Imersões Cotidianas na Educação Inclusiva:: Múltiplos Olhares, Múltiplos Saberes; Volume II
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Imersões Cotidianas na Educação Inclusiva: - Ana Paula Xavier
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO PSICOPEDAGOGIA
Aos que lutam a boa luta...
Aos que, no dia a dia, lutam por uma sociedade mais justa,
mais equânime e mais solidária.
AGRADECIMENTOS
Aos amigos que, mais uma vez, atenderam ao nosso chamado e nos presentearam com suas reflexões e ações transformadas em textos. Textos que refletem o que somos e pelo que lutamos.
Nosso sincero agradecimento!
A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.
(Fernando Birri, citado por Eduardo Galeano em Las palavras andantes)
Que tal se delirarmos por um tempinho
Que tal fixarmos nossos olhos mais além da infâmia
Para imaginar outro mundo possível?
O direito de sonhar
Eduardo Galeano
PREFÁCIO
Existe uma estória que foi construída em torno da dor da diferença: a criança que se sente não bem igual às outras, por alguma marca no seu corpo, na maneira de ser...
Esta, eu bem sei, é estória para ser contada também para os pais. Eles também sentem a dor dentro dos olhos. Alguns dos diálogos foram tirados da vida real.
Ela lida com algo que dói muito: não é a diferença, em si mesma, mas o ar de espanto que a criança percebe nos olhos dos outros [...] O medo dos olhos dos outros é sentimento universal. Todos gostaríamos de olhos mansos...
A diferença não é resolvida de forma triunfante, como na estória do Patinho Feio.
O que muda não é a diferença.
São os olhos...
(Rubem Alves, 1987)
Aos leitores e leitoras desta obra, faço uma advertência primeira. Que olhemos com olhos de ver... olhos que não procuram a impossibilidade ou o defeito
. Olhemos com olhos que enxergam a potência que cada ser humano carrega em si, independente de como são ou como se relacionam com o mundo. Olhemos com olhos mansos
, como nos ensina Rubem Alves no texto que escolhi como epígrafe deste prefácio.
As estórias, os olhares, os saberes, os fazeres e as diferenças compõem o conjunto desta obra que, em mais um volume, possibilita-nos conhecer contextos e situações que se relacionam com o cotidiano da educação inclusiva e nos ensinam que não há nada mais desafiador e mais belo do que educar. Educar todos e cada um, considerando, como princípio educativo, a diversidade humana que habita as escolas e as salas de aula pelo mundo.
No Brasil temos acompanhado um grande número de políticas e iniciativas que visam a atender aos princípios da inclusão escolar das pessoas com deficiência, da consolidação da cidadania e luta pelos direitos constitucionais dessa parcela da população. Nos últimos anos, houve um aumento significativo no número de matrículas de alunos e alunas com deficiência na escola comum. Diferentes maneiras de se pensar e fazer a inclusão têm povoado as políticas públicas e norteado a prática pedagógica das escolas. Em 2018, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva completou 10 anos. Uma longa caminhada, com avanços e retrocessos que evidenciam o desafio cotidiano de se construir uma escola e uma educação inclusivas.
Desde o início dos anos de 1990 acompanhamos o surgimento do que podemos chamar de paradigma da inclusão em educação. Trata-se de um movimento marcado pela valorização, respeito e aceitação das diferenças, sejam elas ligadas à deficiência ou a outros fatores que nos caracterizam como seres humanos diversos. A inclusão escolar ancora-se em três princípios fundamentais, a saber: o acesso, a permanência e a participação. Tais princípios traduzem-se em práticas pedagógicas que visam a eliminar as barreiras à aprendizagem de todos os alunos e alunas, em particular àqueles considerados diferentes.
Muitos alunos e alunas com deficiência estão na escola, frequentando as classes comuns. Isso faz com que uma nova organização dessa instituição seja necessária. Reconstruir e reorganizar o espaço escolar implica rever a maneira como estamos lidando com a deficiência e, particularmente, como estamos lidando com a escolarização desses alunos e alunas. Esse me parece um dos aspectos que daqui por diante temos que nos debruçar. É esse aspecto que os autores e autoras dos capítulos que compõem esta obra problematizam nos textos que os leitores e leitoras se colocarão em diálogo. Textos que abordam desde estratégias de ensino específicas para lidar com algumas deficiências, seja no espaço do atendimento educacional especializado, seja no espaço da sala de aula comum. Textos que nos levam a reflexões sobre a formação de professores no contexto da educação inclusiva. Textos que nos movimentam em direção à revisão de conceitos e práticas que, muitas vezes, naturalizamos e cristalizamos, ao longo do percurso educativo.
Nesse sentido, esta obra é um convite para irmos além dos nossos condicionantes históricos e sociais no que se refere a lidar com as diferenças, pois toda forma de preconceito e exclusão é imoral e lutar contra isso é nosso dever. Quanto mais nos colocamos passivos diante da realidade, mais ingenuamente nos adaptamos a ela. Isso não nos fará avançar na construção de outra cultura escolar.
A inclusão é um grande desafio para as escolas. Não podemos negligenciar a mais do que comprovada constatação de que se as práticas pedagógicas em relação às pessoas com deficiência e outras necessidades especiais não forem repensadas e ressignificadas, continuaremos promovendo a negação desses alunos e alunas como sujeitos da educação.
Certamente esta obra representa a potência que práticas pedagógicas inclusivas têm sobre o desenvolvimento e a aprendizagem das pessoas com deficiência e daquelas consideradas diferentes, por se distanciarem de determinados padrões de normalidade histórica e socialmente impostos. Como nos adverte Rubem Alves, o que muda não é a diferença. São os olhos...
.
Juiz de Fora, novembro de 2018.
Katiuscia C. Vargas Antunes
Mestre em Gestão e Avaliação da /Educação Básica – PPGP
Coordenadora do Núcleo de Apoio à Inclusão NAI/UFJF
Departamento de Educação/ Faculdade de Educação – Faced/UFJF
Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação e Diversidade – Neped/UFJF
APRESENTAÇÃO
É com imensa satisfação que apresentamos o volume II de Imersões Cotidianas na Educação Inclusiva: múltiplos olhares, múltiplos saberes.
Mais do que pensar a educação, pensar a escola e os espaços de educação, com suas nuances e diversidade, faz-se imperioso nestes tempos.
Os textos aqui apresentados refletem a busca constante por ações que simbolizem a luta por uma educação e por uma escola que seja feita com o outro e não para o outro. Que seja construída junto. Que seja, nas palavras do mestre Paulo Freire, libertadora.
Utopia? Sim. A utopia nos faz caminhar...
Ana Paula e Gabriel
Sumário
1
JOGOS E APRENDIZAGEM: Um caminho possível entre o Atendimento Educacional Especializado e a prática na sala de aula comum 21
Ana Paula Xavier
Gabriel Pigozzo Tanus Cherp Martins
2
O PROGRAMA BOARDMAKER COMO FERRAMENTA PARA O ENSINO DE PORTUGUÊS ESCRITO COMO SEGUNDA LÍNGUA PARA SURDOS – UM ESTUDO 33
Gabriel Pigozzo Tanus Cherp Martins
Laíza Duarte Menezes
3
A IMPORTÂNCIA DO SISTEMA BRAILLE NO ENSINO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA VISUAL 43
Thiago Ribeiro Duarte
4
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS (LIBRAS): ENTRE O NOVO E O VELHO 69
Gabriel Pigozzo Tanus Cherp Martins
5
REFLEXÕES SOBRE O CURRÍCULO ESCOLAR: ORGANIZADOR DO CONHECIMENTO OU FERRAMENTA DE PODER (?) 81
Ana Paula Xavier
6
DOCÊNCIA E INCLUSÃO: EM BUSCA DE UM TRABALHO COLABORATIVO 91
Mylene Cristina Santiago
Karla Aparecida Gabriel
7
QUANDO O DEBATE SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE ENCONTRA A RELIGIOSIDADE NA ESCOLA: TENSIONANDO AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS 105
Roney Polato de Castro
8
ENSINO DE PORTUGUÊS COMO SEGUNDA LÍNGUA PARA ALUNOS SURDOS – Um relato de experiência num Centro de Atendimento Educacional Especializado (CAEE) – Juiz de Fora/MG 117
Gabriel Pigozzo Tanus Cherp Martins
Ana Paula Xavier
9
CONSTRUÇÃO DE SUBJETIVIDADES: A IDENTIDADE DE GÊNERO SENDO (DES)CONSTRUÍDA
PELO DISCURSO ESCOLAR 129
Ana Paula Xavier
Mariana Rocha Fontes
10
LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO: a tecnologia como recurso 137
Ana Paula Xavier
11
PEDAGOGIA CRÍTICA DE RESISTÊNCIA: DEBATENDO POSSIBILIDADES TEÓRICO-METODOLÓGICAS PARA UMA EDUCAÇÃO INTERCULTURAL 149
Ricardo de Souza Janoario
SOBRE OS AUTORES 163
1
JOGOS E APRENDIZAGEM: Um caminho possível entre o Atendimento Educacional Especializado e a prática na sala de aula comum
Ana Paula Xavier
Gabriel Pigozzo Tanus Cherp Martins
ALUNO: Professora, vamos brincar?
PROFESSORA: Só na hora do intervalo. Agora é hora de estudar.
ALUNO: Mas na minha outra escola
¹ a gente brinca todo dia.
PROFESSORA: Mas aqui não!
(Na escola)
ALUNO: Eu vou parar de vir aqui.
PROFESSORA: Por quê?
ALUNO: Porque eu não tô
melhorando. Aqui a gente só brinca.
(No AEE²)
Entender a história da escola em nossa sociedade é fundamental para compreendermos seu papel. A história da educação mostra-nos que a escola voltou-se, em um dado momento, para o trabalho, legitimando assim a reprodução de uma hierarquia de culturas, saberes, valores, conhecimentos. Essa prerrogativa nos diz que, ainda hoje, há uma preocupação com o que ensinar. Porém a preocupação passa pelo que o professor
ensina como o estabelecido como primordial, como certo, como valoroso, pautando-se nos currículos escolares.
De certo que essa é uma preocupação necessária. Contudo será que a escola atual está sabendo discernir o que é conhecimento
e o que é saber
? Será que não estamos supervalorizando academicamente as disciplinas
escolares e esquecendo-nos do fator humano
, esquecendo-nos de construir, realmente, conhecimentos?
Bordieu (2008), com seu conceito de violência simbólica
, mostra-nos que a escola, além de legitimar o poder estabelecido, reforça-o, fazendo com que os indivíduos enxerguem e avaliem o mundo com os padrões e critérios definidos por um discurso dominante. Ou seja, ideias coletivas que buscam estabelecer (e solidificar) comportamentos e visão de mundo dentro dos padrões estabelecidos.
Entretanto, com o advento dos movimentos de inclusão, iniciados da década de 1990, e tendo a Declaração de Salamanca (1994) como um marco histórico nesse processo, a escola passa a ser vista como um espaço privilegiado de formação, de produção de cidadania e de conhecimento, mas sabemos que imensos são os desafios para a concretude desse ideal.
A Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008) e outras políticas oficiais em nosso país (BRASIL 2009, 2010, 2013) garantem em seus textos a possibilidade de um ensino que se adapte às necessidades e especificidades do indivíduo. Esse documento garantiu a inclusão de alunos com Deficiências, Transtornos Globais do Desenvolvimento e Altas Habilidades e/ou Superdotação nas escolas comuns e, consequentemente, a busca pelo fornecimento de serviços (AEE, por exemplo), formação continuada para professores, ratificando, assim, o direito de uma educação com qualidade para TODOS!
Os diálogos que iniciam este texto aconteceram entre