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Os anjos contam histórias
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Os anjos contam histórias
E-book236 páginas3 horas

Os anjos contam histórias

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Sobre este e-book

Ouro Preto, Minas Gerais. Século XVIII. Manuel Francisco tem quinze anos. É filho do Aleijadinho, grande amigo dos Inconfidentes. As esculturas de seu pai, principalmente os anjos, parecem ocultar alguma coisa — talvez o paradeiro da cabeça do líder do movimento, Tiradentes, roubada da praça em que as autoridades a haviam pendurado.
Mas quem teve a coragem de roubá-la? Qual o destino que lhe foi dado? São enigmas da Inconfidência Mineira que permaneceram, embalados ainda na poesia de Cláudio Manuel da Costa. Os anjos contam histórias combina aventura, ousadia na criação artística, ideais e luta numa narrativa repleta de suspense e mistério.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento8 de mai. de 2013
ISBN9788506069714
Os anjos contam histórias

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    Os anjos contam histórias - Luiz Antonio Aguiar

    Luiz Antonio Aguiar

    Os Anjos

    Contam Histórias

    Para meus amigos de Olhos Sonhadores:

    Colegas do Curso de Comunicação e

    Companheiros de Movimento Estudantil

    da PUC-RJ nos anos 1970

    Sumário

    Visões

    I

    Rebeldes

    1. A Noite Espantosa

    2. Terra dos Anjos

    3. Glauceste Satúrnio

    4. A Filha da Bruxa

    II

    Heróis

    5. Meu Querido Amigo

    6. Gênios e Heróis

    7. Coração Espremido

    8. Com Cara de Santarrão

    9. Despedidas

    III

    Profetas

    10. Santuário

    11. Um Rasgo nos Céus

    IV

    Anjos

    12. O Pai, o Filho e o Filho do Filho

    Memória

    Contexto Histórico, Artístico e Cultural

    Referências bibliográficas

    Sobre o autor

    Sobre o ilustrador

    Créditos

    Os Anjos Contam Histórias

    é uma ficção.

    A base histórica

    foi livremente

    usada e

    combinada à invenção,

    ao sabor da trama.

    Vive outra vez: das cinzas da ruína

    Ressuscita, ó Salício; dita; escreve;

    Seja o epitáfio teu: a cifra breve

    Mostrará no discreto e no polido,

    Que é Salício, o que aqui vive escondido.

    Epicédio II – A morte de Salício

    Glauceste Satúrnio

    [Cláudio Manuel da Costa]¹

    ...mestiço, ele [o Aleijadinho] vagava no mundo.

    Ele reinventava o mundo.

    Mário de Andrade

    Onde está a cabeça

    de Tiradentes?

    No dia 21 de abril de 2012, fez 220 anos que Joaquim José da Silva Xavier – o Tiradentes – foi enforcado e esquartejado, por ordem da Coroa portuguesa. Isso está em qualquer livro de história. Mas o que pouca gente sabe é que, séculos depois, um mistério permanece: onde está a cabeça de Tiradentes?

    O Mártir da Inconfidência Mineira, um movimento que pregava a independência do Brasil, foi o único a pagar com a vida pela conspiração contra Portugal. A sentença foi cruel: depois de ser decapitado e esquartejado, partes de seu corpo deveriam ficar expostas ao público ao longo da Estrada Real, que ligava o Rio de Janeiro a Vila Rica – hoje Ouro Preto.

    Um braço foi parar no distrito de Sebollas, no Rio de Janeiro. Uma perna ficou em Conselheiro Lafaiete, Minas Gerais. A cabeça ficou pregada no alto de um poste em Vila Rica, mas acabou desaparecendo. Este é um enigma que não foi desvendado até hoje.

    As hipóteses

    Dizia-se que um ente sobrenatural, que aparecia lá pelo lado da Rua das Cabeças, da Cruz das Almas, teria sido o ladrão dessa cabeça, diz Rui Mourão, diretor do Museu da Inconfidência.

    Ele ficava rezando diante de um crânio à noite, com as velas acesas, conta o padre José Simões.

    O povo começou a dizer que ela havia sido roubada, depois que ela desapareceu numa enxurrada, acredita um morador de Ouro Preto.

    Também foi dito que o Aleijadinho teria feito uma caixa, de pedra­-sabão, e lá dentro a cabeça teria sido preservada, junto com ouro em pó, diz outro.

    As lendas a respeito do sumiço da cabeça de Tiradentes são muitas, mas até agora não surgiu uma pista sequer. A esperança de encontrar um documento que indique onde está enterrado o crânio ainda existe.

    [...]

    O fim que levou o último resto mortal deste herói brasileiro é um segredo perdido na poeira dos séculos. Duzentos e onze anos depois, fica a pergunta: Onde está a cabeça de Tiradentes?.

    oglobo.com

    Acesso em: 15 maio 2012

    Visões

    [Eremitério de Nossa Senhora Mãe dos Homens, Serra do Caraça, Capitania de Minas Gerais, 19 de março de 1831]

    (...) Assim, sempre que fecho os olhos, me voltam imagens daquela noite espantosa quando praticamos o ato temerário que ninguém mais em Vila Rica ousou sequer cogitar, embora todos o desejassem. Um ato que virou lenda!

    Você e eu, minha Joanna, tínhamos quinze anos, então. Era madrugada de 13 de maio, e o ano foi 1792, lembra? Ora, como não lembraria?

    A tirania, não satisfeita com as humilhações que nos infligira desde a derrota da Conjura, pensou num formidável golpe final no espírito de liberdade que ainda pairava por nossas ruas de pedra. A cabeça do Mártir deveria apodrecer à vista de todos, exposta infamemente, dentro de uma gaiola içada a um poste na Praça do Pelourinho, o logradouro central de Vila Rica, onde os escravos eram castigados. A mensagem era afrontosa: nós, os escravos rebelados, estávamos sendo punidos.

    Ali, portanto, sob a vigilância dos muros da Fortaleza do visconde assassino, os que conheceram o nosso alferes desde pequeno, que foram seus amigos e vizinhos, que costumavam encontrá-lo pela cidade, cumprimentá-lo, conversar com ele, que o admiravam por suas ideias e, depois, por sua bravura diante dos farsescos tribunais carrascos, seríamos constrangidos a assistir, cabisbaixos, dia após dia, à decomposição de suas feições e de seu crânio.

    Era a tirania cuidando de salgar de novo a terra para aniquilar toda resistência, toda revolta. Mas, naquela gente arrogante, a frustração de se verem privados de nos baterem no rosto mais esse insulto teve o efeito de um pontapé nos fundilhos, como o que, agora, estão levando no Rio de Janeiro.

    E, caprichosamente, tendo sido obra de dois jovens – sim, éramos tão jovens, eu e você, mas já éramos tão apaixonados que, penso, não sabíamos como lidar com isso –, tornar-se-ia também o maior mistério da Inconfidência, já que todos para sempre se perguntariam o que tinha sido feito da cabeça de Tiradentes.

    Claro que não prevíamos – ou, somente meu pai, quem sabe, afinal ele conversava com anjos – que o troféu que ostentavam para nos quebrar o brio estivesse prestes a se tornar um fantasma desafiador que se multiplicaria nos rebeldes triângulos, riscados nos muros da cidade. Um fantasma que não deixa de assombrar os opressores até hoje.

    Minha Joanna, minha amada, minha cúmplice e minha amiga, refúgio de meu espírito e meu lar a distância, onde quer que eu me encontre...

    Aqui estou, no Convento do Caraça, entre os franciscanos. Meu tio, Padre Félix, pediu que me acolhessem, e, como favor a um irmão da mesma ordem, me aceitaram.

    Meu tio continua corajoso, como sempre foi, e um republicano, embora discreto. Estava entre os sacerdotes do Diretório da Ordem que encomendaram a missa, em Vila Rica, pela alma de Líbero Badaró, o jornalista assassinado em São Paulo, o opositor de Pedro de Bragança. Os franciscanos cuidaram para que o réquiem fosse celebrado bem quando o dito imperador passava pela cidade. Se era apoio o que queria dos mineiros, o Bragança retornou de mãos vazias, expulso pelo fragor dos campanários insubmissos. Na volta, caiu direto num caldeirão de revoltas, na Corte, que logo vai expulsá-lo de volta aos seus em Lisboa. Já vai tarde!

    Ah, minha Joanna, queria ter estado em nossa cidade, na ocasião. Você terá escutado os sinos, repicando em todas as igrejas? Terá se lembrado de mim? Certamente que sim.

    Estou bem e, agora, a salvo. Imagino que deva ter se preocupado; imagino também que boatos funestos terão chegado até você, depois da minha fuga da Corte. Circulou que as milícias que apoiam o Bragança haviam conseguido me capturar e que inevitavelmente, como tantos outros irmãos de luta, eu teria sido assassinado no meio da madrugada e despejado num beco imundo qualquer.

    É fato, a cidade ficou perigosa para os que defendem a verdadeira independência. Mas, ora, se minha cabeça esteve mesmo a prêmio, não era o prêmio mais valioso, nem a cabeça mais importante que caçavam por lá.

    Outros permaneceram na luta, e, logo que houver menos interesse por este humilde carpinteiro, voltarei para estar mais uma vez lado a lado com eles, nas ruas. Creio que, não demora, conseguiremos chutar do país o Bragança – o supliciador de Frei Caneca e neto de ­Maria, que por sua vez supliciou Tiradentes e profanou seus restos mortais.

    E então, minha Joanna, eu retornarei definitivamente para o seu abraço e o seu beijo, depois de tantas andanças e batalhas.

    Como eu disse, aqui estou, neste lugar de paz, cercado pela mais exuberante das serras. Meu pai adoraria ver o quadro de seu amigo Ataíde, A Última Ceia. Creio que, nessa pintura, há algo daquele sentimento fraterno de que desfrutavam, não por terem convivido muito, mas porque a arte de cada um parecia ter nascido para completar a do outro, e assim foi em suas obras mais prodigiosas, a Igreja de São Francisco, em Vila Rica, e a Via­-Sacra, em Congonhas do Campo. Nesse quadro vejo, abismado, um frango desossado, ao centro da mesa; e mulheres alegres ornamentando as laterais, ambas as imagens bastante irreverentes, contrastando com a elevação da cena bíblica... E me pergunto se foi o espírito do meu pai a inspirar o pintor. Além disso, agora que pude, com serenidade, observar estes céus, dou razão ao meu pai: os rosáceos dos tetos de igreja de Ataíde são os do nascer do sol que se contempla do alto das montanhas desta terra. Como ele os capturou, é este o grande enigma.

    Aqui, sobre uma tosca e maciça escrivaninha, tenho a pequena tríade de anjos que meu pai esculpiu para mim, em pedra-sabão, e me deu. Eu a tenho levado comigo a toda parte.

    Bem do meu pai, aliás, estes anjos. Somente ele sabia lhes dar aos olhos essa insinuação maliciosa, como a não deixar dúvida, a quem os vê, de que guardam um segredo. E que, por mais que se lhes olhe, será impossível decifrá-lo ou sequer enxergá-lo. Está ali, mas não é visível, o segredo que meu pai lhes incutia já ao lhes dar forma, aos anjos. Ao mesmo tempo que, fosse na pedra ou na madeira, dotava-os de uma arte única, uma aura, essa pureza que ele ia pegar no mundo celeste... Que nos fazia vislumbrar os céus.

    Pena que meu pai não esteja mais entre nós para viver o momento da realização deste que foi um de seus sonhos diletos – a independência, a liberdade. Sem dúvida, se reaparecesse aqui, desta feita suas esculturas evocariam a eternidade com mais esperança e alegria.

    Todo amanhecer, assisto à missa. Temos um grupo de beneditinos, em estada no convento, e eles realizam lindas cerimônias, ao som de cantos gregorianos. Passo também muitas horas na biblioteca: há tesouros espantosos naquelas prateleiras, incunábulos legítimos e outros livros também com séculos de existência.

    A comida é farta e deliciosa. Os ingredientes são extraordinariamente frescos, tirados das hortas e criações da Ermida. Cada qual prepara sua refeição, assim como ­cuida da limpeza da sua cela. Além disso, pediram-me para fazer alguns consertos de móveis, balaustradas e portas, e fabricar dois bancos novos para a igreja, cujos altares também não desdenhariam um par de mãos familiarizadas com o trato da madeira, já que andam bem necessitados de reparos. Os frades aqui trabalham incessantemente, e não quero fazer feio diante deles. Já desconfiam que, por ser filho e neto de escultores, de artistas tão renomados, eu não saiba usar o martelo e o cinzel para tarefas terrenas.

    Alojaram-me numa cela à beira do pátio interno, no qual está instalado um curioso relógio de sol, feito de pedra. Ao fundo do pátio, desce-se para as catacumbas, onde jazem enterrados todos os frades que aqui habitaram, inclusive meu predecessor nesta cela – fui lhe agradecer, nesta manhã, a hospitalidade. Pelo que sei, foram dele também o catre em que durmo, a mesa e a cadeira que completam o mobiliário. Disponho ainda de uma bilha para trazer água, de uma bacia para minha higiene e de um pequeno castiçal de latão para sustentar a vela de leitura noturna. Cederam-me uma batina e camisolões (provavelmente legado de outro residente das catacumbas), já que tive de partir às pressas, da Corte, só com a roupa do corpo. Estavam mais largos, em mim, quando cheguei, mas agora, com poucos dias, começam a me cair direito. Nada como comer bem e dormir em horas certas – mas isso você vive me dizendo.

    Mais para baixo, no prolongamento do mesmo corredor da minha cela, é o antigo aposento de Frei Lourenço, o fundador do convento. Hoje, lá se guardam trastes e velharias. Ninguém ousa tocar no que foi dele, muito menos jogar fora quaisquer de seus pertences, por mais que estejam aos cacos. Fica tudo lá, juntando poeira.

    Vou lhe confessar uma coisa... Vi o fantasma de Frei Lourenço, na noite passada. Eu acordara inquieto, muito suado. Saí então da cela para tomar ar, e lá estava ele, com seu rosto fino, nariz adunco, semblante severo, irradiando uma luminosidade leitosa, como a da Lua. Parecia estar dando uma volta pelas dependências do convento, vistoriando tudo tarde da noite, como me disseram que era seu hábito. Veio subindo o corredor, lançou-me um olhar de passagem e seguiu adiante.

    Engasguei, não consegui dizer nada, nem respirar – como

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