Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Da lama nasce o lótus
Da lama nasce o lótus
Da lama nasce o lótus
E-book140 páginas2 horas

Da lama nasce o lótus

Nota: 5 de 5 estrelas

5/5

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Com apenas 26 anos, Maria Camila é diagnosticada com um tipo raríssimo de câncer de mama. Inicia-se, então, uma rotina intensa de exames, tratamentos, medicamentos e alterações corporais.

A autora nos conduz pela história de seu adoecimento, percorrendo desde os fatos que antecederam seu diagnóstico até as sessões de quimioterapia, radioterapia, mastectomia, remissão da doença e cura, compartilhando seus pensamentos mais secretos ao longo de toda sua experiência.

Entretanto, esta obra não se trata de um mero relato descritivo sobre rotinas médicas ou procedimentos cirúrgicos. Há um conteúdo riquíssimo de reflexões pessoais, vivências e sentimentos. Percebemos que, por trás de um diagnóstico, existe alguém pensante, repleto de sonhos, projetos de vida, desejos e aspirações. Somos convidados, a cada página, a repensar nossa própria postura diante do mundo cotidiano e a exercermos, sempre que possível, uma autocrítica.

Mais do que uma biografia sobre um câncer, esta é uma obra sobre dores e amores, sobre morte e renascimento, sobre resiliência e redenção. É uma leitura tocante e poderosa, um lindo convite à reflexão. Simplesmente imperdível!
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de jul. de 2019
ISBN9788542813050
Da lama nasce o lótus

Relacionado a Da lama nasce o lótus

Ebooks relacionados

Bem-estar para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Categorias relacionadas

Avaliações de Da lama nasce o lótus

Nota: 5 de 5 estrelas
5/5

1 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Da lama nasce o lótus - Maria Camila Moura

    1. Anunciação

    "Tu vens, tu vens…

    Eu já escuto os teus sinais."

    Alceu Valença

    Os escritos que aqui seguem são antes frutos de uma expiração do que de uma inspiração. Sim, claro, sempre há algo que nos inspira, que de alguma maneira nos adentra e transborda em escrita. No entanto, insisto, este livro é uma expiração. Uma não, várias. Tudo aqui é decorrente de expirações.

    Todas as letras aqui se juntaram e se fizeram texto durante as respirações cansadas que eu dava durante minhas quimioterapias e radioterapia. Foram cinco meses de quimioterapia, 28 sessões de radioterapia e incontáveis suspiros – uns de dor e outros de puro amor.

    A dor era grande, o ânimo, pouco, e a ânsia de vômito, constante. Respirava fundo e, ao expirar, um vômito queria vir, um choro queria visitar e, na maioria das vezes, um sorriso insistia em ficar – teimoso esse danado que, apesar de tudo, se recusava a ir passear.

    Inspirava: Senhor, que eu aguente. Que eu aguente!

    Expirava: Palavras e mais palavras. Umas com nexo, outras nem tanto.

    Inspirava: Senhor, me dê fé, me dê fé!

    Expirava: Te dou palavras e mais palavras.

    E nessa dinâmica de suspiros e mais suspiros encontrei fôlego e paciência. Por vezes, pedia (ou seria perdia?) decência e, ali, sem ter força para muita coisa, Papai do Céu abria uma exceção e me deixava escrevendo, e, assim, tudo foi acontecendo. Foi a maneira mais leve que encontrei de me manter viva. Inspirando, orava, expirando, escrevia. Inspirando, doendo, expirando, passando. Inspirando, pedindo, expirando, conseguindo.

    E, naquele quarto pequeno, deitada, bloco de notas do celular à mão, luz apagada. A voz consolava: calma, dona Maria: inspira, expira, não pira. E foi para não pirar que resolvi escrever. Espero que, de alguma forma, inspire alguém.

    Bem-vindos às minhas (ex)pirações mais sinceras.

    Maria Camila Moura.

    2. Do que nos invade

    "Não chores, meu filho;

    Não chores, que a vida

    É luta renhida:

    Viver é lutar.

    A vida é combate,

    Que os fracos abate,

    Que os fortes, os bravos

    Só pode exaltar."

    Gonçalves Dias – Canção de Tamoio

    Penetra. Melhor, penetras, no plural. Todos sabem: são aqueles que chegam sem serem convidados. Vestem-se como convidados, sorriem como se a todos conhecessem, bebem o que a eles não foi oferecido, comem o que a eles não foi destinado e assim vão consumindo a festa alheia, aproveitando, dançando. Ora, não sejamos tão rígidos, um penetra não estraga a festa de ninguém! Pode até não ser agradável ter um penetra em meio a convidados queridos, mas desconheço o poder destruidor de um penetra solitário.

    Agora imaginemos um penetra sui generis. Ele ficou tão à vontade em sua festa que, por um momento, pensou ser ele mesmo o anfitrião. Encarnou tão bem o novo papel que começou a convidar os próprios amigos, que, como ele, não deixavam de ser penetras. E um a um o convite foi aceito. Sua então celebração em petit comité com seletos amigos virou uma festa sem precedentes, onde só se via um mar de gente, todas desconhecidas. Os bons amigos lá estavam, mas já não podiam ser vistos, e ali, em sua morada, estranhos bebem e comem – à sua custa consomem o que é seu, mas você, ah, você… você é só uma peça deslocada na própria festa. A casa é sua, mas, honestamente, isso pouco importa.

    Você percebe que a ordem está invertida, cai em si de que está tudo errado. Você quer retomar o controle, você quer sua festa de volta, você quer lutar para permanecer em sua morada, e não faz a menor ideia de como agir. Para, pensa um pouco. Você tem de procurar nessa multidão uma maneira de se fazer ouvir, precisa achar uma maneira de falar a todos que se retirem. Não basta falar, é preciso se impor; se for preciso, até gritar, você deve expulsar todos, a casa é sua.

    Um tempo atrás, um penetra desse estilo visitou minha morada, no caso, meu próprio corpo. De início, era só uma célula errada no lugar errado. Ao que me parece, ela foi gostando de onde estava e foi chamando uma amiga célula e outra amiga célula, e todas foram aceitando o convite, milhares delas. Fizeram um grupo tão grande que ganharam até nome próprio: carcinoma metaplásico de células fusiformes, vulgo câncer. Nesse caso, um tipo raro de câncer de mama. Agora, como fazê-las entender que aquela casa era minha e não delas? Como expulsá-las de minha morada?

    Se isso é científico ou sabedoria popular não vem tanto ao caso, mas desde sempre ouvi que três são os principais fatores que influenciam o desenvolvimento de um câncer: disposição genética, maus hábitos (fossem estes alimentares, um estilo de vida desregrado ou, ainda, qualquer comportamento que a geração saúde condene) e, por fim, estresse, ocasionado por uma vida atribulada ou mesmo por mágoas, ressentimentos e todo o pacote-do-que-não-querer para sua vida. Duas dessas possibilidades estariam eliminadas em meu caso. Sem nenhum caso de câncer na família, seja paterna ou materna, tendo obtido resultados negativos nos exames genéticos para detectar a origem do câncer e sendo saudável a ponto de o oncologista ter deixado escapar um risinho ao ver meus exames com a observação não fosse o tumor, eu diria que você é extremamente saudável, lá estava eu, aos 26 anos, dos quais a maioria bem vividos, com câncer.

    Parece-me meio cruel a possibilidade de a própria pessoa fabricar suas doenças, mas, de alguma forma, eu sabia que existia um envolvimento direto meu naquilo tudo que se alojava em meu peito esquerdo. Não acredito que todos os casos sejam assim, mas, nesse caso específico, a festa era minha, invadiram-na, sim, mas quem não colocou seguranças suficientes na porta da festa fui eu mesma.

    Seria fácil, ainda que contraditório, culpabilizar o estresse e todos os acontecimentos recentes. Ora, tantas pessoas têm vidas estressantes e não desenvolvem nada, por que comigo seria diferente? Concluí que não foram os fatores externos que me adoeceram, mas a maneira como lidei internamente com tudo o que me aconteceu no fatídico, ainda que produtivo, ano de 2014.

    É inegável a carga de passado que carregamos em nosso presente. Já havia lido em algum canto que o presente seria cheio de todas as possibilidades se o passado já não desenhasse nele uma história, e era convicta disso. Não, não somos condenados pelo nosso passado, mas há traços indeléveis dele em nós, e ai de quem negar ou fizer vista grossa – de nada adiantará. Não precisa ser psicólogo, psiquiatra ou expert em comportamento humano para saber que o passado, se não for bem cuidado, respinga, muitas vezes de maneira desastrosa, no presente – quer desejemos ou não. O filho agressivo com pais problemáticos, os atentados às escolas feitos por garotos que sofreram bullying anteriormente, o suicídio da dona de casa desvalorizada, entre tantos outros casos são exemplos do que ocorre quando transbordamos de passado mal resolvido. O passado existe e, por vezes, nos ronda, mas haveremos de entender que o negar ou, pior, convidá-lo às nossas vidas pode ser mais destruidor do que pensamos.

    Um presente bonito pede, antes de tudo, uma cura do passado. É impossível ser feliz em companhia de fantasmas que nos assustam, circundam e tomam parte de nossas vidas. O presente reconcilia, perdoa e é por meio dele que o passado se despede.

    3. Do passado, com afeto

    "No presente a mente, o corpo é diferente

    E o passado é uma roupa que não nos serve mais."

    Belchior

    Diversos relatos escutei de pessoas que, após um diagnóstico grave, acordaram para a vida, passaram a viver de forma mais intensa. Por aqui não poderia falar desse acordar, uma vez que sempre amei a vida como se fosse aqueles amores roxos que fazem rir sem motivo algum, levantar a mão para o céu e simplesmente agradecer. Amar a vida seria usufruir seus minutos, seus segundos, suas oportunidades, e assim eu fiz até ser interrompida.

    Houve um tempo em minha vida em que não existia monotonia, queixar-se não era hábito dos fortes, preguiça muito menos, e o imperativo maior era aproveitar. Todavia, aquele pedacinho de células disformes trouxe algo que até então não havia experimentado. Foi como um pause na minha vida, um recuo, mas um recuo necessário, desses que os bichos tomam antes de partir com impulso para cima das presas: um recuo para ir mais longe.

    Até onde minha memória alcança, sempre fui ativa demais. Dessas pessoas que a avó define como cheia de invenção ou sobre a qual no interior do meu Nordeste diriam: ela tem um faniquito, não para quieta!, ou, ainda, como dizia o bom Dimitri com palavras doces: você transborda vida. Sim, eu transbordava vida.

    Gosto pelas línguas sempre tive. Parecia-me ofensivo viver num mundo tão grande e me limitar ao meu idioma. Era preciso amar regionalmente. Fiz questão de aprender sobre regionalismo, de amar meu sotaque de região árida brasileira, de me identificar com o matuto de caminho desvirtuado, de rir de toda forma de arengar. Amei intensamente minha terra e tudo que ela proporcionava: do sol escaldante às ruas sem escoamento para a chuva que, em alguma época do ano, chegava sem avisar e tudo alagava. Ali, eu amava.

    Dos caminhos que a vida nos reserva tive a sorte de ainda nova morar em outros países e cidades. Como aquilo me encantava: chegar num local completamente perdida, onde as placas nada diziam, e aos poucos me sentir em casa. Sim, acho que é isso que me fascina até hoje – me sentir em casa, aonde quer que eu vá. Isso inclui as

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1