A dignidade humana e o imposto sobre a renda: Um diálogo com a realidade brasileira
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A dignidade humana e o imposto sobre a renda - Marcelo Gomes de Moraes
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Aos que dividiram comigo sua existência, em algum momento, e de certa forma, contribuíram com minha busca pelo conhecimento.
Agradecimentos
Ao professor Dr. Victor Hugo Tejerina Velazquez o meu reconhecimento e carinhosa homenagem pela orientação responsável e, principalmente, por sua sensibilidade e paciência para extrair o meu melhor.
Aos professores Dr. Everaldo Tadeu Quilici Gonzalez e Dr. Lélio Maximino Lellis pelos apontamentos externados em meu exame de qualificação, que muito contribuíram para a melhora de meu trabalho.
Ao meu amigo Dr. Wlamir do Amaral pela dedicação de parte de seu tempo na leitura crítica de minha dissertação, que resultou neste livro.
Agradeço a presença amorosa, cumplicidade e estímulo da minha esposa Maria e dos meus filhos Bruna, Pedro e Miguel.
Aos meus pais, José e Teresinha, que foram meus primeiros professores.
Às minhas irmãs Fernanda e Juliana, que sempre me apoiaram e me incentivaram ao longo de minha trajetória.
E, finalmente, ao José Flávio e à Regina, que muito contribuíram para a conclusão de mais esta etapa acadêmica.
Duas coisas enchem a mente de... assombro e reverência [...]
O céu estrelado sobre mim e a lei moral dentro de mim
(Immanuel Kant, Crítica da razão prática)
Os Estados não são agentes morais;
As pessoas são.
(Noam Chomsky)
Sumário
Folha de rosto
Página de Créditos
Dedicatória
Agradecimentos
Epígrafe
Prefácio
Introdução
Capítulo 1: A dignidade humana
1. Origem e evolução histórica
2. Princípio matriz e motriz de todo o sistema jurídico
3. A ideia de mínimo existencial
4. O princípio da dignidade da pessoa humana na Constituição Federal de 1988
Capítulo 2: O imposto sobre a renda
1. Origem e evolução histórica
2. O imposto sobre a renda no Brasil
3. O princípio da capacidade contributiva e o sistema de apuração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física na legislação brasileira vigente
4. O imposto sobre a renda e o princípio da não afetação de sua receita na legislação brasileira vigente
Capítulo 3: A dignidade humana e o imposto sobre a renda da pessoa física
1. A solidariedade social tributária
2. Imposto, renda e mínimo existencial
3. Uma base de cálculo digna para o Imposto sobre a Renda da Pessoa Física
4. Um diálogo com a realidade brasileira
Considerações finais
Referências
Paco Editorial
Prefácio
Conheci o autor como aluno do Curso de Direito da Unimep, nos idos da década de 90 e fins do século XX. Desde então percebi que havia naquela alma algo que se diferenciava: respeitoso, atencioso, mas dotado de uma certa inquietação intelectual que por vezes levantava questões de alta relevância e indagação nas aulas de Filosofia do Direito. Percebia ainda que havia naquele jovem uma vocação para a docência, pois a docência é própria daquelas almas e corações bem formados, que se importam com seus semelhantes e com as grandes questões que afligem a vida social. Agora, depois de muitos anos, descubro que minha percepção não estava enganada: a obra que o amigo leitor tem em mãos concretiza tudo aquilo que previ um dia sobre aquela alma diferenciada. Um livro que consagra um intelectual inquieto e que fundamenta o início de uma docência promissora. Uma obra que levanta questões de alta relevância e indagação acerca de um tema que está no cerne do Estado Moderno: o imposto sobre a renda e sua relação com os direitos fundamentais individuais, coletivos e difusos.
É sempre bom lembrar que o direito de arrecadar impostos por parte dos governantes é algo que surgiu na Idade Antiga. Todavia, ao longo da história da Humanidade, esse direito de tributar e arrecadar impostos foi sofrendo limitações e sendo relacionado com a obrigação estatal de oferecer uma contraprestação social. E a partir do advento dos Estados Modernos, essa contraprestação passou a ser vinculada com a ideia de um Estado de Bem Estar Social, que garantisse um mínimo de cidadania e dignidade social a seus cidadãos. Obviamente esse vínculo entre a arrecadação tributária e a formação de um Estado de Bem Estar Social decorreu de longas lutas e movimentos sociais verificados ao longo de séculos da história da sociedade ocidental.
Foi em Atenas, há mais ou menos VIII séculos a. C. que surgiu no Mediterrâneo uma experiência singular: a ideia de polis, espécie de cidade autônoma, independente e soberana que era governada, em última instância, por uma assembleia de cidadãos (politai). É verdade que essa assembleia de cidadãos não contava com a participação de todos, mas apenas dos homens livres e nascidos na própria polis. Daí decorria que cidadão entre os gregos antigos era o homem livre, senhor de si e que tinha direito de participar da assembleia de cidadãos. Esses direito de participar da politai, portanto, não era extensivo aos escravos, mulheres e crianças, mas apenas aos homens livres que exerciam a prática do direito de decidir sobre os destinos políticos, culturais e econômicos da polis. A esse direito de participar da politai e influenciar nos destinos políticos, culturais e econômicos da cidade é que se podia compreender como cidadania na polis grega antiga¹. Então, como foi possível que uma invenção tão antiga, como a cidadania, nascida na Grécia há mais de 2.500 anos chegou até os dias atuais, adquirindo características próprias e assumindo importância sine qua non para a invenção dos direitos fundamentais? Como esse instituto da cidadania foi fundamental para a construção dos direitos fundamentais individuais, coletivos e difusos?
A resposta para essas duas questões deve ser encontrada na historicidade dos movimentos sociais dos povos europeus, e que, mais tarde, estendeu-se por todo o mundo ocidental. Ocorre que a experiência de cidadania, entre outras descobertas do povo grego antigo, ressurgiria por volta do século XIV com o Renascimento. Como se sabe, o Renascimento representou um retorno de muitos dos valores culturais, jurídicos e filosóficos que eram próprios ao mundo greco-romano. A partir de então, as cidades e vilas europeias deram início a um lento e gradual processo de emancipação política em relação ao poder exercido pela Igreja. Ora, esse processo emancipatório das cidades e vilas europeias deu-se por meio dos movimentos sociais importantes, dentre eles, destacam-se as revoluções burguesas que se verificaram na Inglaterra do século XVII, nos Estados Unidos da América do Norte, com a proclamação de sua independência em 1776 e na França, com a Revolução Francesa de 1789. De que forma esses movimentos foram importantes para a construção da cidadania moderna e consolidação dos Estados ocidentais modernos?
A Revolução Francesa foi o momento histórico em que as novas ideias políticas e jurídicas lançaram os fundamentos de reconstrução de um novo conceito de cidadania, fundado nos conceitos de liberdade e de igualdade, os quais passaram a ser discutidos em inúmeras obras acadêmicas que se popularizaram entre os jovens e acadêmicos de então. As obras daqueles autores iluministas foram decisivas para a construção da ideia de Democracia Representativa e influenciaram de forma categórica o surgimento dos Estados contemporâneos fundados nos ideais da primeira Declaração de Direitos do Cidadão (1789). Ora, a invenção dos Estados contemporâneos, alicerçados em fundamentos constitucionais de liberdade, propiciou o surgimento de outros movimentos sociais que agora lutavam pelos direitos de igualdade e reivindicavam um Estado de Bem Estar Social, pelo qual os impostos e recursos públicos deveriam contribuir para a concretização dos direitos fundamentais coletivos e difusos. A partir de então, consagrou-se um entendimento de que os impostos cobrados pelo Estado deveriam guardar relação com as políticas públicas de implementação dos direitos fundamentais individuais e coletivos dos cidadãos.
Ora, a presente obra participa de forma brilhante dessa discussão que relaciona a arrecadação de impostos com a concretização dos valores da cidadania e da dignidade da pessoa humana. E que tema poderia ser mais urgente, para a sociedade brasileira, no momento em que o Brasil se revela um país que arrecada anualmente mais de três trilhões de reais em impostos e que, no entanto, devolve muito pouco em benefícios para seus cidadãos? Há, certamente, algo de errado com a organização do Estado brasileiro.
E o mais importante das reflexões trazidas pelo autor está no fato de que a mesma Carta Constitucional que fundamenta e regulamenta a legalidade da cobrança de impostos pelo Estado estabelece como fundamentos constitucionais da República Federativa do Brasil os valores da cidadania e da dignidade da pessoa humana (Art. 1º, incisos II e III) estabelecendo como objetivos da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e que erradique a pobreza e a marginalização, reduzindo as desigualdades sociais e regionais (Art. 3º, incisos II e III). Portanto, haveria uma estreita correlação entre o direito do Estado de arrecadar tributos e sua obrigação de cumprir e fazer cumprir os fundamentos e objetivos estabelecidos na mesma Carta Constitucional em relação aos direitos de cidadania e dignidade humana de seus cidadãos. Nesse sentido, o autor analisa a realidade brasileira, que revela grande contradição entre a existência de mecanismos que garantem a arrecadação tributária, dentre os quais está o imposto sobre a renda, e a ineficiência estatal e jurídica em instituir mecanismos de contrapartida, isto é, que garantam a cidadania e a dignidade da pessoa humana no meio social brasileiro.
Assim sendo, esteja certo o leitor, a presente obra, fruto de grande inquietude e contribuição intelectual, certamente contribuirá para a compreensão de um dos temas mais caros para a cidadania e para a dignidade do cidadão brasileiro: a necessária e urgente equação entre o poder de tributar e arrecadar impostos por parte do Estado brasileiro e a inexorável necessidade de se construir uma sociedade livre, justa e solidária.
Everaldo T. Quilici Gonzalez
Prof. doutor em Direito pela Faculdade de Direito da USP; prof. titular do Programa de Mestrado em Direito da Unimep; professor do Curso de Direito do Centro Universitário Adventista e professor do Curso de Direito do Centro Universitário Salesiano.
1. Jagger, Paidéia: a formação do homem grego, p. 89 e s/s.
Introdução
A Constituição Federal de 1988, em seu preâmbulo, ratificou que a instituição do Estado Brasileiro foi destinada a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista, sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias. Esses são os valores do Estado Democrático de Direito pátrio, pilares norteadores dos direitos fundamentais do cidadão brasileiro.
Para atingir as finalidades expressas nos acima referidos valores constitucionais, o Estado necessita de recursos financeiros. Recursos provindos de diversas fontes, dentre elas, o direito de tributar nos termos da Constituição Federal.
A despeito desse contexto constitucional, impõe-se constatar que o Direito Tributário tornou-se um mero financiador do Estado. Ou seja, apenas um importantíssimo instrumento de arrecadação de receitas, que se