Desvãos
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Sobre este e-book
Desvãos não é uma história tradicional de amor e de vingança, nem de ódio entre duas famílias, embora esses elementos estejam enraizados na novela. Aqui, temos uma narrativa sobre o desvio do amor, os rumos que ele pode tomar e, mais, deixar de seguir, súbito. Há também o elemento cíclico: o que houve vai voltar a ocorrer de novo, em uma espécie de herança de destinos.
Os dicionários definem "desvão" como um "espaço entre o telhado e o forro ou por baixo das escadas, onde se guardam trastes". Para Susana Vernieri, os desvãos são emocionais e não arquitetônicos. Em vez de trastes, seus espaços guardam memórias, o passado fracassado que se prefere esconder pelos cantos. Os desvãos: esconderijos das coisas que foram em vão.
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Desvãos - Susana Vernieri
À memória de meu pai
e à vitalidade de minha mãe
François era leve. Não por defeito ou qualidade. Simplesmente era assim. Caçava nuvens no céu, olhava a paisagem como se ela fosse fugir. Lia como um doido, e poesia era sua preferência. Com dezesseis anos, estava terminando o curso ginasial e seu destino parecia ser a Faculdade de Direito em Porto Alegre, embora nutrisse uma escondida vontade de estudar filosofia para poder lecionar. Mas seu sonho secreto mesmo era ser escritor. Ou, em épocas de Bossa Nova, ser músico.
Para isso, aplicava-se nas aulas do piano velho da casa. Mesmo com essas delicadezas que poderiam comprometer uma certa masculinidade exigida pelo rude povo de fora, François tinha o respeito de todos. Quando ia para as terras da família, juntava-se aos peões e fazia toda a lida de campo. Cresceu em cima de um cavalo com um olho firme na linha onde o azul do céu toca o verde da coxilha. Nos sábados, podia ser visto com o irmão Pascal, ainda solteiro, no cabaré de Angélica, para os lados do cemitério. Mas não conhecia a paixão. Só a dos livros.
O caçula morava em Pelotas com a família, que tinha uma joalheria no melhor ponto da cidade. Alianças eram o carro-chefe do negócio. Até mesmo de todo o estado os clientes vinham em busca de joias e recebiam chocolates belgas e um café recém-tirado da máquina como mimo no estabelecimento que tinha o sobrenome da família Roche desenhado no vidro das vitrinas. O clã era composto pelos pais, Edith e Pascal, e os quatro filhos: Pascal Filho, Antoine, François e Marie.
Naquele ano, os donos fechariam as portas da loja para passar o réveillon na praia de Punta del Este, onde tinham uma casa. O lugar era amplo, com um jardim verde na frente, e costumava ser frequentado por gente de destaque no Uruguai e no Brasil e alguns argentinos. Políticos liberais, produtores rurais, banqueiros, comerciantes, artistas.
A festa de fim de ano era famosa e esperada por muitos. Nos dias que a antecediam, o burburinho era grande. Havia um tema em mesa: uma iminente onda antidemocrática que se instalaria em países da América do Sul, a começar pelo Brasil. Como videntes, herdeiros de um poder sobrenatural, munidos de uma bola de cristal potente, todos enxergavam o que estava por vir. Informações eram trocadas entre um e outro. Planos de resistência eram arquitetados na casa cuidadosamente enfeitada por Edith com rosas vermelhas.
Enquanto o mal esgueirava-se sorrateiramente e ameaçava tomar conta em breve da cena geral, havia os jovens que, com sua vivacidade, alegria e sede de descobertas, lembravam que também era preciso nunca esquecer de flutuar. Pascal Filho gostava de carros