Simulações em genética de populações e conservação de recursos florestais
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Simulações em genética de populações e conservação de recursos florestais - Lia Rejane Silveira Reiniger
Final
Prefácio
A ideia para escrever este livro surgiu da necessidade de tornar mais acessível o conhecimento sobre a aplicação dos princípios da genética de populações na conservação dos recursos naturais, com particular enfoque aos recursos florestais. São informações vinculadas à dissertação de mestrado do primeiro autor, em que foram utilizadas simulações, realizadas em um programa de computador, de dados obtidos por análises com marcadores moleculares do tipo microssatélites para estimar padrões ecológicos, genéticos e reprodutivos, e, em decorrência disso, caracterizar as populações em estudo e definir estratégias para a sua conservação.
Devido à carência de trabalhos que efetuem uma abordagem conjunta dos princípios da genética populacional e sua aplicação na conservação de recursos naturais, através de simulações de parâmetros genéticos, foi realizada a presente obra com vistas a facilitar as pesquisas nesta área.
Esperamos que os assuntos aqui tratados estejam de acordo com as necessidades dos nossos leitores, os quais, assim como nós, interessam-se em mergulhar nesse mar
que é a conservação dos recursos naturais florestais, e, simultaneamente, que forneçam subsídios úteis a um embasamento teórico adequado para o assunto relacionado.
Boa leitura!
Introdução
Nas últimas décadas a população humana cresceu de maneira exponencial (de 1 bilhão em 1850 cresceu para 2 bilhões em 1930, chegando a 6 bilhões em 1998). Esse crescimento tem sido acompanhado por uma crescente degradação do habitat e fragmentação dos diversos ecossistemas do nosso planeta, os quais albergam populações naturais de diversas espécies. O uso crescente dos recursos naturais, construção de estradas, ferrovias e cidades, a necessidade de expansão dos campos agrícolas, figuram entre as principais atividades humanas responsáveis pela destruição dos ecossistemas, representando assim uma ameaça para a manutenção e viabilidade de populações naturais e espécies respectivas. Espécies tropicais são particularmente muito vulneráveis aos efeitos da degradação do habitat devido às suas características demográficas e reprodutivas que incluem baixa densidade de ocorrência, sistemas complexos de autoincompatibilidade, altas taxas de cruzamentos e interações íntimas com polinizadores e dispersores de sementes (Primack; Rodrigues, 2001; Lowe et al., 2005; Quesada et al., 2013).
Instituições governamentais e não governamentais no mundo inteiro têm investido bastante na conservação das espécies, uma missão que se tornou mais efetiva com o surgimento da genética de populações. A abordagem genética para a conservação considera a população como a unidade básica para conservar espécies individuais. Por outras palavras, a conservação de uma determinada espécie passa pela conservação da diversidade genética portada pelos indivíduos que compõem suas populações ao longo de sua distribuição geográfica.
Populações com variabilidade genética reduzida têm, em curto prazo, aumentada sua susceptibilidade a doenças e pragas e agentes abióticos como a ocorrência de geada; além disso, uma endogamia forçada pela fragmentação de populações, por exemplo, aumenta os riscos de ocorrência da depressão por endogamia. Em longo prazo, a redução da variabilidade genética reduz a flexibilidade evolutiva, isto é, a capacidade das populações em responder a alterações nas pressões de seleção. A variabilidade genética é reconhecida como a componente chave para a sustentabilidade das espécies, pois fornece matéria-prima para a adaptação, evolução e sobrevivência, especialmente sob mudanças ambientais e ataque por pragas e doenças, justificando assim a sua conservação (Lowe et al., 2005; Vinson et al., 2015).
Com o passar do tempo, esforços para a conservação resultaram no estabelecimento do conceito de população mínima viável, o tamanho de uma população abaixo do qual os efeitos genéticos são mais severos, tornando o risco de extinção de espécies extremamente elevado. Porém, esse parâmetro é variável e dependente de aspectos reprodutivos, demográficos e genéticos, que devem ser estudados com vista ao seu estabelecimento para uma população específica (Flather, 2011; Peng et al., 2013).
Com os avanços na área da informática, novos métodos e programas de simulação foram desenvolvidos na área da biologia evolutiva para inferir sobre eventos passados a partir de dados atuais, permitindo desvendar as relações evolutivas entre caracteres moleculares simples, genes, genomas e espécies. Para além dos programas que fazem a simulação para trás no tempo (coalescência), foram também desenvolvidos programas que realizam simulação para frente no tempo, permitindo prever fenômenos futuros sob cenários genéticos reais (Dalquen et al., 2012; Yuan et al., 2012).
Na presente obra é realizada uma abordagem dos princípios da genética populacional e sua aplicação na conservação de recursos naturais, através de simulações de parâmetros genéticos. A obra é composta por três capítulos; no primeiro capítulo são abordados os princípios básicos da genética de populações e a importância da conservação da variabilidade genética em função da crescente destruição e fragmentação dos ecossistemas. Será dada ênfase aos sistemas reprodutivos, caracterização de populações com base em marcadores moleculares e equilíbrios genéticos em plantas. O segundo capítulo está reservado à aplicação dos princípios da genética de populações na conservação dos recursos naturais, sendo abordados temas como, Tamanho Efetivo Populacional, População Mínima Viável e Área Mínima Viável. Já no terceiro capítulo, dar-se-á ênfase às simulações de dados genéticos com base em aplicativos computacionais, visando obter parâmetros reprodutivos, ecológicos e genéticos, com base em dados da estrutura genética obtidos com base em marcadores moleculares, particularmente, os microssatélites.
Capítulo 1
Princípios Básicos da Genética de Populações
1. Considerações gerais
As populações naturais constituem de um grande reservatório de variabilidade genética a qual é acumulada por várias gerações de cruzamentos. As mutações são a fonte primária de variação genética, criando novos alelos que são redistribuídos na população através da recombinação na meiose, permitindo a criação de infinitas possibilidades genotípicas. O fluxo gênico permite a chegada de novos alelos, contribuindo também no aumento da variabilidade genética. Porém, fatores como deriva genética, seleção natural e cruzamentos preferenciais atuam no sentido de reduzir essa variabilidade (Hartl; Clark, 2010).
A maneira como essa variabilidade é transmitida de geração em geração é estudada pela genética de populações, uma área da biologia evolutiva, haja vista que os fatores mutação, migração, deriva genética e seleção natural modificam a composição genética, isto é, alteram as frequências alélicas e genotípicas, que são as características principais de uma população. O processo de alteração de frequências alélicas e genotípicas de uma população é também conhecido como microevolução ou evolução biológica, a qual difere da macroevolução que resulta na especiação. A genética de populações estuda também a distribuição da variabilidade genética dentro e entre populações, fornecendo subsídios para a conservação, sobretudo, de populações fragmentadas em subpopulações de tamanhos menores onde os efeitos dos fatores evolutivos são potenciais (Hartl; Clark, 2010).
Sob o ponto de vista genético, uma população é definida como o conjunto de organismos intercruzantes, ou seja, que trocam alelos entre si, compartilhando assim um pool gênico (Pinto, 1995). Essa definição exclui, no entanto, conjuntos de plantas autógamas, as quais não trocam alelos ou o fazem em proporções muito baixas. Há que ressaltar que o conceito de espécie aqui referido difere do taxonômico, estando relacionado apenas com a existência de homologia nos cromossomos dos diferentes indivíduos, o que permite seu pareamento na prófase da meiose e originar descendentes igualmente férteis.
Os princípios básicos da genética de populações foram desenvolvidos na década de 1930 por Fisher, Wright e Haldane, antes mesmo do conhecimento da estrutura do DNA, por Watson e Crick em 1953, que revolucionou as pesquisas nessa área por permitir o desenvolvimento de marcadores moleculares. Há que realçar, porém, que essas pesquisas avançaram após a redescoberta dos trabalhos de Mendel, o qual estabeleceu as bases da hereditariedade sob condições controladas, isto é, com genótipos parentais conhecidos e cruzamentos dirigidos. Em seus experimentos com ervilheiras, Mendel (1865) descobriu que a transmissão dos caracteres hereditários é feita através de partículas ou fatores (hoje denominados genes) que se encontram nos