Juiz das Garantias: uma análise acerca da imparcialidade
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Juiz das Garantias - Emmanuele Silva Alves
SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS
O Direito Penal nasceu quando o Estado passou a ter o poder-dever de punir determinadas condutas, substituindo a vingança privada que outrora existia nas sociedades. Quando o agente comete uma conduta descrita como crime, surge a pretensão punitiva que, por sua vez, dá origem ao direito processual penal, que nada mais é do que a aplicação do direito penal ao caso concreto.
A pretensão punitiva é direito do Estado de submeter à uma pena aquele que comete um delito (LIMA, 2023), assim, toda vez que um indivíduo comente um crime, o Estado passa a poder aplicar uma pena a este, mas não antes de um processo para apurar os fatos e verificar se realmente houve o delito, ou seja, se existe de fato a pretensão punitiva.
A partir dessa concepção, pode-se conceituar processo como o instrumento de aplicação do direito material, Roberto Brasileiro conceitua como instrumento do qual se vale o Estado para imposição de sanção penal ao possível autor do fato delituoso.
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Por sua vez, o sistema processual é a base ideológica para a elaboração das regras que regerão o processo. Nas palavras de Paulo Rangel (2019, p. 121), sistema processual penal é o conjunto de princípios e regras constitucionais, de acordo com o momento político de cada Estado, que estabelece as diretrizes a serem seguidas à aplicação do direito penal a cada caso concreto.
No decorrer da história, surgiram diversos sistemas processuais penais, conforme o momento político e social vivido na época, cada um com características peculiares, fazendo-se necessário detalhar alguns desses sistemas para avaliar aquele que melhor se encaixa no ordenamento jurídico brasileiro.
1.1. SISTEMA INQUISITÓRIO
O sistema inquisitório surgiu dentro de um contexto canônico, no qual a igreja católica acreditava que sua doutrina perdia força dentro da sociedade da época. Em 1215, a fim de reverter esta situação, líderes religiosos se reuniram no IV Concílio de Latrão e decidiram pela obrigatoriedade da confissão pessoal dos pecados, estes então deveriam ser punidos pela própria igreja. O objetivo passou a ser encontrar pecadores e extrair a verdade
por meio da força, para isso foi instituído o Tribunal da Inquisição com a finalidade de perseguir e reprimir qualquer tipo de heresia que atentasse contra os dogmas católicos (COUTINHO, 2009).
Esse método empregado pelo catolicismo deu origem a um novo sistema, em que o acusado passou a ser objeto da investigação, tendo como maior atributo a concentração das funções de acusar, julgar e defender em uma única pessoa, no caso essa pessoa seria a própria igreja.
O acusado como mero objeto do processo implica na não consideração de um sujeito detentor de direitos. Não há que se falar em ampla defesa, contraditório ou qualquer outra forma de defesa que pudesse garantir um processo justo. Admitia-se, inclusive, tortura como forma de obtenção de uma confissão, sem qualquer comprometimento com a busca pela verdade dos fatos. Além disso, o julgamento e o processo ocorriam, em regra, de modo secreto.
O novo modelo processual ganhou repercussão pela Europa e passou a ser adotado também pelos mais diversos regimes ditatoriais ao longo da história, com ações que demonstram o total desprezo aos direitos e garantias individuais como conhecidos hoje.
As principais características do sistema inquisitório é a concentração de poder nas mãos de um juiz inquisidor, no qual este passa a ser o gestor das provas, sem direito a contraditório ou qualquer tipo de defesa. Como bem acentua Renato Brasileiro (2019, p. 41):
Em síntese, podemos afirmar que o sistema inquisitorial é um sistema rigoroso, secreto, que adota ilimitadamente a tortura como meio de atingir o esclarecimento dos fatos e de concretizar a finalidade do processo penal. Nele, não há falar em contraditório, pois as funções de acusar, defender e julgar estão reunidas nas mãos do juiz inquisidor, sendo o acusado considerado mero objeto do processo, e não sujeito de direitos. O magistrado, chamado de inquisidor, era a figura do acusador e do juiz ao mesmo tempo, possuindo amplos poderes de investigação e de produção de provas, seja no curso da fase investigatória, seja durante a instrução processual.
Essa forma de processar e julgar predominou até o início do século XIX, quando foi deflagrada a Revolução Francesa, que inspirada pelos ideais iluministas, passou a rechaçar o sistema inquisitório. O foco passou a ser a razão, o pensamento e, principalmente, o ser humano como sujeito de direitos, lutando contra os poderes absolutistas do rei. Com base no lema de liberdade, igualdade e fraternidade, passou-se lutar contra privilégios de alguns e defender um tratamento de forma igual para todos.
Esses novos movimentos filosóficos e doutrinários repercutiram no âmbito político, dando lugar a outro modelo de sistema processual penal, no qual o indivíduo passa a ser sujeito de direitos, sendo julgado de uma forma mais humana.
1.2. SISTEMA ACUSATÓRIO
O sistema acusatório é um modelo oposto ao inquisitório, se aproximando mais dos novos ideais propagados, bem como das conquistas sociais e políticas atingidas após a queda do absolutismo. É assim chamado porque ninguém poderá ser processado e julgado sem que haja uma acuação formal, com a narração dos fatos e circunstâncias do possível delito cometido pelo acusado, baseado em um julgamento justo, sem privilégios, garantido por um julgador imparcial.
Se no sistema inquisitório havia uma concentração de poderes de acusar e punir, no novo modelo já não se aceitava mais essa clara parcialidade de julgamento, sem preservação dos direitos do acusado de se defender de forma efetiva, razão pela qual as funções processuais passaram a ser divididas entre atores distintos (LOPES, 2020). A acusação e a defesa se afastam da figura do julgador, prezando-se por um processo mais imparcial. Assim, o juiz se torna inerte na produção de provas, deixando que as partes tragam até ele os argumentos para seu livre convencimento, sem pesar para um dos lados.
No entanto, não basta apenas uma separação de funções, é necessário que o julgador de fato se mantenha alheio a qualquer propensão a um dos lados, bem como seja efetivado os direitos e garantias individuais do acusado no decorrer do processo.
Desse modo, pode-se evidenciar que as suas características mais relevantes do sistema acusatório sem dúvida são a separação rígida das funções exercidas pelas figuras processuais, a busca por um julgamento imparcial, a publicidade e oralidade. Mais uma vez, nos ensinamentos de Renato Brasileiro (2019, p. 42):
No sistema acusatório, a gestão das provas é função das partes, cabendo ao juiz um papel de garante das regras do jogo, salvaguardando direitos e liberdades fundamentais. Diversamente do sistema inquisitorial, o sistema acusatório caracteriza-se por gerar um processo de partes, em que autor e réu constroem através do confronto a solução justa do caso penal. A separação das funções processuais de acusar, defender e julgar entre sujeitos processuais distintos, o reconhecimento dos direitos fundamentais ao acusado, que passa a ser sujeito de direitos e a construção dialética da solução do caso pelas partes, em igualdade de condições, são, assim, as principais características desse modelo.
Tais características já estavam presentes na Antiguidade Grega e Romana, civilizações berços da democracia, portanto, pode-se dizer que o sistema acusatório é próprio de regimes democráticos, nos quais a imparcialidade do juiz é o ponto central para uma decisão mais próxima da justa. Apesar de ter perdido espaço por um breve período histórico para o sistema inquisitório, este modelo teve maior predominância na história da humanidade, sendo, inclusive, o adotado em diversos países democráticos atualmente.
1.3. SISTEMA MISTO
Além dos sistemas já explicados, parte da doutrina também aponta para um sistema híbrido entre o sistema acusatório e inquisitório, isso porque possui características de ambos, o chamado sistema misto. Se por um lado é resguardada a separação de funções do sistema acusatório, bem como o contraditório e a ampla defesa, por outro, possui resquícios do sistema inquisitório, em que o juiz tem uma atuação mais ativa, a partir do momento em que lhe é permitido a produção de provas, por exemplo. Daí se diz que um sistema misto seria um sincretismo dos dois modelos anteriormente citados.
Ele vigorou com o Code d’Instruction Criminelle de 1808 (Código de Napoleão), por isso, tal sistema é conhecido também como sistema francês. Apesar da Revolução Francesa ter marcado o fim do sistema inquisitório, não o sepultou totalmente, ainda possuindo resquícios em sua legislação.
Foi assim chamado porque o processo se dividia em duas fases: a primeira totalmente inquisitorial, sem direito a contraditório, na qual o juiz produzia as provas e apurava os fatos de forma sigilosa; a segunda, por sua vez, buscando de fato impor mais garantias ao acusado em contraponto com o sistema inquisitório até então predominante, era marcada por um julgamento por meio de um júri, de forma pública e oral, com regras que mais se aproximam do sistema acusatório.
Em verdade, a existência de um sistema misto não é unânime na doutrina. Há quem defenda que o referido sistema