Ateliê de Arte: Experiência de Arte e Vida com Jovens Cegos
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Ateliê de Arte - Ana Carmen Nogueira
Sumário
CAPA
1
O QUE É EXPERIÊNCIA?
A experiência estética
A experiência, a pessoa deficiente visual e sua experiência estética
Corpo – experiência de espaço
2
PERCURSO DO CONTATO DO CEGO COM ARTE NO ATELIÊ E O PROJETO LYGIA CLARK
O ateliê
O contato com a arte
Potencialidades no encontro do cego com a arte
Lygia Clark: a arte como vida, a vida como arte
Os materiais adaptados
Os trabalhos desenvolvidos pelos alunos
Casulos
Bichos e outros bichos
Obras Moles
Exploração do espaço externo
3
UM NOVO OLHAR PARA AS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS NO ATELIÊ DOIS ANOS DEPOIS
Procedimentos para a realização da pesquisa
Análise da experiência do ateliê na perspectiva dos alunos
Reflexão sobre a experiência do ateliê na perspectiva dos alunos
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
SOBRE A AUTORA
CONTRACAPA
Ateliê de arte
experiência de arte e vida com jovens cegos
Editora Appris Ltda.
1.ª Edição - Copyright© 2023 dos autores
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98. Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores. Foi realizado o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nos 10.994, de 14/12/2004, e 12.192, de 14/01/2010.
Catalogação na Fonte
Elaborado por: Josefina A. S. Guedes
Bibliotecária CRB 9/870
Livro de acordo com a normalização técnica da ABNT
Editora e Livraria Appris Ltda.
Av. Manoel Ribas, 2265 – Mercês
Curitiba/PR – CEP: 80810-002
Tel. (41) 3156 - 4731
www.editoraappris.com.br
Printed in Brazil
Impresso no Brasil
Ana Carmen Nogueira
Ateliê de arte
experiência de arte e vida com jovens cegos
Gracias a la vida
Composição: Violeta Parra
Gracias a la vida, que me ha dado tanto
Me dió dos luceros que cuando los abro
Perfecto distingo lo negro del blanco
Y en alto cielo su fondo estrellado
Y en las multitudes el hombre que yo amo
Gracias a la vida, que me ha dado tanto
Me ha dado el oído, que en todo su ancho
Traba noche y dia grillos y canarios
Martirios, turbinas, ladridos, chubascos
Y la voz tan tierna de mi bien amado
Gracias a la vida, que me ha dado tanto
Me ha dado el sonido y el abecedario
Con él las palabras que pienso y declaro
Madre, amigo, hermano y luz alumbrando
La ruta del alma del que estoy amando
Gracias a la vida, que me ha dado tanto
Me ha dado la marcha de mis pies cansados
Con ellos anduve ciudades y charcos
Playas y desiertos, montañas y llanos
Y la casa tuya, tu calle y tu patio
Gracias a la vida, que me ha dado tanto
Me dió el corazón que agita su marco
Cuando miro el fruto del cerebro humano
Cuando miro el bueno tan lejos del malo
Cuando miro el fondo de tus ojos claros
Gracias a la vida, que me ha dado tanto
Me ha dado la risa y me ha dado el llanto
Así yo distingo dicha de quebranto
Los dos materiales que forman mi canto
Y el canto de ustedes que es el mismo canto
Y el canto de todos que es mi propio canto
Gracias a la vida
Obrigada ao meu pai que me ensinou a me maravilhar com a vida
Obrigada à minha mãe que me ensinou a lutar
Obrigada ao meu marido que me ensinou a confiar
Obrigada à minha filha que me ensinou a amar incondicionalmente
Obrigada aos meus alunos que me ensinaram a viver
Obrigada à minha orientadora, Prof.º Dr.ª Elcie Masini que me desafiou a continuar
Obrigada ao Mackenzie e ao Mackepesquisa que acreditaram em mim
Obrigada à Lygia Clark que me presenteou arte como vida e a vida como arte
Obrigada aos poetas e filósofos que me alimentaram
Obrigada aos amigos que me acalentaram.
Obrigada à vida que me deu tanto;
tristezas, enganos, ilusões e incertezas
mas também amores, amigos, sonhos, promessas e esperança.
Obrigada à vida.
Todos te buscam e só alguns te acham. Alguns
te acham e te perdem.
Outros te acham e não te reconhecem
e há os que se perdem por te achar,
ó desatino
ó verdade, ó fome
de vida!
(Ferreira Gullar)
PREFÁCIO
Num processo que busca a inclusão social e cultural de um grupo de indivíduos com deficiência visual, Ana Carmen Nogueira recorre a manifestações artísticas como forma de conhecimento com a utilização do tato e de outras percepções, podendo projetar imagens mentais. O aprendizado de diferentes formas artísticas é despertado mediante as experiências sensório-motoras.
A autora escreve sobre as questões da existência, um abrir-se para o mundo, a maneira como reagimos, como a vida nos toca. Como diz Merleau-Ponty O mundo do cego e do normal difere não somente pela quantidade dos materiais de que dispõe, mas mais ainda pela estrutura do conjunto. Um cego sabe exatamente pelo tato o que são galhos e folhas, um braço e os dedos da mão
. As diferentes modalidades perceptivas nos dão diferentes maneiras de olhar o universo. Percebo o universo com meu ser total. Os sentidos se comunicam.
Ana Carmem, instigada por um trabalho de pesquisa, recorre às manifestações artísticas como forma de existência. Trabalha com todas as percepções, com todos os sentidos. A mão ativa e passiva de seus pacientes com deficiência visual compartilha do mundo tátil, toca as superfícies e recebe uma resposta. A qualidade das respostas recebidas pelo tocar o objeto transmite segurança ao deficiente visual. O tato é capaz de cheirar, ouvir e saborear. A mão que toca é a experiência do corpo consigo mesma ao tocar objetos em relevo. Ampliando a capacidade interior de ter emoções, de interagir, de compartilhar, de sofrer. A compreensão dos gestos se consegue pela reciprocidade da intenção da orientadora, utilização do tato que conduz as pessoas com limitação visual a produzir imagens mentais. O corpo pode ver e tocar objetos.
A autora fala da experiência humana, oferecendo um importante material diferenciado de apoio acerca dos artistas plásticos. Privilegia a obra de Ligia Clark por meio de recursos sensoriais e outros sentidos além do visual, permitindo aos participantes a leitura das imagens adaptadas com contorno em relevo. Dessa forma, possibilita aos indivíduos reconhecer, por meio do tato: formas, tamanho, espaço e direção presentes na obra da artista. Assim, o grupo pode caminhar com a artista, descobrindo suas inquietações e realizações.
A arte como experiência de vida oferece recursos para a criação de novas formas de expressão, por meio do tato e de todos os sentidos. A experiência de ver é acompanhada da possibilidade de expressão e elaboração das emoções, forma de estar presente no mundo. A obra de arte sempre diz respeito a cada um de nós.
Ana Carmem realiza um atendimento terapêutico com paixão, conhecimento e determinação, elaborado passo a passo por tateamentos, em que o fazer artístico posterior é extremamente gratificante ao indivíduo deficiente visual. Essa paixão, ela coloca com maestria em sua obra.
Ana Alice Francisquetti
Artista plástica, educadora. Arte terapeuta, arte-reabilitadora Professora e supervisora do Curso de Arteterapia do Instituto Sedes Sapientiae
APRESENTAÇÃO
Na busca de um sentido
prazer
da pura percepção
os sentidos
sejam a crítica
da razão
(Paulo Leminski – Distraídos Venceremos, 1987)
Eu não sei como é o caminho das pessoas nesta vida louca que vivemos, mas sei que faço tudo muito devagar. Demorei para entender por onde andar, não entendia o que estava procurando nem o que dava sentido à minha vida. Quando terminei o ensino médio, enquanto minhas amigas corriam para fazer vestibular com a certeza de que seriam enfermeiras, psicólogas, dentistas, economistas, eu olhava para tudo aquilo sem ver sentido e não acreditava que era o meu caminho.
Fui embora. Passei um ano na Espanha. Lá, entrei na academia preparatória para Escola de São Fernando e, para o horror de minha família, descobri que amava arte.
Quando voltei, ingressei na faculdade de artes plásticas e, em 1981, me formei. Durante um período, lecionei para crianças e adolescentes, fiz desenho de estamparia e montei um ateliê de artes, mas ainda não era o que procurava. Por alguns anos, me afastei da área e fui trabalhar em um bureau de artes gráficas.
Em 2000, entrei no curso de Direito. Tive como colega de classe Paula, que tinha baixa visão e sofria muito com a incompreensão de todos em relação ao que era capaz ou não de ver. Foi meu primeiro contato com uma pessoa com deficiência visual; foi uma ótima convivência, aprendi muito com ela.
Não terminei o curso de Direito, ficou para trás por uma série de dificuldades que a vida trouxe, mas a esse curso posso agradecer por ter tido a oportunidade do primeiro contato com outro modo de perceber o mundo. Aprendi muito, principalmente a estudar, graças a meu professor de Direito Penal Ivan Martins Motta. Ele fez a diferença, não pela disciplina que ministrava, mas pela forma como nos instigava a querer saber mais.
No turbilhão de uma crise que teve início em 2000, foram surgindo questões de quem era eu nesse mundo e o que estava fazendo de minha vida. Quem precisava de mim? No final, quem eu acreditava que precisava de mim foi quem me salvou.
A vida parece ser uma espiral girando em torno de um ponto central, afastando ou aproximando. Ela se centra, retorce, desce, sobe sobre si mesma trazendo ecos e vibrações daquilo que vivemos. Nosso ponto de partida pode retornar como ponto de chegada renovado pela nossa vivência no mundo. Assim, a arte e a educação voltaram à minha vida.
Em 2003, iniciei a Especialização em Educação Especial com aprofundamento em deficiência visual, após ler a tese de doutorado de Nely Garcia — Programas de Orientação e Mobilidade no Processo de Educação da Criança Portadora de Cegueira
— defendida na Universidade de São Paulo, em 2001. Na tese, Nely fala sobre o curso de especialização da Universidade Cidade de São Paulo, o qual fiz. Minha busca era compreender como uma criança cega se desenvolvia neste mundo tão visual. Como trabalhar artes com crianças deficientes visuais? Como elas descobriam os espaços e se locomoviam?
O curso abriu novas fronteiras e aguçou minha necessidade de saber mais. Durante as aulas, fizemos a transcrição de um livro infantil, de nossa livre escolha, para o Braille. Tínhamos, também, de transformar as ilustrações em ilustrações táteis; a partir daí, nasceu um grande interesse pela questão da acessibilidade à arte visual pela pessoa com deficiência visual. O curso não se preocupou em fazer um aprofundamento maior nas questões das ilustrações táteis tampouco na questão da arte para pessoa com deficiência visual. Essa era minha busca pessoal.
Comecei a estudar sobre ilustrações táteis e como elas podiam contribuir para o desenvolvimento intelectual e sensorial desse grupo. Por meio da leitura de artigos, publicações e anais de congressos disponíveis na internet, fui aprendendo cada vez mais sobre esse campo tão interessante. Encontrei vários materiais relacionados à arte e a pessoas com deficiência visual. Aprendi sobre técnicas de elaboração de ilustração de livros e adaptação de materiais. Infelizmente, encontrei pouca coisa sobre o assunto no Brasil, principalmente sobre a arte.
Fiz o curso de extensão Ensino da Arte na Educação Especial e Inclusiva
, na Pinacoteca do Estado de São Paulo. Foi Amanda Tojal, a coordenadora, quem abriu novos caminhos de conhecimento. Estudei as Inteligências Múltiplas na visão, de Howard Gardner e Celso Antunes, e descobri a Didática Multissensorial, do espanhol Miguel Albert Soler. Uma das propostas do curso era elaborar em equipe um roteiro de planejamento de curso, ou programas de artes, para públicos especiais ou inclusivos. Faziam parte do grupo, além de mim, Maria Carolina Tiengo, Maria Elisa Rizzi e Regina Maria Gabriel. Apresentamos o Projeto Ronda
, cujo objetivo era possibilitar o acesso à vida cultural e histórica do centro de São Paulo a pessoas com deficiência. O roteiro que desenvolvemos preestabelecia que um percurso seria feito a pé, utilizando os vários meios da multissensorialidade, para conhecer os espaços arquitetônicos do Centro que refletissem a história da capital paulista. Atenderíamos pessoas com e sem deficiência, grupos que denominamos grupos inclusivos
. Pretendíamos atender pessoas com deficiência (visual, auditiva, intelectual e física, desde que possuíssem algum meio de locomoção) e pessoas que não tinham nenhum tipo de deficiência compartilhando novos saberes da cidade. Embora o projeto jamais tenha saído do papel, foi extremamente gratificante; acreditávamos que poderia ter sido um sucesso caso fosse implementado.
Ao término do curso, trabalhei como voluntária no Programa Ação Educativa para Públicos Especiais
, da Pinacoteca do Estado de São Paulo, coordenado por Amanda Tojal. Eu acompanhava as visitas dos grupos de pessoas com deficiência e ajudava na mediação entre as obras e o público.
Em