORIA CLÁSSICA DA SEPARAÇÃO DOS PODERES EM JOHN LOCKE, MONTESQUIEU E EM O FEDERALISTA
: CARACTERÍSTICAS E A POSIÇÃO DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988
1.1 A TEORIA CLÁSSICA DA SEPARAÇÃO DOS PODERES EM JOHN LOCKE E MONTESQUIEU
Desde muito tempo somos alertados para o fato de que o poder concentrado nas mãos de uma só pessoa ou grupo de pessoas tende a ser utilizado com abuso e é ingrediente principal e base necessária à tirania⁷.A ideia, portanto, de separar o poder é bastante antiga⁸.
Há uma história contada no Livro II da República⁹, de Platão (427-347 a.C.), que relata um pastor que servia o rei da Lídia e que por acidente achou um anel mágico que lhe permitia ficar invisível quando quisesse. Por artimanhas e conspirações que somente foram possíveis em decorrência do uso de tal poder da invisibilidade, conseguiu depor seu rei e apoderou-se de toda a riqueza do reino.
A história é de um diálogo entre Sócrates e Glauco sobre justiça e injustiça, em que esse último afirma que ninguém seria íntegro por vontade própria, mas sim por medo de ser punido. Assim, teoricamente, o portador do anel de Giges tenderia a abusar do poder que tinha, porque não seria visto, não seria punido.
A sociedade, desde a antiguidade¹⁰ e até os dias atuais, tenta compreender o poder para buscar controle sobre ele. Concentrado, sabe-se por toda a história da civilização, leva à tirania, ao abuso, aos governos autoritários, nos quais não há lei senão aquela de interesse do soberano.
O poder constitui-se em objeto de estudo da chamada Cratologia, que é, então, a ciência que o estuda como um fenômeno social, sob aspectos de sociologia, política e direito. É uma teoria, vez que impossível lhe atribuir aspecto uníssono e considerando ainda a gama diversificada das ciências que lhe são afetas e das quais é objeto de estudo, decorrente da fragmentação das ciências sociais no início do século XX¹¹.
A importância de como se controlar o poder já era tema, então, desde os escritos de Platão¹². Aristóteles desenvolve algo que está mais próximo da contemporaneidade. Ele divide o poder e nomeia suas funções, no livro A Política
, quando desenvolve o conceito de constituição mista. Segundo Piçarra:
Encontra-se no modelo aristotélico de constituição mista apenas uma ideia que virá a andar associada a doutrina da separação dos poderes, numa fase já adiantada da sua evolução: a do equilíbrio ou balanceamento das classes sociais através de sua participação no exercício do poder político, viável mediante o seu acesso à orgânica constitucional.
O tema ganhou intenso debate após o fim da Idade Média (séc. XVI), aflorando de forma significativa no século XVIII, nos estudos de John Locke (1632-1704), a partir da obra Dois Tratados de um Governo
(1690), e de Montesquieu (1689-1755), com o seu O Espírito das Leis
(1748). Jean-Jacques Rousseau teve papel significativo com a obra O Contrato Social
(1712-1778), na qual menciona a divisão da soberania como um ato de poder político, em poderes executivo e legislativo,