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A Esmeralda da Rainha: As Crônicas de Iungetellus, #1
A Esmeralda da Rainha: As Crônicas de Iungetellus, #1
A Esmeralda da Rainha: As Crônicas de Iungetellus, #1
E-book714 páginas9 horas

A Esmeralda da Rainha: As Crônicas de Iungetellus, #1

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Sobre este e-book

No mundo onde Axella vive, a existência dos piratas é tão antiga quanto a terra e o mar. Os ataques dirigidos aos navios comerciais ou aos portos são os únicos acontecimentos que perturbam a vida tranquila do continente Iungetellus.

Axella teve contato com os piratas somente através dos rumores ou durante as suas tentativas de roubar Portus Avorum, a cidade onde ela vive.

Até o momento quando, durante um tal ataque, o irmão de Axella, Maximinus, consegue o que poucos conseguiram: encarar o pirata mais famoso da história – o temido Calogerus – e obrigá-lo a se retirar.

Logo depois disso, a gente de Calogerus sequestra a mãe do Maximinus e da Axella, pedindo um resgate quase impossível de obter – a Esmeralda da Rainha, um tesouro escondido no coração de um reino de Bazanthos, o continente a leste de Iungetellus.

Antes do seu tempo acabar, Axella e Maximinus devem se aventurar de um continente para outro para roubar uma das posses mais preciosas do reino Eratrix.

Amigos leais os apoiarão, inimigos inesperados os sabotarão, e a sua missão trará à luz verdades que cambiarão as suas vidas e o mundo que conhecem para sempre.

IdiomaPortuguês
Data de lançamento12 de fev. de 2024
ISBN9798224851607
A Esmeralda da Rainha: As Crônicas de Iungetellus, #1
Autor

Cristiana-Maria Pavel

Cristiana-Maria Pavel is a Romanian author with a passion for reading and writing fantasy novels. A Computer Science graduate as well as programmer, she’s always been fascinated by the idea of creating worlds and characters, and telling their stories. In her spare time, she enjoys going to the cinema, learning foreign languages and spending time with her cat and two dogs. To find out more, follow @cristiana.m.pavel on Instragram.

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    A Esmeralda da Rainha - Cristiana-Maria Pavel

    Capítulo 1

    - Monica e Cassia não vão nos acompanhar? – perguntou Junia. – Hoje era a nossa vez de acolher o pequeno-almoço.

    - Cassia me disse ontem que o seu pai volta de Eratrix hoje. Ela e a Monica estão preparando a casa para a sua chegada – respondeu Axella a sua bisavó.

    - Estamos todos convidados a jantar esta noite – anunciou Sabina, entrando na sala de jantar e se sentando ao lado da sua avó. – O seu irmão ainda não acordou?

    Sentada com as costas para uma das três janelas da sala de jantar, Sabina tinha uma aparência angélica. O seu cabelo dourado era encharcado na luz solar da manhã que fluía pelo pescoço dela e jogava no seu rosto sombras que davam aos seus traços uma nota de mistério.

    A respiração parou no peito de Axella. Achava incrível conceber que tinha herdado os traços de Sabina.

    - Não tenho observado nenhum movimento no seu quarto quando desci. Provavelmente é cansado. Já tinha passado da meia-noite quando ouvi ele voltar à casa ontem à noite.

    - Um livro deve ser verdadeiramente bom se determina uma garota a permitir que o seu rosto seja pintado de olheiras – comentou Julia, um cintilar alegre no seu olhar.

    Sabina tinha herdado os olhos claros da sua avó, mais enquanto os olhos da Sabina tinham uma cor verde tão brilhante que eram impossíveis de esquecer, os olhos de Junia ficavam em algum lugar entre verde e azul.

    - É a segunda vez que o leio – confirmou Axella. Na verdade, deveria passar pela livraria hoje, ver que títulos novos há. As minhas estantes precisam de uma atualização.

    - Está com sorte. Apenas ontem, o porto recebeu um navio cheio de livros, tantos que pode ser que não caibam na livraria da cidade.

    Maximinus apareceu na sala de jantar, caminhando vivamente. Só as olheiras debaixo dos seus olhos e a palidez leve do seu rosto deixavam transparecer o cansaço que tinha acumulado recentemente. Fazia mais de uma semana que Axella ouvia o seu irmão gémeo chegando em casa tarde na noite – e sabia que não podia significar nada bom.

    A posição de capitão na frota real de Portus Avorum obrigava Maximinus a garantir a seguridade da cidade contra qualquer ameaça que chegava do mar – o que significava patrulhas ao longo da costa, controle de qualquer navio suspeito e defender o porto contra os ataques.

    Axella tinha aprendido com o tempo que, se o seu irmão passava as noites no mar, era porque os piratas faziam sentir a sua presença nas proximidades.

    Pensar em Maximinus enfrentando os ladrões do mar fazia torcer o estômago de Axella. A náusea repentina a fez perder tudo o interesse pela comida no seu prato.

    - Bom dia, senhoras – ele se inclinou para dar um beijo em cada uma das cabeças delas antes de se sentar no seu posto usual à mesa, ao lado de Axella e diante de Junia.

    Apesar de ser gémeos, Axella e Maximinus não compartiam os mesmos traços – o cabelo dele era preto e os seus olhos eram castanhos. Não importava o quanto tinha tentado, Axella jamais tinha encontrado no rosto dele alguma semelhança com a mãe ou com a bisavó.

    - Então, Silvanus volta hoje. Deveria ver isso como uma oportunidade de nos empanturrarmos das delícias que saem das mãos da Monica?

    - Exatamente – confirmou Junia.

    - Depois de fechar a alfaiataria, iremos diretamente para a casa deles – anunciou Sabina.

    - Cassia estava tão entusiasmada ontem que duvido que possa se concentrar no trabalho hoje. Se fosse possível manter a padaria fechada por um dia, acredito que teria passado o dia todo no porto, esperando.

    Ao lado de Axella, Maximinus ficou tenso.

    - Preferiria que todas ficassem longe do porto por alguns dias. Chegaram relatos de Segestra a respeito dos ataques dos piratas contra os seus portos. Se vão atacar também Portus Avorum, preferiria que nenhuma de vocês fosse exposta. Previnam também Monica e Cassia.

    - Eu também preferiria que você não fosse exposto – disse Sabina.

    - Vocês não podem ser as únicas que trabalham nesta família – retaliou Maximinus. – E não consigo me imaginar fazendo qualquer outra coisa. O mar é a minha chamada, mãe, e devo servi-la.

    Sabina deu uma olhada para a janela, mais antes dos seus olhos caírem no pequeno jardim além do vidro, encontraram os olhos de Junia. Axella tinha visto a mesma imagem antes – cada vez tinha o sentimento de que as duas mulheres trocavam palavras que ninguém devia ouvir.

    Depois de um momento de silêncio pesado, Junia levantou a sua xícara de chá.

    - À coragem de seguir os sonhos! Aos corações valentes e aqueles que os possuem!

    Axella levantou a própria xícara, agradecida pela presença de espírito da sua bisavó e por tudo o que eram juntos.

    Era uma daquelas manhãs raras quando o tempo permitia a Maximinus acompanhá-las à alfaiataria. Tinham terminado o pequeno-almoço uma meia hora mais cedo do que o normal, portanto não precisavam se apressar. O caminho ao centro da cidade era um passeio bem-vindo.

    Portus Avorum estava desperto, as ruas cheias de gente que saía das casas ou se dirigia aos seus assuntos diários. Axella absorvia insaciavelmente os rumores que os rodeavam, os perfumes deixados para trás pelas senhoras que passavam, os cheiros deliciosos que fluíam na rua através da janela aberta de alguma cozinha e espiava atenciosamente as casas por onde passavam, como também os rostos e roupas da gente com quem se cruzavam.

    Embora fosse de manhã, o sol de fim de julho estava bastante quente.

    - Está olhando à sua volta como se acabasse de chegar aqui pela primeira vez – remarcou Maximinus em tom divertido.

    - Desse jeito, nenhum caminho jamais será aborrecido.

    Maximinus piscou duas vezes antes de sorrir.

    - Não o esquecerei.

    Poucas coisas se comparavam à satisfação de ensinar alguma coisa ao seu irmão maior. Maior por um quarto de hora, certo, mas ainda assim maior. Pelo menos isso era o que Maximinus continuava lhe lembrando.

    A alfaiataria de Sabina estava localizada no centro da cidade, na frente da residência do governador.

    O prédio diante do qual estavam agora, esperando que a Junia destrancasse a porta, tinha custado Sabina uma fortuna, dinheiro ganhado em anos de trabalho. Tinha-o comprado quatro anos atrás, quando Axella tinha quinze anos, e isso tinha acabado sendo um investimento de sucesso, pois Sabina tinha conseguido ganhar três vezes a quantidade pagada pela propriedade.

    O posicionamento do prédio oferecia uma grande vantagem para qualquer comerciante – visibilidade. Depois da feira, o centro da cidade era o lugar mais lotado de Portus Avorum, o que ajudava Sabina a chegar a mais clientes diariamente do quanto jamais teria podido atrair na antiga locação, uma casa alugada numa das ruas do norte da cidade.

    Junia abriu bem a porta da alfaiataria.

    No chão havia vasos contendo diversas plantas de interior cujos nomes Axella não lembrava, discretamente colocados nos cantos ou em lugares onde não iriam atrapalhar. Sabina era uma grande amante das plantas e as cuidava com a mesma devoção com a qual tinha criado seus filhos.

    - Antes de ir embora, Maximinus, vai ao sótão e traga abaixo o baú que encontre lá, por favor – pediu Sabina antes de olhar com satisfação ao redor do quarto – o olhar de alguém que tinha materializado as suas ideias com as próprias mãos.

    - Às suas ordens, capitão – Maximinus sorriu de orelha a orelha enquanto subia as escadas no centro do quarto.

    Axella ofereceu o braço à sua bisavó enquanto subiam as escadas, mas Junia só ergueu o queixo e deu a Axella uma olhada ofendida enquanto passava. À medida que ascendia, Axella observou a sua mãe abrindo o caderno onde mantinha os compromissos de cada dia.

    - A alfaiataria sempre foi a vida da minha mãe, verdade? – sussurrou Axella enquanto abria a janela que tinha vista para a rua atrás do prédio. O ar fresco lhe acariciava as bochechas ao mesmo tempo que o rumor da rua lhe fazia cócegas nos ouvidos. Os sons da vida usual da cidade a fascinava.

    - Além de você e seu irmão, nunca houve algo que lhe traga tanta felicidade.

    Junia estava enchendo a mesa com pergaminhos limpos prontos para ser enchidos de esboços. Os movimentos das suas mãos eram certos, precisos, movimentos que revelavam anos de experiência. Na luz da manhã, seus cabelos brilhavam como prata. Apesar de ter apenas feito setenta e seis, as rugas no seu rosto e os cabelos grisalhos eram as únicas coisas que revelavam a idade de Junia.

    Maximinus estava descendo do sótão, carregando um baú enorme nos braços.

    - Aposto que há metais mais leves do que a renda.

    - Oh, você ficaria surpreso – Junia o olhou com uma mistura de diversão e afeto.

    - Um só baú, mãe? – perguntou Maximinus enquanto descia as escadas ao andar térreo. – Normalmente me explora mais quando me pega por aqui.

    Axella o seguiu, esperando que a pilha de seda, véu e renda formada pelos vestidos que carregava reprimisse as suas risadas.

    Sabina estava atrás da mesa ao lado das escadas, folheando o caderno enorme onde registava todas as vendas e compras da alfaiataria.

    - Eu adoraria explorar você mais, filho, mas infelizmente, esses são os últimos tecidos que temos. Silvanus vai me trazer alguns novos.

    - Falando de navios e tecidos, tenho que ir embora. Diria que as vejo à hora de jantar, mas não posso garantir isso.

    - Se cuide, filho.

    Maximinus saiu pela porta e passou diante da janela principal, desaparecendo logo da vista de Axella.

    Sabina bateu palmas, o som retumbando estridentemente no espaço amplo.

    - Tudo bem, senhoras. Vamos trabalhar.

    Axella acabava de medir uma cliente e estava acompanhando-a escada abaixo, Junia estava costurando um vestido para uma das clientes que acabavam de ir embora e Sabina estava coletando o dinheiro de uma terceira mulher quando Monica, seguida de perto pela Cassia, apareceram na loja. Carregavam bandejas cheias de diversas massas que deixavam atrás um cheiro tentador. Apesar de ter comido à vontade ao pequeno-almoço, o estômago de Axella protestou como se não tivesse comido nada o dia inteiro.

    Tanto Cassia quanto Monica usavam vestidos feitos por Sabina.

    Monica adorava a moda e, como todas as mulheres que tinham pisado na alfaiataria de Sabina, não tinha querido vestir nada além das suas criações desde então.

    Monica colocou a bandeja na mesa de Sabina e se virou para olhá-la. Seu cabelo longo, castanho caía sobre as suas costas, e seus olhos eram azuis como um céu limpo.

    - Quisemos compensar por decepcionar vocês esta manhã.

    Axella chegou ao rés-do-chão enquanto Cassia colocava a segunda bandeja ao lado da outra. Cassia se virou ao mesmo tempo que Axella se dirigiu na sua direção e a tirou num abraço forte.

    O sol refletia nos seus cabelos castanhos e uma luz encantadora lhe brilhava nos olhos pretos.

    Quatro messes tinham passado desde que Silvanus tinha partido para Eratrix, e Cassia tinha sentido a falta dele desde o momento quando tinha deixado Portus Avorum.

    - Eu aceitaria tais desculpas em qualquer momento – disse Junia, correndo escadas abaixo e dirigindo-se diretamente na direção das bandejas cheias de massa.

    Axella estava convencida de que tinha herdado o amor pela comida da sua bisavó.

    Monica possuía uma padaria ao lado da alfaiataria e a dirigia com a ajuda da sua filha. Depois de levar a cabo as suas atividades em diversas áreas da cidade durante anos, Monica tinha mudado a sua padaria no centro da cidade quando Sabina tinha decidido de se mudar. Não era fora do comum que a Monica e a Cassia lhes trouxessem doces durante os dias quando a alfaiataria era tão cheia que esqueciam até de comer, e Sabina lhes realizava vestidos sempre que precisavam.

    Ao mesmo tempo que Junia, todas se lançaram sobre os pastéis.

    Minutos mais tarde, a cliente da qual Sabina acabava de coletar dinheiro estava se limpando a geleia dos dedos com um lenço.

    - Tenho vivido em Fidantis per alguns anos, mas jamais comi algo tão bom. Nem na corte do rei!

    - Não tenho certeza de que seja bem dizer uma tal coisa, mais obrigada! – respondeu Monica com um sorriso, e o ar se encheu de risadas.

    - Oh, Deus! – exclamou a mulher cujas medidas Axella tinha tirado. – Uma boa amiga minha está prestes a se mudar na capital estes dias e precisa muito de alguns vestidos novos para se presentar na corte real. A visitei nos últimos dias e lhe falei de você, Sabina. Poderia receber você na sua casa pelo tempo necessário, se você aceitasse ajudá-la.

    Um silêncio carregado de antecipação caiu enquanto todos os olhos estavam fixados em ela.

    O coração de Axella batia rapidamente. Poderia ir com a sua mãe. Jamais tinha deixado a sua cidade natal, e pensar em ver a cidade mais importante de Agradalis, de estar presente na corte real, até através de uns vestidos era deslumbrante.

    - A oferta é aduladora, e te agradeço pela tua confiança, mais não posso abandonar a alfaiataria e ir embora.

    Axella não tinha percebido que estava segurando o fôlego até que esse não saiu do seu peito com decepção.

    A cliente que tinha feito a oferta parecia sentir o mesmo.

    - Compreendo, claro. Porém, a oferta será disponível por alguns dias, então se você mudar de opinião, me avise, está bem?

    - Com certeza.

    Da olhada da sua mãe, Axella entendeu que não haveria nenhuma mudança de opinião.

    - Deverias aceitar, Sabina – sugeriu Cassia. – Seria uma oportunidade de estender o seu negócio. As clientes da capital certamente pagariam muito melhor do que as que vivem aqui. Poderíamos cuidar da alfaiataria e as suas clientes certamente entenderiam uma ausência de algumas semanas. Afinal de contas, jamais teve umas férias. Não desde que conheço você, pelo menos.

    Sabina riu, mas era uma risada nervosa.

    - Estou contenta com as minhas clientes nesta cidade.

    Monica entrelaçou o braço com aquele da filha e a tirou gentilmente para a porta.

    - Deveríamos voltar à padaria. Os clientes vão começar a juntar-se e não sei se o rapaz que contratamos para nos ajudar possa se virar por conta própria. Nos vemos na casa esta noite.

    Oprédio onde Gaius Quinctilius trabalhava como Almirante de Portus Avorum era o lugar onde tudo o que tinha que ver com a vida marítima da cidade era resolvido – roubos que aconteciam no porto, pagamento dos impostos dos comerciantes que traziam mercadoria no porto, relatos sobre a presença dos piratas nas proximidades ou sobre os seus ataques nas rotas comerciais.

    Maximinus bateu à porta diante de si e esperou a permissão de entrar.

    Do lado de dentro, Gaius estava sentado, franzindo o rosto para os papeis que tinha nas mãos. Começou a falar logo depois que Maximinus entrou no quarto.

    - Dos comerciantes mais têm relatado ataques dos piratas. Um deles perdeu um terceiro da mercadoria nas mãos deles. Um dos navios pertencendo ao segundo comerciante foi afundado e este não pode recuperar nenhum membro da tripulação.

    Tais notícias sombrias estavam nublando cada uma das suas manhãs desde algumas semanas. Era verão, a estação mais auspiciosa para os ataques dos piratas. Era durante este tempo que a maioria dos navios navegavam ao longo das rotas comerciais conhecidas, este era o tempo pelos piratas roubar tudo o que podiam para poder sobreviver ao próximo inverno, quando o comercia iria desacelerar.

    - Compreendo.

    - Além disso, os ataques são relatados mais perto da orla cada vez. Sabes o que isso significa.

    Maximinus assentiu. Só três semanas antes, Portus Ares tinha sido atacado. A cidade era localizada não muito longe de Portus Avorum.

    - Estamos nos preparando para um ataque.

    Gaius colocou os papéis na mesa e fixou Maximinus com seus olhos pretos duros. Os olhos de um homem que tinha passado décadas no mar e tinha visto talvez mais do quanto tivesse querido. Maximinus não sabia a idade exata de Gaius, mas não podia ser demasiado velho – seu filho, Faustus, era só dois anos maior do que Maximinus. Nenhum cabelo branco tinha aparecido ainda nos cabelos pretos do almirante.

    - Você foi um bom soldado e é um bom capitão, Maximinus. Eu jamais teria oferecido a você a posição de capitão na frota do rei a você se não tivesse tido certeza das suas qualidades. Mas deve estar consciente de algo. Os inimigos que estamos enfrentando agora não podem ser comparados a aqueles que temos enfrentado antes. Das descrições que temos recebido, estamos falando de Calogerus.

    Um tremor passou pela coluna de Maximinus. Calogerus era uma lenda – uma lenda temida. Ninguém de aqueles que se cruzavam com ele escapavam sem alguma perda. Poucos conseguiam enfrentá-lo pessoalmente e viver para contá-lo.

    - Desça e encontre meu filho. Preparem a tripulação e verifiquem que tudo esteja bem. Me esperem antes de zarpar.

    - Como ordene.

    Maximinus não conseguia se livrar da inquietude que o tinha agarrado e odiava isso – sentia que estava destruindo a base da confiança que tinha construído em anos de trabalho e treinamento. Se Gaius ia zarpar com eles para patrulhar a orla, então o inimigo que estavam esperando era verdadeiramente pavoroso e bastante forte para que Gaius considerasse que não se virariam por conta própria.

    Encontrou o Faustus diante da porta principal. Os cabelos pretos, mais longos do que aqueles do seu pai, caiam sobre as suas orelhas e atrás da sua cabeça. Tinha feições refinadas, herdadas da sua mãe, que ainda não tinham sido endurecidas pela profissão que tinha escolhido. Seus olhos pretos, indubitavelmente do seu pai, revelavam inteligência e humor, e a sua experiência no mar ainda não tinha marcado seu olhar.

    Eram jovens e cheios de esperança, e pensar em quão vulneráveis isso os fazia diante de um homem como Calogerus horrorizava Maximinus.

    - Onde você estava? O seu pai não conseguia te achar.

    - Estava verificando o navio como o bom segundo que sou.

    Maximinus riu, constrangido. Embora fosse dois anos menor do que o Faustus, tinha sido promovido à posição de capitão antes que ele. E embora Faustus não tivesse jamais mostrado algum ressentimento, Maximinus ainda sentia embaraço e remorso cada vez que tinha que dar ordenes ao seu amigo.

    - Gaius me diz de esperá-lo. Vai zarpar conosco hoje.

    Maximinus sentiu alívio vendo o pânico que brilhou nos olhos de Faustus antes que o consiga esconder sob um olhar alegre.

    - Finalmente percebeu quão irresponsáveis somos de verdade?

    - Aparentemente, não estamos bastante preparados para afugentar Calogerus.

    Faustus exibiu um aspeto ofendido enquanto iriam para o porto.

    Os navios ocupavam tudo o espaço, quase todas pertencendo aos comerciantes locais.

    A costa ocidental de Agradalis, Litus Minor, era o lugar onde o comércio com o resto do continente ocorria.

    Litus Aeneus, a Costa de Bronze, onde Portus Avorum era localizado, servia para o comércio externo.

    Raramente acontecia que um comerciante de Bazanthos chegasse a Portus Avorum. A maioria deles preferia Segestra, o reino no sul de Iungetellus que tinha conseguido estabelecer mais ligações comerciais com o leste do que todos os outros reinos juntos, como destino.

    Na maior parte do tempo, a mercadoria de Bazanthos chegava a Agradalis diretamente só se os comerciantes locais se aventuravam no outro continente e de volta.

    Tinham quase chegado ao navio que Maximinus comandava quando uma voz familiar os fez se virar.

    Blasius, o filho do governador de Portus Avorum, estava se dirigindo em direção a eles. O vento soprava os seus cabelos para frente e par trás, mas ele não parecia aflito.

    - Não creem que seja um pouco tarde para estar ainda na terra? Meu pai está me fazendo trabalhar faz duas horas.

    - Por que te permitiu nos honrar com a sua presença durante o horário de trabalho?

    - Para lhes dar estes. – Blasius tirou dois pergaminhos do bolso interior do seu colete e os deu a Maximinus e Faustus.

    Maximinus abriu o pergaminho e leu o conteúdo rapidamente.

    - O seu pai está organizando uma festa de aniversário para você de novo?

    Blasius virou os olhos.

    - A ocasião perfeita para juntar uma grande quantidade de pessoas com o único propósito de se vangloriar da prole perfeita que concebeu há vinte anos.

    Faustus desviou os olhos do pergaminho para olhar para o Blasius.

    - Se se trata de comida, bebidas e dança, conte comigo. Mas previno você, é possível que não seja impressionado demais com a fanfarronice do seu pai. Afinal de contas, conheço sua prole de verdade.

    Maximinus deu um grande sorriso.

    - Não poderia perder uma tal coisa.

    - Negócio fechado. Podem trazer quem quiserem com vocês.

    Era uma das poucas ocasiões quando o seu sorriso lhe chegava aos olhos verdes. Era um sorriso aliviado.

    - Tenho que ir. Voltar às minhas responsabilidades honoráveis.

    - Esta cidade não funcionaria tão bem sem os seus esforços! – gritou Faustus atrás de Blasius, atraindo algumas olhadas das pessoas próximas.

    Blasius balançou a cabeça, mas não olhou para trás.

    Capítulo 2

    Eram as oito da noite quando a última cliente saiu da alfaiataria.

    Como em qualquer ano, desde o começo de junho, as senhoras de Portus Avorum se acumulavam na alfaiataria para revigorar as suas guarda-roupas.

    Já que julho estava acabando, a onda de clientes iria diminuir, oferecendo-lhes um período mais relaxado até o final de setembro, quando o tempo iria mudar de novo.

    Para a Monica, todos os três meses de verão eram igualmente difíceis, uma vez que a gente aproveitava dos poentes atrasados para passear pela cidade no fim do dia, o que significava que a padaria tinha clientes até tarde todos os dias.

    Aquela noite, porém, a padaria iria fechar cedo.

    - Sigamos o caminho que passa pelo porto – sugeriu Cassia uma vez que as luzes tinham sido apagadas e as portas trancadas. – Se os navios do meu pai já chegaram, poderíamos vê-los.

    - Está bem, então – sorriu Monica.

    O aviso do Maximinus daquela manhã passou pela mente de Axella, mas ela não ousou falar disso. Não tinha visto a Cassia tão feliz fazia meses.

    - Com os tecidos de Eratrix, poderemos honrar todos os pedidos até o final do outono.

    A voz de Sabina ressoou surpreendentemente clara no espaço entre os prédios do centro da cidade. Axella precisou de alguns momentos para perceber o porquê: elas eram as únicas pessoas nesse lugar, enquanto durante outras noites, o espaço estaria cheio dos residentes da cidade, prontos para regozijar-se do agradável ar da noite.

    - Mal posso esperar para ver as texturas e cores que trará desta vez – adicionou Monica.

    Sabina tinha se mudado para Portus Avorum meses antes de dar à luz aos seus filhos. Tinha alugado uma casa na cidade, onde tinha também efetuado sua atividade com costureira. Três anos mais tarde, quando o seu negócio tinha começado a fazer sucesso, Sabina tinha comprado a casa onde viviam agora, mantendo a casa alugada exclusivamente como alfaiataria. Vivendo no outro lado da rua de Monica e Silvanus, tinha descoberto que o último fazia negócios com os famosos tecidos produzidos em Eratrix.

    Logo após ter começado a fazer negócios com ele, Sabina tinha conhecido a mulher de Silvanus, Monica. As suas famílias tinham sido inseparáveis desde então.

    - Quanto tempo o seu pai vai ficar na cidade desta vez? – Axella perguntou a Cassia.

    As suas mães estavam caminhando alguns passos diante delas, imersas numa conversação que não chegava aos ouvidos de Axella. O seu coração se esquentou quando viu Sabina sorrir. Junia caminhava ao lado das duas garotas em silêncio. A bisavó de Axella tinha uma admiração especial para o pôr do sol e saboreava completamente o caminho de volta para casa na noite.

    - Até setembro, quando fará uma corta viagem para o leste de Segestra. Estava esperando poder convencê-lo me levar junto, mais com os ataques que têm sucedido lá recentemente, creio que tudo o que me resta fazer é arriscar a sorte o próximo ano.

    Maximinus devia estar ainda no porto, patrulhando a costa, e provavelmente não iria poder celebrar o retorno de Silvanus para casa junto com eles. Um rochedo de culpa e preocupação pesava no peito de Axella quando percebeu que eles iriam festejar enquanto o seu irmão poderia estar em perigo no mar aberto.

    Come se sentisse a inquietude de Axella, Junia entrelaçou o braço com o da sua bisneta. Axella apoiou a cabeça no ombro da sua bisavó e cerrou os olhos. Por um curto segundo, todas as preocupações do mundo desapareceram.

    Quando abriu os olhos, o inferno estava se soltando diante delas.

    A gente estava correndo para longe do porto, como também para o fim da rua. Todos berravam.

    Axella precisou de algum tempo para assimilar o caos que se desenrolava diante dos seus olhos, para entender a sua causa. Os piratas tinham atacado. Claro, o Maximinus as tinha advertido essa mesma manhã. E ela o tinha deixado ir embora, ir para o porto e enfrentar os piratas como se não estivesse em perigo.

    - Deus. – Junia cobriu a boca com a mão.

    Portus Avorum tinha sido atacado pelos piratas antes, mas Axella jamais tinha assistido tão de perto a um assalto em desenvolvimento, principalmente porque a gente do governador tinha limitado o acesso na área cada vez.

    Parecia que desta vez, tinham sido sobrecarregados.

    - Pai! Meu pai está ali!

    O grito da Cassia era tão estridente e repentino que sacudiu Axella do entorpecimento causado pelo horror.

    A sua amiga estava tremendo de corpo inteiro, a sua mão indicando o porto.

    - Filha.

    Monica tentou agarrar o seu braço, mais Cassia se afastou.

    Segundos mais tarde, estava correndo para o porto, Axella atrás dela.

    - Axella!

    O grito de Sabina se perdeu rapidamente no alvoroço causado pela multidão. A gente gritava de terror, tentando se afastar do porto o mais rápido que podiam, comerciantes tentavam se aproximar aos navios estacionados no porto, a gente do governador tentando manter todos eles sob controle.

    Cassia estava cruzando a rua quando quase se chocou com uma carroça imensa puxada por dois soldados. Axella gritou de terror quando a Cassia caiu na terra, os olhos arregalados de medo. Momentos mais tarde, estava novamente de pé, abrindo-se espaço.

    Um soldado a parou, agarrando-a firme enquanto Cassia se esforçava como se fosse louca para poder avançar. Axella se lançou na sua direção quando um braço a circulou desde atrás. Dominada pelo medo, começou a se esforçar também.

    - Se calme! Se calmem, as duas! – A voz forte, familiar que ressoou atrás dela parou Axella. A pegada que a agarrava desapareceu instantaneamente.

    - Blasius.

    Cassia falou o nome do amigo de Maximinus como se fosse sinónimo de salvação.

    Axella se virou. Com a roupa em desordem e os cabelos desordenados, Blasius parecia ter emergido da batalha contra os piratas. Porém, Axella encontrou uma calmaria cortante no seu rosto. Tinha feito isso antes, esse inferno não lhe era estranho. De que outra forma poderia se conter?

    - Pega os soldados disponíveis que possa encontrar e bloqueiem todos os pontos de acesso a esta rua. Mantenham as pessoas longe para que possamos mover os feridos à residência do governador.

    Os feridos.

    O soldado que tinha segurado a Cassia inclinou a cabeça diante de Blasius e se afastou na multidão.

    Axella via a gente do governador mais claramente agora: estavam evacuando as pessoas que podiam caminhar, carregando os feridos em carroças, proibindo à multidão de chegar perto do porto.

    - Meu pai está ali, Blasius. – Da maneira na qual Cassia estava olhando-o, parecia que esperasse que ele fizesse desaparecer todas aquelas atrocidades e trazer a cidade ao estado anterior.

    Blasius a olhou no fundo dos olhos.

    - Eu sei. As vidas de muitas pessoas dependem do que está sucedendo agora mesmo. Podemos ficar aqui e falar disso ou vocês duas podem voltar a um lugar seguro. Em algum lugar onde não atrapalhem as pessoas que estão intentando ajudar.

    Cassia ergueu o queixo para olhá-lo no fundo dos olhos.

    - Devo ajudá-lo. Devo chegar ali. Diga a sua gente...

    Blasius lhe agarrou os ombros delicadamente, mas com firmeza, e inclinou a cabeça na sua direção.

    Não tinha chance de convencê-la de renunciar. Voltar para casa teria sido para a Cassia igual que jogar o seu pai nas mãos dos piratas. Jamais se perdoaria.

    Axella colocou uma mão no braço de Blasius.

    - Então permita-nos ficarmos aqui. Permita-nos fazermos alguma coisa para ajudar.

    Blasius se virou para ela.

    - Direi à minha gente de levar vocês a casa, onde estarão seguras.

    Cassia começou a balançar a cabeça com violência, mais o olhar de Blasius permaneceu inabalável.

    - Me escute. A minha gente tem sido nesta situação antes. Vocês não. Não são preparadas para enfrentar o que está sucedendo. É o dever da frota real proteger o seu pai, Cassia, não a sua. E já estão fazendo isso.

    Axella virou a cabeça na direção oposta, para o lugar onde a batalha estava se desenrolando. Não podia desviar os olhos do que estava acontecendo além do porto. Além dos navios estacionados estavam os navios de Silvanus, os navios da frota real de Portus Avorum e além destes, uma abundância de navios que Axella não tinha jamais visto antes.

    Navios piratas. Tantos, tantos navios piratas. Axella tentou em vão contá-los, uma vez que todas as forças implicadas estavam se mexendo rapidamente, mas no horror do momento, lhe pareceu que os piratas eram superiores em número. Os gritos duros da gente naqueles navios ressoavam o caminho todo para os seus ouvidos, sobre o tumulto que a rodeava.

    Deixou de contar, uma vez que a sua vista se nublava com lágrimas. Agarrou o braço de Blasius antes de cair de joelhos lentamente. A pavimentação era fria sob ela, mais não lhe importava.

    Tinha tomado conhecimento do horror dos ataques dos piratas, tinha ouvido sobre eles da boca do seu irmão. Tinha sentido medo cada vez que tinha sabido que Maximinus estava enfrentando-os. Porém, jamais um tal acontecimento tinha sido tão real, já que tinha ouvido falar deles somente em histórias.

    Até momentos antes, a batalha por Portus Avorum tinha parecido distante. Até esse instante.

    - O que foi? – Cassia estava ajoelhada ao seu lado um segundo mais tarde. As suas mãos estavam na cara de Axella, removendo as lágrimas.

    Em algum lugar atrás de si, Axella cria ter ouvido a voz da sua mãe, mais já nada existia de verdade, salvo o navio do seu irmão. O navio no qual Maximinus tinha trabalhado desde que tinha se inscrito na frota real, o navio cujo capitão era. O navio que agora estava rodeado de piratas.

    Tinham estado em situações piores.

    Maximinus continuava repetindo isso para si mesmo.

    Tinham estado em posições mais difíceis do que aquela na qual se encontravam agora, e tinham saído delas vitoriosos. A única diferença era que, dessa vez, os piratas eram numerosos. Muito mais numerosos.

    Calogerus era temido não só por causa da sua reputação e experiência. Tinha a tripulação e a frota de piratas maiores que Maximinus jamais tinha enfrentado.

    Tinham seguido Silvanus no momento quando se aproximava a Portus Avorum antes de atacá-lo. Maximinus não sabia se tivessem esperado rodeá-lo antes que chegasse ao porto e não tinham conseguido ou se tivessem tencionado roubar tanto o porto quanto o comerciante.

    Não que tinha muito tempo para pensar nisso.

    Silvanus tinha enviado um alarme no momento quando se aproximava ao porto e a frota real tinha tentado aplicar a estratégia utilizada em tais casos – se posicionar entre os navios do comerciante e os piratas, assim protegendo o porto também.

    Tinham conseguido parcialmente.

    Dois dos navios de Silvanus tinham sido roubados, mas a tripulação tinha escapado vivo e tinha conseguido se distanciar dos piratas e ancorar no porto. O terceiro, o mais distante do ponto de ataque dos piratas, tinha conseguido escapar intacto.

    Era o navio principal aquele ao qual Calogerus se estava apegando agora, aquela que tinha atacado pessoalmente desde o princípio. Com a ajuda de passarelas improvisadas, uma parte dos piratas tinha conseguido chegar a bordo do navio de Silvanus, onde agora estavam enfrentando soldados da frota real.

    Os navios da frota estavam posicionados em ambos os lados do navio de Calogerus, tentando determiná-lo a se retirar, mas não podiam causar muito dano, já que estavam sendo perturbados pelos outros navios piratas.

    No outro lado do navio de Silvanus, uma parte dos navios da frota de Portus Avorum, entre eles aquele que Maximinus comandava, impediam os piratas de flanquear o navio de Silvanus em ambos os lados, deixando uma passagem livre para uma possível retirada do comerciante.

    Depois de algumas horas, a batalha estava estagnando. Os navios da frota real não podiam se retirar, uma vez que isso teria significado abandonar Silvanus nas mãos dos piratas. Calogerus, do outro lado, não dava nenhum sinal de que fosse disposto a renunciar.

    - Quanto tempo mais pensa que possamos resistir? – perguntou Faustus. Com os cabelos molhados de suor, a camisa e as calças rasgadas e manchadas de sangue das feridas de espada, enquanto a mesma determinação exibida pelos piratas, combinada com só um pouco de preocupação, podia ser lida no seu rosto.

    Maximinus e Faustus tinham libertado um dos navios que tinham sido saqueados, enquanto Gaius tinha coordenado o posicionamento dos navios. No navio oposto a eles, o almirante estava dando ordenes à sua gente.

    - Eu não gosto disso – respondeu Maximinus. – Não está na natureza dos piratas sentar-se e esperar.

    - Com certeza não é essa a maneira na qual Calogerus ganhou a sua reputação – concordou Faustus.

    Um som retumbante ecoou no ar.

    - O que... – Faustus se inclinou para frente, as mãos agarrando a amurada.

    Uma série de ganchos imensos de ferro, pendurando em cordas grossas, tinham sido lançadas desde o navio de Calogerus no de Silvanus, onde mergulharam no convés. Ao mesmo tempo, os outros navios piratas abandonaram os seus postos, juntando-se ao seu capitão.

    - Vão puxar o navio atrás de si! – gritou Faustus.

    Se os piratas conseguiam separar os navios de Silvanus de aqueles da frota real e rodeá-los, a batalha era perdida.

    - O que foi que não entenderam? Temos que rodeá-los! Uma parte de vocês vai ficar atrás do navio de Silvanus, a outra parte deve avançar! – A voz de Maximinus ressoou em torno a si, e em volta a ele, sinais que anunciavam a mudança de formação foram lançados.

    Os outros navios piratas começaram a se mover ao mesmo tempo que o navio de Calogerus. A madeira do navio de Silvanus rangeu agonizantemente no momento em qual o navio foi obrigado a se mover.

    Maximinus sabia que, logo após que o outro lado do navio de Silvanus seria exposto aos piratas, também seria enganchado e puxado atrás deles, junto com toda a gente a bordo. Incluindo o pai de Cassia.

    A frota real estava se movendo também, tentando rodear os navios piratas. A Maximinus parecia que tudo estava acontecendo devagar demais.

    A gente de Silvanus tentava cortar as cordas, mas isso levava demasiado tempo.

    E logo, um pirata mais gigantesco do que todos aqueles que Maximinus jamais tinha enfrentado saltou no navio de Silvanus. Maximinus sabia quem era sem que ninguém lhe dissesse. O próprio Calogerus, seguido pela sua gente, estava atacando a gente a bordo para não permitir que libertassem o navio.

    - Isto não vai funcionar. Agora não – murmurou Faustus.

    Maximinus olhou horrorizado enquanto Gaius, tirando vantagem de quão próximo o navio almirante estava do navio de Silvanus, saltou a borde de este.

    Segundos mais tarde, Faustus fez o mesmo salto que o seu pai, seguido de perto por Maximinus.

    - Este jogo acaba agora – rosnou Gaius, tirando a espada à medida que se aproximava a Calogerus.

    O último riu, uma risada que ressoou sobre os ruídos da batalha. Uma risada que fez Maximinus tremer.

    - Agora sei aonde vir para bom divertimento.

    Calogerus tirou a própria espada. Os dois trocaram alguns golpes. Um dos golpes de Calogerus passou justo ao lado do pescoço de Gaius, parando no seu ombro. Sangue borrifou no ar, manchando a roupa de ambos os oponentes e o convés sob os seus pés. O fôlego de Maximinus lhe parou no peito.

    Gaius não cedeu, continuando a atacar até que Calogerus lhe golpeou a ferida do ombro com o cotovelo, fazendo-o cair.

    Atrás de Maximinus, Faustus tirou a espada. Maximinus já estava agarrando a sua.

    - Calogerus!

    Os dois homens mais idosos se viraram para eles. Calogerus tinha um interesse divertido nos olhos, enquanto os de Gaius brilhavam com medo misturado com raiva. O seu olhar lhes gritava de correr atrás.

    Maximinus nem pensava em algo assim. A sangue estava fervendo nas suas veias, ressoando nos seus ouvidos.

    Ofereceu a Calogerus só a chance de erguer a sua espada antes de se lançar num ataque furioso. O corpo de Calogerus era consideravelmente maior do que o seu, e o seu braço golpeava muito mais pesadamente, mais Maximinus recusava de ceder, apesar do suor que lhe cobria o rosto e da respiração pesada.

    Era uma confrontação que parecia não ter fim, mais para Maximinus era como se, se mantivesse Calogerus ocupado, isso lhes daria o tempo necessário para ganhar. Não se tinha dado conta de que estava cedendo terreno até que as suas costas tocaram a amurada.

    - Está morrendo! Ajuda!

    O grito do Faustus tirou Maximinus fora do ardor da batalha. Virando a cabeça, viu o Faustus sentado no convés, ao lado do corpo de Gaius. Ninguém ao redor deles parecia perceber, todos absortos nas próprias batalhas.

    Maximinus conseguiu ver Silvanus correr em direção a Faustus da direção oposta antes que Calogerus lhe batesse com força o pulso com o cabo da espada. A espada de Maximinus voou através do convés, perto do corpo de Gaius. A coisa mais terrível era que ele nem sequer percebeu o som, permanecendo inerte no chão.

    Estava morto?

    O toque frio de metal no seu pescoço fez Maximinus virar os olhos de volta a Calogerus. Uma onda de calor o fez olhar para abaixo, onde, sobre as suas costelas, uma mancha de sangue deixava a sua camisa vermelha brilhante.

    - Você tem mais coragem do que muitos veteranos com os quais eu lidei, garoto – observou Calogerus.

    Havia um tipo de admiração na sua voz?

    - Por isso, eu não vou fazer você o meu prisioneiro. Eu vou dar a você algo muito mais dignificante. Uma morte rápida. O que é que você acha?

    Calogerus estava tão perto que parecia ainda mais alto do que antes. Olhando-o no fundo dos olhos, Maximinus se deu conta de que devia temer esse homem. Talvez na verdade tinha medo dele, mas aquele medo era sufocado pelo que aconteceria com a sua mãe, bisavó e irmã se ele perecesse agora, pelo que aconteceria com Cassia e Monica se Silvanus fosse sequestrado ou morresse também, pela possibilidade de que Gaius já fosse morto.

    - Acho – respondeu Maximinus – que você é uma lenda viva. Mais também acho que é bom eu não ter esquecido que você é um homem, afinal de contas.

    Dizendo isso, Maximinus agarrou a adaga que mantinha no cinto e a cravou no tronco de Calogerus, sob as suas costelas, até o cabo.

    Com um rugido, Calogerus deixou cair a espada e colocou a mão onde a adaga estava cravada, logo deu uns passos atrás. Os seus olhos moveram de Maximinus à mancha crescente na sua camisa.

    Chocado, Maximinus se retirou, olhando ao redor. Soldados e piratas igualmente estavam observando a cena paralisados, tão espantados como ele.

    Perto, uma mulher gritou agudamente enquanto corria em direção a eles. Os piratas no navio se reagruparam em torno a ela enquanto os soldados que tinham estado enfrentando se juntavam ao redor de Maximinus.

    Embora tivesse presumido que seria esquartejado, nenhum dos piratas lhe prestou atenção, todos demasiado preocupados com o seu capitão.

    Prenderam Calogerus e o transportaram de volta ao seu navio através da mesma passarela provisória na qual tinham chegado no navio de Silvanus. Os ganchos foram retirados imediatamente depois. O navio de Silvanus parou o avance e, ao mesmo tempo, os navios da frota real que o tinham rodeado parcialmente fizeram o mesmo.

    Maximinus olhou com espanto como o navio pirata se retirava apressadamente.

    Uma onda de alívio o banhou da cabeça aos pés. Portus Avorum estava salvo.

    Mas mais forte do que o que ele fez, mais forte do que saber que a batalha tinha acabado a favor deles, era o choque causado pelo que seguiu. Os soldados e a tripulação do navio de Silvanus começaram a gritar o seu nome em uníssono.

    O seu nome. Estavam entoando o seu nome, em uma onda de vozes que logo chegaram a todos os navios.

    Olhando em volta, Maximinus foi agradecido por ser demasiado cansado para parar o surto de emoção que o atravessou. Jamais tinha sentido algo assim e sabia que jamais iria senti-lo de novo.

    Gaius estava vivo.

    A ferida era grave e a recuperação iria levar tempo, mas estava vivo. Maximinus não tinha conseguido vê-lo, já que o doutor tinha passado horas no quarto do almirante, mas tinha se prometido que iria fazê-lo no dia seguinte. Tinha que se livrar da imagem de Gaius deitado no convés, com Faustus desesperando ao seu lado, o mais rápido possível.

    O último tinha ficado no quarto do pai para vigiá-lo, e Maximinus não tinha ousado perturbar a paz que tanto necessitavam.

    Os feridos tinham sido hospedados na casa de Gaius, como também na residência do governador. Maximinus tinha voltado à casa por conta própria. O doutor que o tinha visto tinha declarado que a sua ferida não era grave e que seria capaz de retornar no navio no dia seguinte, sempre que não se envolvesse em nenhuma batalha por uma semana. Tinha recomendado, todavia, que Maximinus ficasse na cama essa noite, o que ele tinha sido feliz de fazer – a exaustão se manifestava na forma de uma dor muscular que tinha tomado posse de todo o seu corpo.

    Embora estivesse na cama fazia algumas horas, não conseguia dormir. A adrenalina de durante a batalha ainda lhe pulsava nas veias e algumas horas mais tinham que passar antes que desaparecesse.

    Cada vez que fechava os olhos, a sua mente se enchia de imagens de Faustus tentando ajudar o seu pai, Calogerus colocando a espada contra o seu pescoço, as expressões da sua mãe e bisavó quando tinham se reunido, o pânico que tinha sentido quando não tinha encontrado Axella junto com elas. Se mantinha os olhos fechados demais, a sua memória o afligia até que a sua cabeça começava a doer.

    A porta se abriu devagar e Cassia apareceu no batente. Maximinus podia dar-se conta do olhar nos seus olhos que não esperava encontrá-lo desperto. Passou rapidamente os olhos através do corpo dela para se assegurar de que não fosse machucada.

    De repente, Maximinus se lembrou que tinha sido convidado ao jantar que Cassia e a sua mãe iam organizar para festejar o retorno de Silvanus à casa. Era difícil crer que tivesse tido tales planes só horas antes.

    - Olá – disse ele, percebendo que a sua voz estava rouca.

    - Olá.

    Cassia entrou no quarto, fechando a porta atrás de si, mas não deu nenhum passo em frente.

    - O doutor nos disse para nos assegurarmos de que não tivesses febre durante a noite. Convenci a Junia a me deixar cuidar disso para que ela possa descansar.

    - Obrigado. Como estão?

    Depois de ter-se assegurado de que Maximinus estava bem, Sabina tinha voltado ao lado da Axella, quem estava descansando num dos quartos vizinhos. Do que lhe disseram, a sua irmã tinha desmaiado durante o ataque e tinham lhe administrado um sedativo leve para ajudá-la a passar a noite. Maximinus a tinha visitado antes de ser ele mesmo visitado pelo doutor.

    - Cansadas, mas bem, acho. Sabina ficou com a Axella para vigiá-la. Estará bem, assim que despertar e saber que tudo passou.

    Com passos indecisos, mais um queixo alto e um olhar determinado, Cassia se aproximou à cama e colocou a palma na fronte de Maximinus. A sua atitude teria divertido Maximinus, mas no momento quando a pele dele tocou a sua, o tempo pareceu parar.

    - Não tem febre – disse ela, embora retirasse a mão como se ele a tivesse queimado.

    - Gostaria de um copo de água, por favor – pediu ele, mais para acabar com esse momento incómodo que por causa da sede.

    - Com certeza.

    Cassia se voltou rapidamente e se dirigiu para a pequena mesa na qual sentavam um jarro de água e um copo.

    - Mas não pense que não sei que veio aqui por conta própria.

    Maximinus riu. Cassia demorava em encher o copo.

    - Não te vejo desde que retornei na terra.

    Gaius tinha sido transportado em um dos navios da frota para chegar à orla mais rápido, enquanto Maximinus tinha ficado atrás para coordenar a retirada.

    Um suor frio lhe apareceu na pele enquanto se lembrava do momento quando não tinha visto ninguém da família de Silvanus no porto ou na casa de Gaius. Muitas coisas podiam acontecer durante um tal momento, quando o medo fazia que a gente perdesse a cabeça.

    - Depois de trazer a Axella aqui, meu pai chegou com a gente que transportava Gaius. Logo foi ajudar com os outros feridos, enquanto eu e minha mãe ficamos com o Faustus e a sua mãe enquanto o seu pai era examinado pelos doutores. Só depois nos reunimos com Junia e Sabina.

    Cassia voltou ao lado da cama e lhe deu o copo. Enquanto Maximinus bebia, dando-se conta de que tinha sede de verdade, Cassia se sentou na cama.

    - Meu comportamento não foi nada adequado para a situação. O medo me fez enlouquecer. Só quando a Axella desmaiou consegui me controlar. – Virou as palmas para cima e fixou os olhos nelas. – Estou muito envergonhada.

    Maximinus colocou o copo na mesa de cabeceira ao lado da cama e pegou as mãos dela nas suas. Estavam cálidas, um calor diferente da quentura feroz da batalha. Um calor que o fez pensar em um lar. Um calor que se estendeu através de todo o seu corpo, afugentando o frio da morte que tinha lhe respirado na cara.

    - Vou te dizer um secreto, Cassia. Eu também tive medo.

    Ela levantou os olhos abruptamente.

    - Mas você venceu Calogerus hoje!

    Maximinus suspirou, apoiando a cabeça de novo no travesseiro.

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