Corpos Para Um Vitral
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Corpos Para Um Vitral - Ana Júlia Poletto
Ana Júlia Poletto
Corpos para um Vitral
COLEÇÃO NOVOS TALENTOS DA LITERATURA BRASILEIRA
São Paulo, 2013
Copyright © 2013 by Ana Júlia Poletto
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Poletto, Ana Júlia
Corpos para um vitral / Ana Júlia Poletto. -- Barueri, SP : Novo Século Editora, 2012. -- (Coleção novos talentos da literatura brasileira)
1. Crônicas brasileiras I. Título. II. Série.
Índices para catálogo sistemático:
1. Crônicas : Literatura brasileira 869.93
2013
IMPRESSO NO BRASIL
PRINTED IN BRAZIL
DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À
NOVO SÉCULO EDITORA LTDA.
CEA – Centro Empresarial Araguaia II
Alameda Araguaia, 2190 – 11.º Andar
Bloco A – Conjunto 1111
CEP 06455-000 – Alphaville – SP
Tel. (11) 3699-7107 – Fax (11) 2321-5099
www.novoseculo.com.br
atendimento@novoseculo.com.br
ISBN: 978-85-7679-897-2
Agradecimentos
À minha família, sempre presente.
Às amigas: Agadê, Ângela Broilo e Arlete Bigarella, pela leitura e apoio.
A R., pelo amor.
A Desirée, uma peça essencial. Merci, mon amie.
Ao poeta.
Sumário
Capítulo 1 Sol poente em cálice-cristal
Capítulo 2 Voz / Vós
Capítulo 3 Placas
Capítulo 4 Fatias de lua (luta livre)
Capítulo 5 Ressaca matemática (matomática)
Capítulo 6 Minutos a mais. Ruas desertas, nada lá fora, ninguém
Capítulo 7 Cubo, água e sorrisos
Capítulo 8 Rosas e dedos
Capítulo 9 Poeira dourada
Capítulo 10 Silêncio:
Capítulo 11 Gavetas coloridas
Capítulo 12 Martelo e estrelas
Capítulo 13 Areias ferozes em ampulhetas vertiginosas
Capítulo 14 Fome
Capítulo 15 Fácula
Il y a toujours quelque chose d’absente qui me tourmente.
(Camille Claudel, carta a Rodin, 1886)
Capítulo 1
Sol poente em cálice-cristal
[...]
Leitor: volto
Para ti. Um livro que vai morrer depressa.
Depressa antes. Que a onda venha, a onda
Alague: A noite caída em cima de teus dedos.
De encontro à cor de encontro à. Paragem
Da cor. Este livro apertado nas estrelas
Da boca, estrelas.
Aderentes fechadas. Por fora
Leves às vezes, presas.
Para eu batê-las durante o tempo.
Eterno, o tempo. De uma onda maior que o nosso
Tempo. O tempo leitor de um. Autor.
Ou um livro de um Deus com ondas de um mar
Mais pacientes. –
Ondas do que um leitor devagar.
(HELDER, Herberto. Ou o Poema Contínuo. Para um leitor ler de/vagar
. São Paulo: A Girafa Editora, 2006. p. 128-9)
Puxe uma cadeira e sente. Melhor: vá para a cama, ajeite os travesseiros e recoste-se com toda a calma. Elimine a pressa, os pensamentos velozes: não quero isso. Se tiver coragem, encomende um caixão, deite nele, entre velas e suspiros. Respire fundo. Não, não morra. Não ainda. Prevejo uma vida muito longa para você. Por que o caixão? Porque não quero pressa. Quero que você deixe até a morte de lado, ou dentro, ou com você. Quero seus olhos só para mim, minha é agora sua atenção, sua vida me pertence. Mas não utilize como parâmetros o meu longe-perto-longo-curto, porque meu tempo é outro.
Se quiser faça um chá. Se for verão, esqueça-me: são necessários frio e cobertores, dias nublados e talvez um pouco de mau humor. Se for inverno, ponha-me no colo: tocarei em você com dedos gelados. Este frio que sinto é fácil, é perto, é dentro. É o sopro intraduzível em palavras, mas você sente, eu sinto, hora ou outra. Não é frio que se espanta ao fogo, ao sol. É aquele outro, que só se aquece com. Muitas coisas, quase todas raras, raríssimas e inomináveis. Ou comuns. Ou improváveis: não se pode provar, porque se gosta e depois não se consegue parar. Vício, síndrome de abstinência. Mas não vou por aí, porque parei de fumar e não quero reacender essa vontade. Só um minuto...
Deixei você esperando muito tempo? É por isso que reforço: não tenha pressa, porque ela não levará a lugar algum. Nem eu. Mas eu quero ao menos fazer companhia, ter você comigo. Ela, a pressa, foge, cada vez mais rápida, longe, longe.
Se você for etílico como eu, sirva uma boa dose de conhaque. Ou uma taça de vinho. Talvez seja uma boa ideia deixar a garrafa aí mesmo, ao lado, para não tropeçar em mim. Beba, tome o primeiro gole, como se fosse o primeiro e o último: porque sempre é. O primeiro gole, não de hoje, mas da vida inteira, ou em partes. Tanto faz. Só não fale muito: por mais alto que você toque ou fale, só ouço o silêncio. Não deixe ruídos espalhados por onde passar, porque quando voltar, o barulho será infernal, e você não entenderá nada. Nem eu.
Preciso de uma única coisa: a sua atenção. Precisaria de muitas outras, mas por enquanto só isso peço. E calma. E por favor: não julgue. Em nenhum momento. Só escute, beba seu conhaque ou qualquer outro líquido que não seja veneno ou alucinógeno e fume um cigarro. Não fumante? Ótimo, assim tenho companhia: ex-fumante.
Uma noite apenas é aquilo longo demais e muito pouco, mas quero estar aqui, a seu lado, ou você ao meu, para colar, montar, juntar todas essas divisões. Não quero dividir nada, estou a montar algo. E quero sua ajuda.
Não falei ainda do quebra-cabeça? Esqueci. Mas é isso: preciso encontrar as partes. Não preciso de sua ajuda para colocar as peças. Não. Isso requer muita intimidade, quase genética. O que quero são seus olhos para ver pelos meus.
Não contei um detalhe: minha nudez. Dos pés a cabeça, sem nada. Você deve ter percebido, mas eu ainda não havia comentado, e achei melhor... E é cada vez mais frio. Mas não posso me vestir, não antes de revestir tudo isso outra