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Tokenização nas transações imobiliárias: o uso da tecnologia blockchain no registro de imóveis à luz do ordenamento jurídico brasileiro
Tokenização nas transações imobiliárias: o uso da tecnologia blockchain no registro de imóveis à luz do ordenamento jurídico brasileiro
Tokenização nas transações imobiliárias: o uso da tecnologia blockchain no registro de imóveis à luz do ordenamento jurídico brasileiro
E-book298 páginas3 horas

Tokenização nas transações imobiliárias: o uso da tecnologia blockchain no registro de imóveis à luz do ordenamento jurídico brasileiro

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Sobre este e-book

Os muitos avanços tecnológicos podem estimular a ideia de que muitos instrumentos seculares utilizados pela sociedade já não são mais valorosos. No entanto, a autora busca se afastar da euforia dos entusiastas tecnológicos para produzir uma análise profunda e serena das implicações jurídicas da tecnologia blockchain e da tokenização para o Registro Imobiliário brasileiro, a partir de uma investigação da função e desenvolvimento do Registro de Imóveis ao longo do tempo, bem como do funcionamento da tecnologia blockchain e seus principais instrumentos, até se chegar às interseções entre os temas. A obra traz, ainda, uma rica contribuição de Direito Comparado quando da análise da aplicação da tecnologia em outros países e lança também um olhar para o problema da exclusão digital.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento14 de dez. de 2023
ISBN9786527001591
Tokenização nas transações imobiliárias: o uso da tecnologia blockchain no registro de imóveis à luz do ordenamento jurídico brasileiro

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    Tokenização nas transações imobiliárias - Nethânya Cavalcante

    1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

    Encontra-se em curso mudanças de paradigmas em todos os setores das relações humanas, provocadas, sobremaneira, pelo ritmo dos avanços tecnológicos. Não se pode perder de vista que o direito positivo veio muito antes da tecnologia tal qual a conhecemos. Desse modo, antes de compreender a conjuntura da atual revolução tecnológica, é necessário não perder de vista que a propriedade é um direito robusto, cerne do qual se organizam e estruturam todos os demais direitos reais, e em seu ajuste atual, trata-se de um direito cujo titular exerce sobre coisas, sobre uma parcela física, e o exerce segundo sua vontade, com oponibilidade contra todos.¹

    Os sistemas de registro surgiram a partir do desenvolvimento das nações, e desempenham relevante função no mundo contemporâneo, com espectros econômico e social. Sua função se amplia no mesmo compasso em que aumenta a relevância das relações comerciais, da propriedade privada e da segurança jurídica. Considerada uma das instituições mais importantes para o desenvolvimento econômico dos estados, atua, na promoção da estabilidade das relações, de atos jurídicos e da vida civil em geral². É possível afirmar, que o registro de imóveis, como o notariado, são microinstituições ligadas à promoção de segurança nos direitos de propriedade.³

    A chamada 4ª Revolução Industrial, pela qual passa a sociedade hoje, transforma a forma como nos comunicamos, trabalhamos, nos expressamos, enfim, vivemos. Em paralelo, as mesmas mudanças requerem uma reformulação de governos, instituições, sistemas de ensino, saúde, transportes⁴. A mais nova tecnologia disruptiva é a blockchain, cujo funcionamento parte da descentralização da arquitetura de registro dos dados e da validação destes, que passam a ser realizados de forma autônoma, pelos próprios usuários da rede, com apoio na tecnologia⁵. Outro aspecto que merece ser destacado, a partir do entendimento do funcionamento dessa tecnologia, é o empoderamento de seus usuários.⁶

    O mercado imobiliário, por seu porte, tem atraído a atenção de entusiastas dessa tecnologia, que enxergaram a sua aplicação ao direito de propriedade imobiliária e demais direitos reais. Com isso, seria factível transacionar a propriedade de um imóvel unicamente entre particulares, sem intermediadores: bancos, corretores, notários, registradores, e muitos outros. Nesse sentido, é necessária uma análise parcimoniosa sobre a aplicação da tecnologia blockchain às transações envolvendo a propriedade imobiliária, dada a complexidade dessas interações.

    Há, sem dúvida, uma grande euforia em torno da nova tecnologia, um hype, com a defesa do seu uso indiscriminadamente, mas sem muito aprofundamento jurídico. Estes intermediários, destacadamente notários e registradores, segundo Campilongo⁷, podem ser compreendidos, tomando-se de empréstimo de Kraakman a figura do gatekeeper da literatura econômica, como um terceiro imparcial em relação às partes de um negócio ou ajuste, que atua como ‘guardião do direito’. Sua responsabilidade suplementa a responsabilização das partes contratantes, possuem uma participação importante no tráfego imobiliário.

    Diante dessa conjuntura, a perspectiva é de que a sociedade da informação cederá lugar para uma sociedade organizada em rede, um conceito derivado de Castells⁸, na qual a estrutura social consiste em um sistema aberto e muito dinâmico. Essa organização cai como uma luva para sistemas capitalistas, que se apoiam na inovação, globalização e concentração descentralizada, em ambientes de trabalho, para trabalhadores e empresas flexíveis, em culturas e políticas de constante desconstrução e reconstrução, voltadas ao processamento instantâneo de novos valores e ânimos públicos, bem como para uma morfologia social que vise a superação de paradigmas de tempo e espaço, e também como um motor de drástica reorganização das relações e poder. Miconi⁹, utilizando da mesma definição, afirma que a sociedade se move da configuração substancialmente vertical das burocracias que governaram a humanidade por milênios – exércitos, estados, grandes empresas, para ir em direção a uma organização em rede.

    Essa configuração burocrática, citada pela autora, não se harmoniza com a acepção de uma sociedade em rede, que é digital e colaborativa. Neste sentido, a nova tecnologia disruptiva, chamada blockchain, pode ser compreendida como um conjunto de tecnologias capaz de transacionar qualquer coisa de valor, mas tornando possível o seu rastreio e verificação, incluindo-se registros de propriedade, registros médicos¹⁰, e outras atividades até então burocráticas e realizadas por meio do Estado ou com a intervenção de terceiros. A tecnologia blockchain, que na tradução livre significa ‘cadeia de blocos’, é também denominada como protocolo da confiança¹¹, que traz como maior promessa a garantia da segurança e transparência a um número sem fim de transações.

    Em meio à crise que abalou o sistema financeiro americano ainda no ano de 2008, essa tecnologia surgiu objetivando trazer mais confiança às transações, aspecto profundamente estremecido naquele momento¹². A sua primeira aplicação se deu com a bitcoin, moeda digital, bem conhecida atualmente, e seu principal trunfo é a confiança baseada na criptografia e não em uma terceira parte intermediadora, como os bancos. Contudo, a tecnologia se expandiu para muito além da bitcoin e das moedas digitais.

    Neste contexto de forte aceleração tecnológica, ganhou corpo a ideia de que a tecnologia poderia criar um ambiente de interação segura e direta entre indivíduos em uma rede descentralizada, sem terceiros intermediadores; a própria infraestrutura já seria dotada de fidúcia, rompendo com as antigas formas de atribuir confiança às interações humanas. As transações são registadas em um blockchain –como uma espécie de planilha ou livro-razão global, no qual são gravadas e programadas transações econômicas que envolvam valor, tais como ações, títulos de propriedade, certidões de registro civil das pessoas naturais, créditos de seguros, votos, diplomas, contas financeiras, procedimentos médicos, procedência de alimentos; uma longa lista de tudo que pode ser expresso em código.¹³

    A partir daí, surgiu a ideia de tokenização da propriedade imobiliária. O fenômeno da tokenização consiste em transformar ativos do mundo real, relações e direitos sobre coisas, em ativos digitais, os chamados tokens . Os tokens podem assumir funcionalidades diversas, como imóveis, obras de arte etc.; funcionam como unidades de troca dentro de uma cadeia de blocos. A posse de um token confere ao seu detentor direitos específicos dentro daquela rede de usuários, que são transmitidos através dos chamados smart contracts. Afigura-se, então, que as possibilidades de aplicação da blockchain são inúmeras e se estendem por diversos ramos do Direito Constitucional, Administrativo, Concorrencial e da Propriedade Intelectual, Civil, Financeiro, dentre outros. E possibilitou a aplicação prática de uma abstração até então, os chamados ‘contratos inteligentes’ ou smart contracts, distintos por sua autoexecutoriedade, que propõe transformar o Direito Contratual e desafiar o tradicional Direito Privado contemporâneo.¹⁴

    O mercado imobiliário traz consigo antigos reclames como altos custos, lentidão ou mesmo dificuldade de concretização de transações. De outra banda, é importante ressaltar que as deficiências no sistema de registro de imóveis são apontadas como um dos alicerces para o subdesenvolvimento, que impedem o aproveitamento total do potencial econômico do uso da propriedade. Nesse sentido, a superação dessas ineficiências deve almejar o combate a esse déficit de aproveitamento econômico, o que requer um projeto intricado, com uma reanálise da labiríntica estrutura legal e judiciária, que protesta por eficiência, conjugado com um apropriado e completo mapeamento da propriedade e inclusão dos menos favorecidos ao sistema registral, com reduzidos custos e burocracia¹⁵. E especificamente no que toca ao mercado imobiliário, os tokens prometem trazer maior liquidez, uma demanda constante, e maior acessibilidade, com a redução dos custos e eliminação de intermediários.

    Diante de todas essas promessas, Brandelli e Mazetti¹⁶ levantaram o importante questionamento: a tecnologia blockchain é disruptiva no que toca o direito de propriedade e o registro de imóveis? Foi nesse panorama que se aventou a possibilidade de criação de uma propriedade universal e descentralizada, livre da intervenção estatal e da presença dos registros públicos, o que poderia implicar em maior justiça, crescimento econômico, com maior acessibilidade, aumentando também o valor dos ativos. Seria uma propriedade reconhecida por qualquer um, sem registros públicos.¹⁷

    O que se propõe com a presente pesquisa, portanto, é compreender de que modo a tecnologia blockchain e o novo fenômeno da ‘tokenização’ de direitos, a partir dos tokens representativos de direitos sobre imóveis, podem contribuir para a melhoria das transações imobiliárias e modernização do Registro de Imóveis do Brasil e de que modo se compatibilizam com o ordenamento jurídico brasileiro. Destarte, busca-se compilar informações publicadas na literatura acerca dos benefícios e dos riscos para utilização da tecnologia blockchain nas transações envolvendo a propriedade e demais direitos reais, e os obstáculos jurídicos à tokenização da propriedade imobiliária.

    A proposta é, a partir de uma investigação bibliográfica, analisar no primeiro capítulo a evolução e o surgimento do registro de imóveis no Brasil, alcançando a conjectura do Registro Imobiliário na Revolução Tecnológica. Para uma boa análise do sistema brasileiro, é necessário um estudo acerca do nascimento dos sistemas registrais ao redor do mundo, em especial nos de culturas de civil law, investigando suas razões, utilizando-se, para isso, do Direito Comparado. Será possível, dessa forma, contextualizar o registro como modo de aquisição da propriedade e constituição dos direitos reais, e por oportuno, analisar os princípios e atributos decorrentes do registro, penetrando na matriz principiológica do direito registral imobiliário. Ao final deste capítulo, pretende-se ingressar no estudo dos direitos reais, de modo a compreender a robustez desses direitos, realizando a necessária diferenciação com os direitos pessoais.

    É relevante trazer nesse momento a perspicácia de Morozov¹⁸, que atenta para a necessidade de manter um olhar cauteloso diante das disrupções a salvo do clamoroso evangelho da inovação e do conto de fadas do empoderamento do usuário. É o que se pretende com o presente estudo: analisar a possibilidade da tokenização da propriedade imobiliária, sem o romantismo próprio de seus entusiastas. Portanto, adiante, no capítulo seguinte, será tratado o contexto do surgimento da tecnologia blockchain e a compreensão do seu modo de funcionamento, para, a partir de então, compreender os fundamentos e as razões de ser apontada como a melhor invenção dos últimos anos.

    Feita essa análise da tecnologia, as próximas páginas do presente capítulo serão dedicadas a identificar como a tecnologia pode ser utilizada na transmissão de direitos, identificando seus instrumentos (tokens , tipos de tokens e smart contracts), analisando-os à luz do Direito Civil e da Teoria Contratual Contemporânea. Forçoso afirmar que a presente dissertação não se presta a negar os benefícios que podem ser agregados pela tecnologia, mas analisá-los à luz das normas vigentes, em especial ao que pertence os Direitos Reais, que disciplina a relação da pessoa e seu patrimônio, e sua proteção em relação aos demais, haja vista a marcante característica do efeito erga omnes.¹⁹

    O último capítulo se destina a analisar os desafios ao uso da tecnologia blockchain nas transmissões imobiliárias, sobretudo no que toca ao Registro de Imóveis. Será realizado um estudo comparativo de modelos de projetos em andamento no Brasil e na Europa, de modo a ponderar sobre as oportunidades e barreiras da adoção do uso da tecnologia no tráfego imobiliário e provocar o debate acerca dos desafios e da viabilidade do fenômeno diante do atual sistema de registro de imóveis e dos direitos reais, concluindo acerca da possibilidade de aperfeiçoamento desse sistema e da necessidade de adaptações legislativas. A presente dissertação, ao final, trará as conclusões com relação ao cenário atual da Revolução Tecnológica. Trata-se, aqui, de uma revisão bibliográfica, por oportuno, ressalta-se que grande parte da bibliografia utilizada se encontra em língua estrangeira, por esse motivo optou-se pela tradução própria nas diversas citações utilizadas.


    1 MIRAGEM, Bruno. Teoria Geral do Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2021. E-book Kindle.

    2 KUMPEL, Victor Frederico. Tratado Notarial e Registral. Vol. 5. São Paulo: YK Editora, 2020.

    3 CAMPILONGO, Celso Fernandes. Função Social Do Notariado. São Paulo: Saraiva. E-book Kindle, 2014.

    4 SCHWAB, Klaus. A Quarta Revolução Industrial. São Paulo: Edipro, 2019. E-book Kindle.

    5 UHDRE, Dayana de Carvalho. Blockchain, tokens e criptomoedas: Análise jurídica. São Paulo: Almedina, E-book Kindle, 2021.

    6 REVOREDO, Tatiana. Blockchain: tudo que você precisa saber (potencial e realidade). 1ª Edição Ed. The Global Estrategy. 2019.

    7 CAMPILONGO, Celso Fernandes. Função Social Do Notariado. São Paulo: Saraiva. E-book Kindle, 2014.

    8 CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999. v. 1. Informação & Sociedade: Estudos, v. 10 n.2 2000.

    9 MICONI, Andrea. Ponto de virada: a teoria da sociedade em rede. In: DI FELICE, Massimo (Org.). Do público para as redes. São Caetano do Sul-SP: Difusão Editora, 2008.

    10 REVOREDO, Tatiana. Blockchain: Tudo o Que Você Precisa Saber. The Global Strategy ed., 2019.

    11 TAPSCOTT, Don; TAPSCOTT, Alex. Blockchain Revolution: como a tecnologia por trás do Bitcoin está mudando o dinheiro, os negócios e o mundo. São Paulo: SENAI, 2016. p. 36.

    12 O nascimento da tecnologia Blockchain remonta a 2008, ano da maior crise econômica global de nossa história recente – a maior desde o crash de 1929 -, e com ela se confunde, daí porque é conveniente contextualizar esse período. RODRIGUES, Carlos Alexandre. Teixeira, Tarcísio. Blockchain e Criptomoedas. 2 ed. Ver e atual. Salvador: Ed. Jus Poddium, 2021.

    13 TAPSCOTT, Don; TAPSCOTT, Alex. Blockchain Revolution: como a tecnologia por trás do Bitcoin está mudando o dinheiro, os negócios e o mundo. São Paulo: SENAI, 2016.

    14 NOBREGA, Marcos Rios; CAVALCANTI, Mariana Oliveira de Melo. Smart contracts ou contratos inteligentes: o direito na era da blockchain. Revista Científica Disruptiva, v. 2, n. 1, p. 91-118, 2020.

    15 SOTO, Hernando de. The Mystery of Capital: why capitalism triumphs in the west and fails everywhere else. Londres: Black Swan, 2001.

    16 MAZITELI, Celso; BRANDELLI, Leonardo. Blockchain e o Registro de Imóveis. Revista de Direito Imobiliário, São Paulo: Ed. RT, São Paulo – Brasil, ano 42, v. 87, p. 81, Jul-Dez 2019.

    17 Ibid., p. 66.

    18 MOROZOV, Evgeny. Big Tech. Ubu Editora. E-book Kindle, 2018.

    19 MIRAGEM, Bruno. Teoria Geral do Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense. E-book Kindle, 2021.

    2 REFLEXÕES ACERCA DO REGISTRO DE IMÓVEIS NO BRASIL E PERSPECTIVAS NO CONTEXTO TECNOLÓGICO

    No presente capítulo, pretende-se contextualizar e examinar o surgimento do Registros de Imóveis no Brasil, sua evolução histórica e, de forma ampla, o nascimento dos sistemas registrais, bem como se utilizar do Direito Comparado para caracterizar e distinguir o Registro de Imóveis no Brasil. É preciso, antes de adentrar no estado da arte do registro brasileiro, analisar seus principais princípios, atributos e funções e suas próprias razões de existir. E, em um segundo momento, se deter à compreensão do registro como modo de aquisição da propriedade. Ainda na primeira parte é necessário se debruçar sobre as principais teorias em torno da temática e, por fim, relacionar os Direitos Reais e Obrigacionais, de modo a conceituá-los e distingui-los.

    2.1 O REGISTRO COMO MODO DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE E SUA REPERCUSSÃO NOS SISTEMAS DE REGISTRAIS

    No início da Idade Moderna, à medida que as populações cresciam e o número de negócios que envolviam os direitos reais aumentava, restava cada vez mais difícil acompanhar, com segurança, todas as transações realizadas. Os contratantes acabavam por se expor, exageradamente, aos riscos e custos. Nesse contexto, na Europa, em países de tradição civil law, na busca de prevenir, mitigar e garantir os riscos que envolviam as transações imobiliárias, criou-se os sistemas registrais, a partir da necessidade de regulação do mercado e redução da insegurança jurídica, solução encontrada em países como Bélgica, França, Portugal, Alemanha, Itália, Áustria, entre outros.²⁰

    Mônica Jardim, no evento Diálogos sobre Desenvolvimento, Empresa e Sociedade, afirmou que nos países de common law, por seu turno, optaram por caminho diverso, abdicaram da criação de sistemas registrais e consolidaram os seguros de títulos, com caráter ressarcitório²¹. Nesse cenário, no qual a mitigação dos riscos das atividades econômicas tornou-se imperiosa, os contratos de seguros se consolidaram para atender a anseios eminentemente econômicos, de modo a trazer segurança em relação aos riscos ordinários da vida em sociedade, como bem observa o professor Bruno Miragem²². A partir dessa leitura, é possível dizer que os mesmos anseios motivaram a criação dos sistemas registrais, no que toca às transações imobiliárias. Dentre outras razões, da relevância econômica e social atribuída aos bens imóveis, bem como da possibilidade de sua individualização, surgiu a organização de um regime para a transferência da propriedade dos bens imóveis, que, fazendo de forma pública, oferece maior segurança à circulação da riqueza imobiliária.²³

    Nesse sentido, os sistemas de registro de imóveis desenvolveram-se, basicamente, sob duas perspectivas: uma que afirma que os direitos reais somente se constituem, modificam, transmitem ou se extinguem com o registro, e assim, somente após registrado, o direito real está constituído e será oponível a terceiros e, portanto, os terceiros estarão protegidos e o mercado estará seguro. De tal modo, restou consagrado o sistema constitutivo ou de registro de direitos, tal qual o modelo adotado no Brasil²⁴²⁵. O registro é pressuposto para a aquisição de um direito real; se põe como condição de acesso à propriedade formal.

    De outra banda, alguns ordenamentos jurídicos optaram por criar um sistema registral no qual o registro é utilizado apenas para consolidar a oponibilidade perante terceiros, declarar direito, são os chamados sistemas de inoponibilidade, sistemas de registro de documentos ou sistema declarativo; neles o direito real surge com o título, o registro se reduz a publicizar um direito preexistente, dar notoriedade²⁶. Assim, o primeiro a inscrever seu título aquisitivo no registro fica resguardado contra eventuais interessados que não procederam ao registro ou só o fizeram posteriormente²⁷. Adotam esse modelo Portugal, França e Itália.

    Quando se trata de aquisição dos direitos reais, é possível apontar três grandes sistemas: o romano, o francês e o alemão²⁸, que buscam responder em que momento a aquisição dos direitos reais encontra-se perfeita e acabada, assim diferenciam-se principalmente pelo efeito translativo decorrente ou não do título.

    Em Portugal, França, Itália, de acordo com a lei, o direito real se transmite por mero efeito do contrato, independentemente da entrega da coisa, do pagamento do preço e do registro; não é preciso um modo, basta o acordo com consensualidade, que não padeça vícios, vigora o princípio da causalidade. Os efeitos reais encontram sua causa naquele título. É de se observar que um contrato, portanto, emana simultaneamente tanto efeitos obrigacionais quanto reais. No sistema título e modo complexo, visto na Áustria, Suíça e Alemanha, não basta um só um negócio; há um primeiro contrato meramente obrigacionista, depois é necessário um negócio real e depois um modo, no caso dos imóveis, um registro, dos móveis, a entrega da coisa. Vigora o princípio da abstração.²⁹

    Já no sistema romano, não basta a existência do título, isto é, do ato jurídico pelo qual uma pessoa manifesta validamente a vontade de adquirir um bem. É necessária uma formalidade

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