Programas de Integridade e Combate à Corrupção: Aspectos teóricos e empíricos da multiplicação do compliance anticorrupção no Brasil
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Programas de Integridade e Combate à Corrupção - Dalila Martins Viol
Programas de Integridade
e Combate à Corrupção
ASPECTOS TEÓRICOS E EMPÍRICOS DA MULTIPLICAÇÃO DO COMPLIANCE ANTICORRUPÇÃO NO BRASIL
2021
Dalila Martins Viol
PROGRAMAS DE INTEGRIDADE E COMBATE À CORRUPÇÃO
ASPECTOS TEÓRICOS E EMPÍRICOS DA MULTIPLICAÇÃO DO COMPLIANCE ANTICORRUPÇÃO NO BRASIL
© Almedina, 2021
AUTOR: Dalila Martins Viol
DIRETOR ALMEDINA BRASIL: Rodrigo Mentz
EDITORA JURÍDICA: Manuella Santos de Castro
EDITOR DE DESENVOLVIMENTO: Aurélio Cesar Nogueira
ASSISTENTES EDITORIAIS: Isabela Leite e Larissa Nogueira
PREPARAÇÃO E REVISÃO: Lyvia Felix e Denise Dognini
DIAGRAMAÇÃO: Almedina
DESIGN DE CAPA: Roberta Bassanetto
ISBN: 9786556273440
Novembro, 2021
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Viol, Dalila Martins
Programas de integridade e combate à corrupção : aspectos teóricos
e empíricos da multiplicação do compliance anticorrupção no Brasil / Dalila Martins Viol.
-- São Paulo : Almedina, 2021.
Bibliografia.
ISBN 978-65-5627-344-0
1. Anticorrupção - Leis e legislação 2. Compliance
3. Corrupção - Combate 4. Direito administrativo 5. Integridade I. Título.
21-75974 CDU-35(81)(094)
Índices para catálogo sistemático:
1 Brasil : Leis : Anticorrupção : Direito administrativo 35(81)(094)
Cibele Maria Dias - Bibliotecária - CRB-8/94274
Este livro segue as regras do novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990).
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro, protegido por copyright, pode ser reproduzida, armazenada ou transmitida de alguma forma ou por algum meio, seja eletrônico ou mecânico, inclusive fotocópia, gravação ou qualquer sistema de armazenagem de informações, sem a permissão expressa e por escrito da editora.
EDITORA: Almedina Brasil
Rua José Maria Lisboa, 860, Conj.131 e 132, Jardim Paulista | 01423-001 São Paulo | Brasil
editora@almedina.com.br
www.almedina.com.br
imagem_pag5(CURY, 2019)
NOTAS DA AUTORA
No Brasil, contemporaneamente, os programas de integridade se multiplicaram tanto nas organizações privadas como nas públicas. O meu objetivo nesta obra é analisar esse fenômeno. Para tanto, após a introdução, no segundo capítulo do livro, registro um panorama da legislação brasileira, visito perspectivas teóricas sobre corrupção e reflito sobre a relação entre os enquadramentos dados à corrupção e a legislação estruturante da política pública nacional anticorrupção. Tal seção visa localizar os programas de integridade no ordenamento jurídico brasileiro. Na sequência, exponho aspectos teóricos dessa estratégia anticorrupção, descrevendo a legislação específica e os parâmetros que moldam seu conceito, suas características e sua função. Tais capítulos traduzem o amadurecimento de trabalhos outrora publicados, ampliados e atualizados especialmente para este livro.
No quarto capítulo, analiso a implementação dos programas de integridade por meio dos estudos de casos de seis organizações de relevância nacional, integrantes da esfera privada e da Administração Pública direta e indireta, a partir do referencial teórico do novo institucionalismo. Esse levantamento, realizado no bojo da minha pesquisa de mestrado em Administração Pública, empreendida entre os anos de 2018 e 2019, revela aspectos importantes sobre como organizações brasileiras interpretaram e executaram os programas de integridade. O capítulo é uma fotografia da multiplicação dos programas de integridade do Brasil à época que considero o auge do debate público sobre o tema. Destaco que o percurso metodológico (inclusive os documentos pertinentes às entrevistas: convite, termo de consentimento livre e esclarecido e o roteiro semiestruturado) consta deste livro, não somente para que a pesquisa possa ser verificada e replicada, mas também para que possa ser consultado por outras (os) estudantes de pós-graduação na construção de seus trabalhos.
Por fim, com base nos dados teóricos e empíricos expostos e discutidos nos capítulos anteriores, busco delinear o histórico da multiplicação dos programas de integridade no Brasil e ponderar sobre os avanços e desafios da adoção dessa estratégia de combate à corrupção na atualidade e, na sequência, teço minhas considerações finais. Com isso, tenho como objetivo colaborar com a literatura brasileira sobre estratégias anticorrupção e, principalmente, instigar novas pesquisas e debates consistentes sobre o tema.
Este livro, fruto de três desafiantes anos de pesquisa sobre programas de integridade, foi construído com inúmeros apoios. Por ora, registro meu agradecimento às agências financiadoras, Capes e Fapemig, pelo auxílio no desenvolvimento da pesquisa. Ao meu orientador de mestrado, decisivo em várias encruzilhadas com que me deparei ao longo do trabalho e que gentilmente escreveu o prefácio deste livro, Marcus Vinicius Gonçalves da Cruz. Aos membros da banca de qualificação da minha dissertação de mestrado, Cristina Fortini, Anthero Meirelles e Roberto Pôrto, cujas críticas construtivas foram essenciais para este livro, assim como a disponibilidade constante para discussão. À professora Cristiana, carinhosamente agradeço a generosa apresentação deste livro.
Sou grata à Fundação João Pinheiro pelo ambiente acadêmico acolhedor e multidisciplinar onde aprendi muito. Um agradecimento especial à professora Letícia Coutinho, cujos ensinamentos inspiraram o Capítulo 2 deste livro. Ademais, registro minha gratidão às diversas pessoas que colaboraram com este trabalho. À Andréa Ferreira, pelo auxílio na elaboração das figuras utilizadas em meus trabalhos. Ao Caetano Cury, por sua arte e por autorizar o uso de sua tirinha, tanto em trabalhos anteriores como neste livro. Apesar de datada de 2019, a epígrafe desta obra não poderia estar mais atual em razão do massacrante contexto da pandemia. À Bárbara, pela revisão da versão preliminar da dissertação. Ao Marco Pujatti e ao Márcio Almeida, pelo o auxílio na pesquisa. Aos entrevistados e aos informantes qualificados, meu muito obrigada pelo tempo disponibilizado e imprescindível colaboração – só não os cito nominalmente em razão do sigilo da pesquisa, mas sintam-se pessoalmente agradecidos. A(os) diversas(os) avaliadoras(es) dos vários eventos e periódicos para os quais submeti trabalhos sobre esse tema e a todas(os) aquelas(es) que os leram e fizeram sugestões, colaborando com o resultado aqui apresentado.
A publicação deste livro foi viabilizada pelo apoio da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV Direito SP), a quem agradeço enormemente na pessoa da coordenadora do programa de Mestrado e Doutorado acadêmicos Marta Machado. Agradeço também à professora Mariana Pargendler por incentivar esta publicação e pela orientação no meu doutoramento (2020-2024). Agradeço à Lyvia Silva e à Clarissa Gross, por intermediarem o processo de publicação, e à editora Almedina, por ter abraçado a publicação.
Por fim, agradeço com carinho àqueles que me apoiam incondicionalmente. Aos meus pais, Norma e Paulinho, por terem me ensinado que o conhecimento é o melhor presente que eu posso dar a mim mesma. Ao Bruno, pelo amor e reconhecimento diários que me estimularam a seguir em frente, apesar de todas as dificuldades. A Deus, pela oportunidade, pela força e pela proteção.
APRESENTAÇÃO
O que é a corrupção? Quais suas causas e como enfrentá-la?
A despeito de não existir uma definição universal para corrupção, porque cada país decidirá quais condutas devem merecer o rótulo, a ideia de desvio comportamental em desprestígio do interesse social está na raiz do conceito.
Os males a ela atribuídos perpassam o desincentivo tecnológico, a ruptura democrática com a perenização de grupos no poder e o agravamento da desigualdade social. Essas são algumas das razões que justificam a preocupação de organismos internacionais como a Transparência Internacional e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Enfrentar a corrupção exige ataque com múltiplas frentes. Se punir é relevante, envidar esforços com o propósito de evitar sua ocorrência assume maior realce.
Esta obra, escrita por Dalila Martins Viol, aborda tema de indiscutível importância, pois é preciso que as instituições pública e privada se dediquem a rever suas práticas, identificar os riscos a que estão sujeitas e endereçá-los por meio de um conjunto de ferramentas alinhadas a afirmar a probidade.
A autora traz o tema integridade em sua perspectiva teórica e normativa, e as demandas decorrentes desse novo olhar sobre o comportamento e a cultura organizacional.
A partir desse ponto, com o leitor já imerso no texto, a obra nos brinda com o contexto, abordando a inserção dos programas de integridade por meio de estudos de casos em diversos tipos de organizações.
As análises resultantes do confronto entre texto e contexto, teoria e prática, propiciam uma perspectiva diferenciada sobre o tema.
Fica aqui o convite para uma leitura envolvente, construtiva e inteligente, consoante ao desejo de construirmos uma sociedade mais ética e verdadeira, em respeito às instituições e ao nosso Brasil.
Cristiana Fortini
Professora da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde fez graduação e doutorado em Direito. Professora da Faculdade Milton Campos. Visiting Scholar na George Washington University. Professora Visitante na Universidade de Pisa. Vice-Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo (IBDA). Foi Procuradora-Geral Adjunta de Belo Horizonte. Foi Controladora-Geral de Belo Horizonte.
PREFÁCIO
O que procuras?
Obviedades? Não nesta obra.
Manual de procedimentos? Livro errado.
Compilação de normas jurídicas? Busca outra fonte.
Em um contexto de inquietação no escrutínio da corrupção, fenômeno de matiz multifacetada, cuja incidência mundial está embebida nas distintas sociedades e provoca efeitos que requerem estratégias para seu controle e prevenção, nasce o livro Programas de Integridade e Combate à Corrupção, de autoria de Dalila Martins Viol.
Tal livro é singular por mobilizar, de maneira virtuosa, rol de argumentos teóricos e empíricos multidisciplinares, os quais vão além da seara do Direito, cara à formação da autora, que se desafiou ao enveredar pelo campo da Administração e muito bem aqui o incorporou. Nesta obra, há valioso diálogo entre diversas áreas do conhecimento, sustentado por metodologia acurada e conduzida com rigor. Ao estudar uma temática tão recente, de forma pouco usual em trabalhos do gênero, a autora consegue integrar conceitos complexos a partir de uma leitura própria, ancorada em estudos seminais. Dessa forma, o livro elucida questionamentos e revela insights, os quais permeiam todo o texto que se destaca pela construção instigante.
Esta obra é consequência da pesquisa realizada no bojo do mestrado acadêmico da autora, ocorrido entre 2018 e 2019, o qual exigiu a busca persistente de fontes pela raridade da literatura sobre temática naquela altura, em que pese a crescente discussão sobre o tema. As reflexões foram maturadas e deram origem a este valioso livro.
O desenvolvimento da pesquisa foi certificado em termos de reconhecimento à autora ao longo desse período com a outorga do Prêmio de 3º lugar no Concurso de Artigos Jurídicos do XI Congresso Mineiro de Direito Administrativo (2019), seleção em edital público como pesquisadora do Programa de Pesquisa em Controle Governamental, Combate e Prevenção da Corrupção
de responsabilidade da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), Controladoria Regional da União no Estado de Minas Gerais (CGU/MG) e Advocacia Geral da União em Minas Gerais (AGU/MG) (2019/2020); Menção Honrosa por artigo no XXXIII Congresso Brasileiro de Direito Administrativo (2019); Premiação de Melhor Dissertação de 2019 do Programa de Mestrado em Administração Pública da Escola de Governo da Fundação João Pinheiro (FJP/ MG) e Prêmio Augusto Tavares pela melhor dissertação de Mestrado do Campo de Públicas concedido pela Associação Nacional de Ensino e Pesquisa do Campo de Públicas (ANEPCP) em 2021, da qual fui orientador; bem como os estudos de doutoramento em Direito e Desenvolvimento na Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas de São Paulo.
Ao tomar como foco uma temática pouco explorada cientificamente, os programas de integridade, a publicação colabora com a supressão de lacunas ainda existentes na literatura nacional quanto às estratégias anticorrupção. Ademais, a abordagem adotada, mesclando programas integridade públicos e privados, revela perspicácia e timing apropriado diante da complexa ambiência brasileira, marcada por escândalos de corrupção amplamente cobertos pela mídia, onde diversos problemas institucionais tendem a ser complexificar, sobretudo após a Operação Lava Jato.
Para além da necessidade de estudos dessa magnitude, o que torna mandatória a leitura cuidadosa desta obra, destaco o idealismo e a dedicação que são marcas da autora Dalila Martins Viol, os quais permeiam todas as suas ações. Este livro, contruído a partir da rica experiência pessoal, acadêmica e profissional da autora, é decorrência da merecida repercussão de sua pesquisa sobre programas de integridade, a qual ganhou amplitude maior do que ela mesma poderia imaginar no início de sua jornada acadêmica. Pela disposição e importância do tema, presume-se que esta obra seja mais uma conexão com promissores projetos futuros sobre a temática. E quem ganha com isso é o leitor e, por conseguinte, a sociedade brasileira.
Marcus Vinicius Gonçalves da Cruz
Pós-Doutor pelo Instituto de Sociologia da Universidade do Porto. Doutor em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com estágio doutoral na American University, Washington, D.C. Pesquisador e professor na Fundação João Pinheiro. Pesquisa complexidade das organizações e o institucionalismo.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade
BDMG – Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais
Capes – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CGU – Controladoria-Geral da União
CGE – Controladoria-Geral do Estado
COAF – Conselho de Controle de Atividade Financeira
CNSP – Conselho Nacional de Seguro Privados
CRFB/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
CVM – Comissão de Valores Imobiliários
DoJ – The United States Department of Justice
ENCLA – Estratégia Nacional de Combate à Lavagem de Dinheiro
ENCCLA – Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro
ESAF – Escola de Administração Fazendária
FCPA – Foreign Corrupt Practices Act
FJP – Fundação João Pinheiro
INTERLEGIS – Instituto Legislativo Brasileiro
ISO – International Organization for Standardization
LGPD – Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais
MPF – Ministério Público Federal
OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
OEA – Organização dos Estados Americanos
ONU – Organização das Nações Unidas
PL – Projeto de Lei
RCO – Revista de Contabilidade e Organizações
SEC – Securities and Exchange Commission
SUSEP – Superintendência de Seguros Privados
TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
TCU – Tribunal de Contas da União
TCE – Tribunal de Contas do Estado
UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais
USP – Universidade de São Paulo
USSC – United States Sentencing Commission
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO
2. CORRUPÇÃO
2.1 Conjunto normativo brasileiro anticorrupção
2.2 Perspectivas teóricas sobre corrupção
2.2.1 A perspectiva burocrática
2.2.2 A perspectiva econômica
2.2.3 A perspectiva republicana
2.3 A perspectiva republicana e os programas de integridade
3. PROGRAMAS DE INTEGRIDADE: O TEXTO
3.1 Legislação
3.2 Parâmetros
3.3 Teoria sobre realinhamento cultural
3.4 Etapas de integridade
4. PROGRAMAS DE INTEGRIDADE: O CONTEXTO
4.1 Marco teórico análitico: novo institucionalismo
4.2 Percurso metodológico
4.3 Apresentação dos estudos de caso
4.3.1 Organização 1: Órgão público de controle interno
4.3.2 Organização 2: Sociedade de economia mista com capital aberto
4.2.3 Organização 3: Sociedade anônima de capital fechado
4.3.4 Organização 4: Sociedade anônima de capital fechado
4.3.5 Organização 5: Sociedade anônima de capital aberto
4.2.6 Organização 6: Sociedade limitada
4.4 A interpretação institucional dos programas de integridade
4.4.1 As etapas inerentes ao processo de institucionalização
4.4.2 Os níveis de análise da teoria institucional
4.4.3 Os pilares da teoria institucional
4.4.4 Reflexões sobre os programas de integridade proporcionadas pela teoria institucional
5. PROGRAMAS DE INTEGRIDADE: ENTRE O TEXTO E O CONTEXTO
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ANEXO A – E-mail convite para participação na pesquisa
ANEXO B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)
ANEXO C – Roteiro semiestruturado de entrevista
1. Introdução
A corrupção não é uma particularidade brasileira.¹ É um fenômeno mundial cujos níveis elevados limitam o investimento e o crescimento econômico e social. Consequentemente, os custos sociais e econômicos da corrupção podem ser enormes, pois esta prejudica a competição econômica efetiva, inibe o investimento, corrói o Estado de Direito, mina a administração estatal efetiva e promove a instabilidade política (Deakin et al., 2017). Tendo em vista o relativo consenso de que a corrupção é um problema global, Estados se comprometeram, destacadamente por meio de tratados internacionais, a enfretá-la conjugando esforços entre si e entre os setores públicos e privados (Rose-Ackerman e Palifka, 2016, UNOCD, 2019).
Tal contexto fomentou a difusão do uso de estratégias comuns de combate à corrupção, dentre elas os programas de compliance² que, nas últimas décadas, ganharam destaque em todo o mundo (OCDE, 2020a e 2020b). Pondera-se que esforços para a conformidade com as regras não são algo novo, porém a criação de uma estrutura dentro das organizações dedicada a prevenir, detectar e punir violações à legislação e às normas internas é um fenômeno relativamente recente, o qual diversos autores denominam de "a era do compliance" (Gruner, 1997; Griffith, 2016; Bird e Park, 2016; Van Loo, 2019; Eckstein, 2020).
No Brasil, estruturas organizacionais voltadas para a conformidade eram incomuns até a primeira década dos anos 2000. Essas eram apenas verificadas pontualmente em grandes sociedades empresárias com características específicas, como as instituições bancárias (Manzi, 2008) e a indústria farmacêutica (Carvalho e Almeida, 2019), cujas atividades são altamente regulamentadas pelo Estado. Além dessas, o compliance era mais facilmente encontrado no país em grandes companhias, especialmente naquelas sujeitas ao alcance de leis estrangeiras anticorrupção com efeitos extraterritoriais, como o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) (Tourinho, 2018).
No entato, na última década, o Brasil, no contexto da promulgação de leis que tratam sobre programas de integridade, vivenciou a multiplicação de estruturas de conformidade, tanto nas organizações públicas, quanto nas privadas. A fim de ilustrar tal multiplicação, buscou-se a expressão programa de integridade
no Diário Oficial da União, com os filtros resultado exato
e período
. A busca gerou 1, 37, 272, 289 e 331 registros, nos anos de 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020, respectivamente. Em estudo sobre a "maturidade do compliance no Brasil", a KPMG aponta que há crescente interesse das empresas sobre o tema, pois, na primeira edição da pesquisa, em 2015, 19% das empresas pesquisadas disseram não ter a função de compliance ou equivalente em sua estrutura, contra apenas 3% em 2019 (KPMG, 2019).
Para os fins do presente trabalho, programa de integridade é um conjunto de mecanismos e instrumentos adotado pelas organizações com o objetivo de dirimir a corrupção em seu ambiente interno. Plano de integridade é o documento por meio do qual se formaliza o programa. Programa de compliance anticorrupção é sinônimo de programa de integridade, porém adota-se preferencialmente a segunda nomenclatura em razão de ser essa a utilizada pela legislação brasileira ao tratar do tema.³
Isso posto, o objetivo do presente trabalho é discorrer sobre multiplicação dos programas de integridade no Brasil a partir das seguintes perguntas: como os programas de integridade foram inseridos no ordenamento jurídico brasileiro? Como as organizações do país vêm implementando essa estratégia? Para respondê-las, realizou-se pesquisa qualitativa e as técnicas utilizadas na coleta de dados e evidências foram: (i) levantamento documental; (ii) percepções de especialistas obtidas em dezesseis eventos relacionados ao tema da integridade; (iii) entrevistas em profundidade com quatro informantes qualificados; e (iv) estudo de caso dos programas de integridade de seis organizações brasileiras.
Do ponto de vista teórico, o trabalho justifica-se na medida em que a multiplicação dos programas de integridade no Brasil é recente, envolve diversos conflitos conceituais e há lacunas na produção acadêmica relacionada ao tema, sendo mínimo o resultado da análise bibliométrica quantitativa, nos moldes de Lopes et al. (2012), por exemplo. Em 18 de março de 2020, foi feita a busca por programas de integridade
em três bases científicas no formato eletrônico: Spell,⁴ Periódicos Capes⁵ e HeinOnline.⁶ A pesquisa apresentou cinco, quatro e cinco resultados, respectivamente, totalizando 13 artigos diferentes, não coincidentes com a pesquisa transversal ora apresentada.
Do ponto de vista prático, este trabalho analisa a institucionalização dos programas de integridade em organizações integrantes da esfera privada, pública direta e pública indireta, o que colabora com a construção de um panorama sobre a institucionalização dos programas de integridade no Brasil, discorrendo sobre sua origem, situação atual e prospecções. O presente trabalho direciona o olhar para as características do processo de assimilação de uma inovação organizacional, revelando suas fragilidades e, com isso, colaborando com o seu aprimoramento. Isso permite delinear os principais desafios enfrentados por essas organizações referentes a tais programas e, possivelmente, por tantas outras, o que é insumo essencial para a propositura de correções ou, até mesmo, de novas estratégias de enfrentamento à corrupção.
Do ponto de vista social, a implementação de um programa de integridade envolve etapas que exigem investimento por parte de uma organização e até mesmo do Estado, visto que a Administração Pública vem adotando programas de integridade e promovendo programas privados em uma estrtégia de política pública de combate à corrupção (Gomes e Miranda, 2019). Há, ainda, um mercado crescente de produtos de compliance.⁷
Ademais, a discussão sobre programa de integridade é de extrema relevância em razão da gravidade e complexidade do problema que esse se propõe a combater: a corrupção que em 2018 foi considerada pela sociedade brasileira o segundo problema político mais importante, atrás apenas da