Memórias do bullying
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Memórias do bullying - Tahiana Borges
Aos meus pais, Jorge e Cristina,
Foi graças ao amor e à dedicação de vocês que fui capaz de superar os meus medos e dificuldades. A nossa estrutura familiar, os almoços em família e os ensinamentos de fé foram os principais responsáveis por fortalecer a minha autoestima e o meu caráter.
A vocês devo os princípios e valores que levarei por toda a minha vida, bem como a força que encontrei para enfrentar os obstáculos e transformá-los em objeto de altruísmo e amor.
Sem esse amor, sem os conselhos, sem essa família, eu jamais teria sido tão amada e tão feliz! Espero poder um dia retribuir tudo o que vocês já me proporcionaram!
Amo vocês!
AGRADECIMENTOS
A Deus, pela família na qual me colocou e pelos caminhos que me permitiu trilhar. Porque d’Ele, por Ele e para Ele são todas as coisas.
Ao meu esposo, Ricardo Borges, um presente de Deus em minha vida, que por meio de seu exemplo diário tem me ensinado o caminho da paciência e da tolerância. Agradeço por compreender a minha ausência nas inúmeras vezes em que precisei me debruçar sobre livros e computadores. O seu apoio, o seu incentivo e a sua confiança no meu trabalho me deram forças para não desistir. Sua presença em minha vida me faz sentir protegida, amada e respeitada. Amo você para sempre!
À minha irmã, Taiala Andrade, pelas vezes em que tentou me proteger ou me defender, mesmo sendo a irmã mais nova. Sua coragem e seu sorriso me ensinaram que é possível levar a vida com leveza e bom humor.
À minha vovozinha, Maria do Carmo, que me ensinou que o amor próprio é fundamental e que não importa o que as pessoas nos façam ou nos digam, devemos seguir em frente sempre.
SUMÁRIO
PREFÁCIO
INTRODUÇÃO
1. BRINCADEIRA DE CRIANÇA
Bullying, o que é isso?
2. A JABURU
MAIS FEIA QUE EU JÁ VI!
O que há por trás dos apelidos?
3. VOCÊ NÃO ENTRA!
Exclusão e isolamento escolar
4. SOCOS, MURROS E PONTAPÉS
A agressão física
5. QUEM É QUEM?
O perfil dos envolvidos
6. POR QUE NÃO NOS CONTOU ANTES?
Por que as crianças nunca contam aos pais?
7. QUAL É O PROBLEMA?
As consequências do bullying
8. O QUE FAZER DIANTE DE TUDO ISSO?
Estratégias de prevenção
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
PREFÁCIO
É um ato de extrema responsabilidade o de encaminhar ao leitor o conteúdo de uma obra e, ao mesmo tempo, motivá-lo a mergulhar nesse saber que se apresenta aos seus olhos. Foi capturada pelo conteúdo do livro e contagiada pelo sentimento de alegria que aceitei essa missão.
Como psicanalista, tendo visto desfilar diante de mim, em 35 anos de escuta, psiques que buscam reescrever suas histórias, sinto-me tocada pela grande capacidade do ser humano de ressignificar situações, mesmo as mais difíceis.
Assim, prefacio a linda obra de Tahiana Andrade S. Borges, querida colega e amiga, com a mente e com o coração. Emocionei-me em muitas passagens com os relatos de sofrimento e, em seguida, rejubilei-me com a capacidade da autora de metamorfosear a dor, tal qual uma lagarta que deixa de se rastejar no tronco da árvore, voa alto como borboleta e pousa no galho mais próximo do firmamento.
Não foi à toa que escolhi essa metáfora. Borboleta
é uma palavra que também significa alma
em grego. A palavra é psique! Nossa alma transcende as circunstâncias e se desdobra em circuitos inimagináveis.
A presente obra é apresentada com precisão, objetividade, leveza e aprofundamento científico, de modo criterioso e belo. Tahiana demonstra ser uma verdadeira cientista preocupada em vasculhar bibliograficamente todo o tema e perquirir com sabedoria o que encerra esse comportamento perverso: o bullying. Ao mesmo tempo, esta obra toca o coração, comovendo e dando alento.
Parafraseando Sigmund Freud, sublimar é um dos destinos da pulsão
. O desejo epistemofílico (desejo pelo conhecimento) que levou a autora a se refugiar nos livros e buscar sentido para todo aquele não sentido
foi o que a salvou daquela dor. Nesta obra, Tahiana Andrade S. Borges demonstra coragem de se expor sem medo, de se colocar, de desvendar suas emoções, as mais íntimas, de apresentar sua defesa por meio do saber e da competência.
Fico muito sensibilizada com tamanho desejo de ir além e ajudar àqueles que também sofrem com as consequências dessas feridas. Buscar desmontar esses movimentos perversos é denunciar a pequenez humana e compreender que o silêncio apenas compactua com as montagens e os traços perversos na sociedade contemporânea.
Lendo este livro senti uma força muito grande e um desejo de que essa sua atitude, fruto da resiliência, testemunhe aos seus pósteros uma história de superação, uma verdadeira aventura psíquica que somente um alguém que tivesse um forte alicerce familiar poderia suportar.
Assim como sabemos que a humildade precede sempre a honra, a fé concede a convicção de se estar saboreando, degustando, a dupla honra que substitui o tempo da vergonha!
Mônica Veras
Psicóloga clínica e psicanalista, presidente do NAPSI, formação em Psicanálise e supervisora da Clínica Escola do NAPSI.
INTRODUÇÃO
Eu estava com dez anos de idade quando minha família precisou sair da capital da Bahia para o interior do estado. A mudança foi repentina, no meio do ano letivo, em 1997. Nessa época, não tínhamos wi-fi, smartphones, acesso ilimitado à internet nem a popularização das redes sociais. Eu era uma adolescente tímida e estava enfrentando a difícil tarefa de deixar para trás avós, primos e amigos. Mudei-me do condomínio que morei por toda a minha vida, onde todos me conheciam, e de uma cidade grande repleta de atrativos e diversões para uma cidade pequena, um condomínio novo, uma escola nova, e me vi cercada de centenas de rostos desconhecidos. Tudo o que eu queria era acolhimento, aprovação social, novos vínculos sociais. Algo que me dissesse que aquela mudança de cidade poderia não ser tão difícil quanto parecia.
Por alguns meses estudei em uma escola muito pequena, de cunho religioso, para terminar a quarta série do Ensino Fundamental. Nessa escola, todos tinham apelidos inocentes
que, aparentemente, jamais se tornariam brincadeiras ofensivas ou constrangedoras. Foi quando recebi o meu primeiro apelido: chupa-cabra.
O apelido só se tornou um problema, de fato, quando no ano seguinte ingressei em outra escola, na quinta série. Eu era nova no colégio e na cidade, enquanto que a grande maioria das outras crianças já se conhecia há alguns anos. Alguns dos meus colegas da escola anterior estavam, coincidentemente, na mesma turma que eu, e por causa deles o apelido de chupa-cabra
alastrou-se rapidamente pelos corredores. O que eu ainda não sabia era que ser chamada de chupa-cabra
seria apenas o começo de uma jornada difícil de isolamento, rejeição e exclusão social. O que veria a seguir seriam anos de insônia, dores de estômago e autoestima baixa.
Na época em que fui vítima de bullying, o termo era tão pouco conhecido que o fenômeno parecia ser inexistente. Na realidade, naquela época, eu jamais tinha ouvido falar sobre o assunto, e só fui conhecer a palavra e o seu significado alguns anos depois, quando eu já não era mais uma vítima.
Acredito que isso se deva ao fato de que os estudos sobre esse fenômeno escolar tenham demorado a começar no Brasil e que somente na década de 1990 as pesquisas sobre o assunto passaram a ter algum destaque. Apenas em 2001 a Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência (Abrapia) começou a estudar e pesquisar sobre bullying. Nessa época, com internet discada e ausência de rede 3G, ter internet em casa ainda era artigo de luxo, o que significava pouco acesso ao conhecimento e às informações, dificultando ainda mais a divulgação das novas pesquisas sobre bullying.
É claro que, apesar do pouco acesso à internet, histórias de bullying chegavam frequentemente a nossas casas por meio dos noticiários de televisão. Casos como o do adolescente Michael Carneal, que no dia 1º de dezembro de 1997, aos 14 anos, atirou em oito estudantes em uma escola no Kentucky, EUA, entristeciam-nos diante da infeliz surpresa de fatos tão chocantes envolverem crianças e adolescentes. Segundo relatos, o adolescente em questão era vítima de bullying na escola que frequentava e vinha sofrendo assédio de seus colegas devido ao fato de usar muita roupa preta!
Mas não eram apenas os noticiários que nos mostravam essas histórias chocantes. Filmes americanos também exibiam – e ainda exibem – cenas nos corredores das escolas em que a garota popular humilha a gordinha, ou os rapazes do time de basquete excluem o nerd que é apaixonado pela patricinha.
O que quero dizer com isso é que, apesar do pouco estudo sobre o bullying e sobre suas implicações sociais e psicológicas, ele sempre esteve entre nós. Talvez a expressão bullying
tenha dado ao fenômeno uma conotação superficial relacionada ao tema, dando a entender que apenas casos extremos, como o de Michael Carneal, é que merecem importância. Esse engano tem levado muitos professores a alegar, equivocadamente, que em suas escolas e salas de aula não há bullying. Esse equívoco pode se tornar evidente quando, ao entrarmos nessas escolas, percebemos, em poucos minutos, os apelidos e as brincadeiras de mau gosto que as crianças trocam entre si. Com um pouco mais de atenção, podemos enxergar crianças isoladas, excluídas e ignoradas por seus colegas de classe. E percebemos, então, que o bullying está presente em todas as escolas, principalmente naquelas que o negam veementemente.
Diante da extensão do fenômeno, o bullying se tornou um problema de saúde pública, não se restringindo apenas à área educacional, mas expandindo-se aos estudos da psicologia e área médica. Não se preocupar com a existência do bullying é negar o compromisso ético com o bem-estar de crianças e adolescentes, às vezes nossos filhos, sobrinhos ou netos… às vezes, nosso passado, como no meu caso.
Por ter sido vítima de bullying e ter vivido a experiência desse fenômeno, posso garantir com certeza que há diversos motivos pelos quais devemos nos preocupar com ele. Dentre essas preocupações costumo ressaltar uma informação sobre o bullying que poucos reconhecem: há consequências desse fenômeno que podem repercutir até a vida adulta.
Na verdade, trechos de meu sofrimento escolar como vítima de bullying ilustram este livro em diversos momentos. Todavia, seria egoísta e limitado resumir as preocupações do bullying à minha devastadora experiência infantil. Assim, trago neste livro muitas pesquisas no âmbito da Psicologia, da Psicopedagogia, da Neurociência e de diversas linhas de estudos a respeito do bullying e da violência escolar. Escrevo como vítima e como psicóloga ao relatar minhas experiências infantis em paralelo aos meus estudos e minhas experiências profissionais, dando ao tema a possibilidade de ser percebido e estudado a partir de duas perspectivas diferentes.
Os estudos científicos a respeito do bullying nos mostram estatísticas, conceitos, consequências e formas de intervenção, ao passo que as ilustrações da minha infância sensibilizam e emocionam.
Diante do exposto, faz-se necessário esclarecer que, ao contar a minha história, não estou tentando fazer um apelo emocional para quem lê as minhas palavras. Ao fazer um relato pessoal, quero que os pais, professores, pedagogos e psicólogos tenham a oportunidade de compreender com mais profundidade as emoções que envolvem o bullying. Quero que compreendam que esse fenômeno não é brincadeira de criança, pois há diversos sentimentos dolorosos envolvidos. Quero que percebam que algumas sequelas psíquicas são eternas e que é desses pais e professores que depende a transformação desse sofrimento em superação ou em transtornos mentais e de comportamento.
Ao mesclar a minha história pessoal com o meu conhecimento de psicóloga sobre o bullying, quero que, se alguma vítima carregar este livro nas mãos, tenha a oportunidade de compreender que ela não é única em seu sofrimento e possa buscar ajuda o quanto antes. E, assim, espero evitar que outras crianças passem pela mesma dor que eu passei.
Quando algumas crianças se divertem à custa do sofrimento de outras crianças, podemos chamar isso de bullying.
A palavra bullying
é originária do termo em inglês bully
, que significa valentão, brigão, mandão, e não possui tradução para a língua portuguesa. É possível definir o bullying como uma subcategoria de agressão e/ou comportamento agressivo caracterizado pela repetitividade e assimetria de forças (Olwes, 1993). A conceituação mais difundida sobre esse fenômeno esclarece que o bullying é um conjunto de atitudes de violência física e/ou psicológica, de caráter intencional e repetitivo, praticado por um agressor contra uma ou mais vítimas que se encontram impossibilitadas de se defender.
As ações do bullying são provocações com caráter degradante e ofensivo, acontecendo sempre de maneira intencional, podendo envolver: apelidos, xingamentos, palavrões, ameaças, isolamento, exclusão, humilhação, chantagem, ridicularização, difamação, perseguição, agressão física, sempre com a intenção de amedrontar, oprimir, maltratar, tiranizar, demonstrar poder, dentre outras.
É um comportamento cruel, intrínseco nas relações interpessoais, em que os mais fortes convertem os mais frágeis em objetos de diversão e prazer, por meio de brincadeiras que disfarçam o propósito de maltratar e intimidar (Fante, 2005).
Em muitos momentos serão aqui utilizados termos técnicos relacionados ao bullying a fim