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Montez Magno: poeta, artista, camaleão
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Montez Magno: poeta, artista, camaleão
E-book331 páginas3 horas

Montez Magno: poeta, artista, camaleão

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Sobre este e-book

O caráter de afetuosidade das memórias de Olívia Mindêlo sobre seus encontros com Montez Magno para o levantamento de material para esta biografia é o que dá o tom de Montez Magno: Poeta, artista, camaleão. Com delicadeza e fluidez, a jornalista reúne, através de depoimentos de família, amigos e conhecidos, além do próprio Montez, lembranças deste que é um artista fundamental para Pernambuco e para o Brasil, atuante não somente no que tange à sua produção artística, como também um interlocutor e um crítico expressivo das últimas décadas do século XX. Como um dos poucos artistas brasileiros a conjugar uma forte transição de paradigmas surgidos a partir da modernidade da arte, o inventivo pintor-poeta é mostrado aqui na sua indiferença a rótulos e em toda a profundidade das reminiscências que guarda em sua intimidade.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento20 de mar. de 2018
ISBN9788578586096
Montez Magno: poeta, artista, camaleão

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    Montez Magno - Olívia Mindêlo

    Agradecimentos

    A Montez Magno, pela presteza e generosidade em conceder seus depoimentos sem restrição, bem como em dar acesso ao seu rico material de pesquisa. A Myrian, sua esposa, pela paciência e recepção carinhosa. A Geovan e demais funcionários da casa, aos queridos poodles Mel e Ramon. Agradeço também a: Clarissa Diniz, Bete Gouveia, Paulo Herkenhoff, Luiz Carlos Monteiro, Itamar Morgado, Lisette Lagnado e a todos aqueles que se debruçaram sobre a obra e vida de Montez Magno, contribuindo direta ou indiretamente para este livro; a Mariana Pires, pela leitura e revisão cuidadosa destas páginas; ao meu namorado e companheiro de todas as horas, Eric Gomes; às minhas companheiras de trabalho na revista Continente e à equipe da Cepe Editora; à minha mãe, ao meu pai, e às minhas amigas e amigos pela torcida, companhia e paciência em me ouvir falando mil vezes sobre Montez Magno.

    Prefácio

    Por essas coisas inexplicáveis, ainda antes de compreender que a arte poderia ser um caminho para mim, estive no ateliê de Montez Magno. Talvez eu não tivesse mais do que 14 anos quando fui incumbida de acompanhar um casal de escoceses, amigos de meus pais, em sua visita a um artista aparentemente importante, em razão da qual precisavam de um tradutor voluntário. Foi, portanto, como uma adolescente curiosa e bilíngue que, pela primeira vez, entrei naquela casa da Avenida 17 de Agosto, que mais tarde passaria a frequentar como uma espécie de escola e, logo depois, como parte dessa família que afetivamente formamos vida afora.

    Intrigou-me profundamente a visita àquele senhor que dizia saber falar inglês, mas que se recusava a trocar uma só palavra na língua de seus visitantes. Sob a perspectiva da tradutora que ali fui, fiquei ainda mais surpresa quando Montez me explicou que não falava, mas que escrevia poemas em espanhol. Lembro pouco dos trabalhos que vi em seu ateliê, inclusive pela absoluta concentração que a situação me exigia, assustada por ter que traduzir palavras que pela primeira vez ouvia tanto numa língua como na outra. Pintura a óleo, watercolour, engraving, abstração geométrica e coisas do gênero me deixaram atônita na tentativa de fazer Christine Goodman – a artista escocesa – e Montez Magno dialogarem. Incerta sobre o que vi, nunca me esqueci, contudo, da sensação de dúvida que saiu comigo daquela visita. De fato, não confiei nas histórias daquele que queria me fazer acreditar ser poliglota, tampouco compreendia o porquê de o casal escocês ter ficado absolutamente convencido da magnitude de sua obra.

    Anos depois, num ciclo de estudos realizado na Aliança Francesa, quando eu já estudava Artes na Universidade Federal de Pernambuco – e tentava não desistir do francês introdutório com o qual saíra da escola –, novamente me deparei com aquele senhor. Demorou um tempo até que eu me recordasse exatamente de onde o conhecia, enquanto ele falava sobre Marcel Duchamp na mesa à minha frente. E foi exatamente o uso das palavras francesas (dentre elas, infra mince, uma ideia caríssima à sua obra) que engatilharam minhas memórias. Eu estava diante do mesmo enrolão, pensei.

    Acontece que não muito depois eu me vi às voltas com uma extensa pesquisa em jornais publicados em Pernambuco, que se tornaria o livro Crachá – aspectos da legitimação artística (Recife-Olinda, 1970-2000) (Ed. Massangana, 2008). Para o meu espanto, lendo o dia a dia desses 30 anos de história, me dei conta do óbvio que minha desconfiança juvenil não permitira crer: Montez Magno era um artista fundamental para Pernambuco e para o Brasil, atuante não somente no que tange à sua produção artística, como também um interlocutor e um crítico expressivo daquele período. A curiosidade que eu obviamente não perdera desde minha primeira ida ao seu ateliê impulsionou um olhar atento a todas as referências que encontrava sobre sua obra, até que um dia o contatei para uma entrevista. A conversa, que se estendeu por horas, desdobrou-se em outros dias de encontro.

    Anos mais tarde desde aquela primeira visita, já não como tradutora, senão como pesquisadora, deixei o ateliê de Casa Forte apaixonada e convencida de que precisava me dedicar a conhecer seu trabalho. Assim é que, por meio da mesma Cepe Editora que agora edita este livro, escrevi meu primeiro texto sobre Montez Magno, uma matéria para a revista Continente que terminou adquirindo ares de ensaio crítico. Estava evidente que meu desejo era, em verdade, escrever um livro. Em 2010, publicaríamos o primeiro livro sobre Montez, a partir da nevrálgica e absolutamente instigante colaboração de Paulo Herkenhoff e Luiz Carlos Monteiro, como poderá ser visto ao longo das páginas que se seguem.

    Para o livro, passei a viver Montez Magno. Por dois anos, estive quase que diariamente em sua casa, abrindo cada gaveta, cada pasta, cada caixa. Eram tardes intermináveis, em que Montez generosamente revia sua obra e sua trajetória, passo a passo. Juntos estabelecemos algumas das principais leituras que viriam a estruturar o livro, desafiados pela imensidão de seu trabalho e pela complexidade das questões e dos interesses por ele articulados. Frequentei Montez Magno com maior dedicação do que o fizera em minha graduação, aprendendo, com ele, os impasses e os caminhos surgidos a partir da modernidade da arte. Eu finalmente entendera estar diante de um dos poucos artistas brasileiros a conjugar, em sua obra, tamanha transição de paradigmas.

    Compreendi, ao mesmo tempo, que às vezes a melhor resposta ao encanto é a responsabilidade. Que, diante da amplitude daquele Magno, diante do que sua obra mobilizava, parecia impossível não se engajar. Pois em meio a todo aquele fascínio, subsistia também a indignação diante da invisibilidade daquela trajetória. Com Montez, aprendi sobre poder, geopolítica e resistência. Também localmente contra-hegemônico por sua pouca adesão aos movimentos, grupos e agendas que, de modo geral, foram criados em Recife e Olinda, Montez Magno foi igualmente uma escola sobre singularidade. Acerca daquilo que é irredutível ao todo, a um só tempo alheio e maior do que ele.

    Como esmiúça o cuidadoso texto de Olívia Mindêlo a seguir, a partir dos anos 1960 sua trajetória atravessa contextos díspares, sem exatamente se fixar numa única cidade ou grupo de interlocutores, mesmo após o seu retorno ao Recife. Através de viagens, trava contato com inquietações e urgências que passaram a informar sua obra, ombreadas aos diálogos silenciosamente estabelecidos por Montez na leitura de livros e revistas de arte de todo o mundo, constantemente retorcidos por seu interesse em outros campos, como a espiritualidade e a ciência. Nesse sentido, pela dimensão da complexidade e da individualidade de sua vida e obra, este perfil biográfico de Montez Magno tem especial importância.

    Trata-se, obviamente, da história de vida do perfilado, por meio da qual compartilhamos amores e dramas de muitas ordens. Mas é, acima de tudo, a história de um artista do nordeste brasileiro. Por entre a vida de Montez, pode-se entrever muitas das dificuldades e das potências do momento e do lugar históricos que circunscreveram sua vida, como a de tantos outros. Pois, ainda que não tenha sido dos mais entusiastas quanto às coletividades possíveis à dimensão social da arte, tampouco Montez recusou seu contexto ou se negou a ele. Ao contrário, perpetrou inflexões diante do projeto regionalista da década de 1930, expandindo o interesse da arte como atividade ecologicamente implicada, a ponto de deslocá-lo e criar, mais do que contradições, ambiguidades em torno da condição de artista nordestino, como nos lembra NorZenDeste (1973).

    Como Olívia Mindêlo sensivelmente situa ao longo de todo o texto, a distinção monteziana entre artistas profissionais e vocacionais obviamente serviu, e serve, como crítica aos modos sociais (e econômicos) de inscrição da arte. Mas, acima de tudo, está intimamente ligada a compreensões eminentemente ontológicas em torno da ideia de arte, explodida e multiplicada em criação. Produtiva e alegremente displicente em torno da – falsa – problemática de ser pintor ou poeta, Montez Magno sempre advogou pela liberdade de experimentação, assumindo o risco de sua indiferenciação diante de outros campos da criação, se assim se mostrasse necessário ou inevitável.

    Pois, ao que me parece, talvez a mais gritante dificuldade de um livro sobre Montez – inclusive um perfil biográfico – seja precisamente o caráter ordinário de sua vida e obra. Ainda que as próximas páginas sejam deliciosamente prenhes de aventuras, e por mais que possamos ousar isolar obras de algum, quiçá, caráter extraordinário (importante sublinhar que Montez nunca se interessou por qualquer valor de excelência em arte), não é senão naquilo que é justamente o informe do conjunto, a massa criadora pulsante, mas difusa, em que o artista se sente em casa.

    Não é coincidência, mas construção, que a casa-ateliê não tenha assegurado à sua esposa Myrian mais do que espaço de circulação. Não é que Montez Magno seja espaçoso – é que o espaço da vida é, em si mesmo, sua criação. E nesses anos – já nem tão recentes assim –, pude ser cúmplice dessa que é uma das possíveis chaves para sua advertida vocacionalidade. Montez coleciona e pinta trapos, descasca infinitamente a parede da sua cozinha para continuar fazendo um mural que nunca se conclui, coleciona e articula coisas tão banais quanto pedras, papel laminado, isopor e vassouras, assiste ao Faustão com a mesma intensidade com a qual escuta Maria Callas, exercita sua voz por todos os cantos da casa, cultiva um jardim, acumula (acumula, acumula), coleciona pedaços de coisas quebradas depois transformadas em nanomuseu, espalha piranhas de cabelo pela casa numa espécie de intervenção-volante, dedica dias a observar o processo de putrefação, conversa com os mortos, não se inabilita diante de qualquer técnica ou expertise, se apropria de tudo, conserva melhor sua Variant do que a maior parte de suas obras, desdenha do que já fez. Anseia pelo que virá, confiante. Inventa indiscriminada e irresponsavelmente.

    Talvez por isso tenha Olívia Mindêlo se guiado pela poesia. Para lá dos documentos e das cartas, ladeando o protagonismo mesmo das lembranças, estão, ao longo do texto, poemas de Montez Magno. Se os bons poetas sofrem de amnésia, a poesia decerto não. Trespassada pelos versos e seus vácuos, está a vida, desencaixada da rima e por isso teimosa, insistente e inventivamente revolta, num encadeamento de adjetivos também próprios ao biografado. O desencape entre fato e memória, entre vontade e história é reencenado nesses versos tornados autores. Com uma escuta atiçada e aberta à impregnação da convivência, Olívia confia no poeta como resposta ao vivido: nada é tão organizado e perfeito/ que não possa receber uma nódoa/ de asfalto ou de ilusão (Indiferente ao ar que respiramos. Recife, 1996). E, envolta pelo respeito e encanto dessa confiança entre aquele que tem as memórias e aquela que o faz lembrar, retorno àquele poliglota emudecido de outrora ainda mais convencida da desnecessidade de ouvi-lo falar em qualquer outra língua que não a da sua poesia.

    Clarissa Diniz

    _______________________________________________________________

    Curadora e gerente de conteúdo do Museu de Arte do Rio (MAR)

    p12.jpg

    Introdução

    Não será uma autobiografia porque, como já disse, eu, que sou

    o autor, sou criação de outro autor. E este, quem será? [...]

    Montez Magno, Rio de Janeiro, 1965¹

    Ap rimeira vez em que ouvi falar de Montez Magno foi em 2004. Nessa época, eu era estagiária do então Caderno C , do Jornal do Commercio , onde me via metida a fazer reportagens sem muito conhecimento de causa. Em uma dessas ocasiões, a equipe estava envolvida num especial sobre direitos autorais nas artes e eu me ofereci para escrever um texto sobre como se dava essa questão no campo das artes visuais. O meu editor, Marcelo Pereira, aceitou minha colaboração, dizendo para eu resgatar uma história que tinha aborrecido bastante um certo artista no Recife, relativa à cópia de uma de suas obras. Inexperiente, não procurei ouvir as partes envolvidas para apurar melhor o caso. Apenas mencionei-o em meu texto, confiando no chefe, o que foi minha primeira grande lição no jornalismo e o suficiente para que, algum tempo depois, eu recebesse uma carta de Montez Magno na qual expressava seu desconforto diante da menção do assunto que, nas suas palavras, já considerava morto e enterrado. Seu tom era de chateação, mas também de generosidade: explicava quais eram os erros da minha matéria e anexava um Itinerário biográfico e um texto sobre ele, a fim de que eu pudesse conhecê-lo melhor e, quem sabe, visitar o seu ateliê, onde teria muito prazer em me receber.

    A vida, essa roda, estava só de tocaia, atenta a me pregar uma peça – mas sem pressa. Não recordo se demos uma errata por conta disso, mas o fato é que o tal caso tinha gerado para Montez uma fama de chato no jornal, onde estivera antes com o objetivo de denunciar ao diretor de redação a história do plágio. Eu, então, fiquei arrasada com o erro, mas fui engolida novamente pela rotina da redação e deixei para lá. Quase 10 anos depois, já tendo sido repórter de artes visuais do JC e agora exercendo a função de editora-assistente do mesmo caderno de cultura, Marcelo Pereira me pediu que fosse à casa de Montez para fazer uma matéria sobre sua ida a São Paulo e ao Rio de Janeiro, onde participaria de duas exposições importantes. Tremi na base. Pronto, é agora que ele vai me dar um texto daqueles e, ainda por cima, vou passar a entrevista levando fora, pensei. Para minha sorte, ele não parecia se lembrar mais do meu nome. Fiquei impressionada com sua casa e seu ateliê em Casa Forte, no Recife. Era incrível que, durante todo aquele tempo cobrindo a produção de artes visuais da cidade, nunca houvesse ido lá. Demonstrando franqueza, uma de suas marcas, Montez me recebeu muito bem e pude compensar a culpa que sentia há tanto tempo, escrevendo uma matéria para a capa do caderno, que ele depois elogiou, para o meu alívio.

    Antes disso, contudo, eu acompanhava superficialmente a carreira do artista, fosse lendo matérias sobre suas exposições – como a Tantra, realizada em 2006, no Museu do Estado –, fosse indo ao lançamento, no Mamam, do que considero o livro-síntese de sua carreira, Montez Magno (2010), com ensaios de Clarissa Diniz, Paulo Herkenhoff e Luiz Carlos Monteiro sobre sua obra², e que muito me ajudou nas páginas a seguir. Depois, escreveria mais matérias sobre ele, não apenas no JC, mas também para a revista Continente, da Companhia Editora de Pernambuco, da qual me tornei colaboradora em 2006. Em 2015, por exemplo, a pauta foi conversar com Montez sobre seus 80 anos e as novidades de seu trabalho, que ganhava o mundo cada vez mais. Voltei ao seu endereço em Casa Forte, onde seria recebida desta vez em seu quintal. Era final de tarde e ele trabalhava sob a luz do pôr do sol, em meio às plantas. Tinha nas mãos lápis, régua, isopor, pincel e tinta. Na medida em que colocava formas geométricas sobre a superfície, a sombra criava junto com ele novas imagens... Esse encontro foi muito especial. Saí de lá não só cheia de livros – quem já visitou Montez sabe –, mas ainda satisfeita por ter feito uma entrevista que conseguia abarcar a sensibilidade e a visão de mundo daquele homem de 80 carnavais, com a mente de um jovem incansável. Por conta dessa pauta e da conversa que travamos, publicada nas páginas da revista em julho de 2015, fui chamada a escrever este livro que você tem em mãos, como parte da Coleção Memória, da Cepe Editora. Uma ironia do destino, é claro, mas um daqueles presentes desafiadores que marcam a vida de qualquer pessoa, quanto mais de uma jornalista cujo propósito maior é estimular a relação das pessoas com a arte.

    Uma biografia – ou um perfil biográfico, como prefiro chamar este – não é a história de uma pessoa, mas de várias. Ao menos que sejamos eremitas, a nossa vida é sempre assim, feita de muitas outras. Ainda mais no caso da trajetória de um poeta e um artista múltiplo como Montez Magno, cujos anos foram intensamente vividos em várias partes do mundo, ao lado de todo tipo de gente, sendo ele mesmo um aventureiro convicto, sem nenhuma força de expressão. Esta figura já se relacionou com tanta gente, que guarda, no acervo infinito de sua residência, cópias das mais de mil cartas que ele escreveu a amigos, amigas, namoradas, poetas, críticos, curadores, pintores, gestores de cultura etc. Além disso, claro, também conserva as correspondências que recebeu, incluindo de nomes como o escritor Osman Lins e os poetas Carlos Drummond de Andrade, Augusto de Campos e Ferreira Gullar, entre muitos outros. Ao seu jeito, Montez sabe organizar bem a sua memória, dentro e fora de sua cabeça, um motor impressionante de ideias e histórias. Aliás, tem memória de elefante: recorda com precisão não apenas fatos marcantes de tempos remotos, como ainda informações recentes, o que é pouco comum entre os de sua faixa etária.

    Além das 11 entrevistas gravadas, com cerca de duas horas e meia cada, que ele me concedeu, e de outras incontáveis conversas que tivemos em mais de um ano de trabalho conjunto e convivência, as cartas do arquivo de Montez foram de fundamental importância para este livro. Tanto quanto as suas publicações de poesia, que dizem mais sobre sua personalidade e vida do que a produção visual de pinturas, objetos, instalações e um sem-número de invenções, ainda que, claro, todo poeta seja um fingidor, para citar Fernando Pessoa, que, neste caso, seria melhor lembrado pela frase eu sou muitos, que se aplica bem ao espírito de Montez. Outros livros também foram imprescindíveis a este trabalho, como o já citado Montez Magno (2010), além de Memorabilia: crítica de arte & outros escritos (2012) – uma compilação de textos críticos, dele e de outros autores, e de entrevistas sobre ele – e de Os microplanos de Montez Magno & os infra minces de Marcel Duchamp (2015), de Bete Gouveia (ver notas no final do livro).

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    Panorâmica do seu atual ateliê, construído nos fundos de sua casa na Avenida 17 de Agosto.

    Durante as nossas conversas, ele se sentiu muito à vontade e foi bastante sincero, me pedindo apenas que eu não mencionasse mais a história do plágio, embora tenha me contado em detalhes (só muito depois mostrei a carta que ele me enviou em 2004, da qual ele realmente não se lembrava). Poucas vezes fugiu às minhas perguntas e, quando fugia, eu o chamava de volta e ele respondia à sua maneira, sem deixar de me contar coisas que preferia não lembrar ou expor; coisas que certamente o deixariam triste e, principalmente, muito reflexivo nos dias seguintes. Também não teve pudores em falar sobre aventuras na zona de prostituição do Recife, de seus casos amorosos e de suas bebedeiras, por exemplo, mesmo sendo sua ouvinte uma mulher 47 anos mais jovem do que ele. Quem ganha somos nós, que temos acesso a tudo isso agora. Além de ser um artista e poeta digno de muita atenção, Montez é um cabra cheio de casos e experiências dos quais gosta não apenas de se lembrar, como, principalmente, de contar.

    1 Do manuscrito O livro de Judite, uma ficção-relato de Montez Magno iniciada em 1965, no Rio de Janeiro. Texto nunca publicado.

    2 Ver referências bibliográficas.

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    Timbaúba dos montes

    Os melhores momentos/ Nunca são retidos./

    Os bons poetas/ sofrem de amnésia.

    Da poesia e dos poetas, Montez Magno, 1981¹

    Oano era mais ou menos 2010 quando Montez Magno precisou fazer seu caminho de volta. Partiu do Recife, ao lado da mulher Myrian, para cumprir um objetivo aparentemente banal: recuperar seu registro de nascimento em um cartório de Timbaúba. A cidade da Zona da Mata

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