Projetos na Escola: Fundamentos Para a Prática
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Projetos na Escola - Christianne Medeiros Cavalcante
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO EDUCAÇÃO, TECNOLOGIAS E TRANSDISCIPLINARIDADE
Dedico este livro a pessoas especiais.
A minha família: meus pais, Pimentel e Lourdinha; meu companheiro, Flávio;
e especialmente a meu filho, Nathan.
AGRADECIMENTOS
Escrever este livro foi um momento especial de dedicação, que ao longo de alguns anos se colocou como ação desafiadora.
Fruto de uma tese que buscou refletir sobre a prática docente baseada no trabalho com projetos, foi muito mais que isso, foi a realização de um projeto próprio, ora realizado!
Realizado com muito esforço e ajuda. Escrito a várias mãos: minhas, do meu orientador João Maria Valença, das professoras e coordenadoras que aqui estão presentes com seus conhecimentos, representando a escola pública, tão pouco valorizada, mas tão cheia de experiências, informações que precisam ser lapidadas, assim como as esmeraldas, e brilhar!
Conhecimentos que agora partilho, como consequência de um processo de aprendizagem cotidiana, significativa, comprometida com outras aprendizagens e outros sujeitos.
Agradeço a todos e todas que aqui se fizeram presentes, para inaugurarmos um novo tempo, para começar de novo, e de novo e de novo, tal como disse o poeta Ivan Lins:
Começar de novo
E contar comigo
Vai valer a pena
Ter amanhecido
Ter me rebelado
Ter me debatido
Ter me machucado
Ter sobrevivido
E ter chegado aqui!
A atuação do professor não é somente sedutora, mas também decepcionante, porque não se resume em justificar o que o aluno é e o que acredita saber.
Nesse sentido, cabe ressaltar aqui que a sedução não é o único objetivo ou a única variável da educação, mas um procedimento possível e talvez necessário.
Certamente é algo significativo que os educadores podem considerar.
A desestabilização também tem seu lugar e sua pertinência. Porque a ad-miração é a percepção do outro, de algo a mais do que o eu que, desse modo, ganha reconhecimento, auto-reconhecimento pelo outro. O eu obtém consciência de si no para si, isto é, pelo outro. Ao desconhecer, o eu se conhece e se afirma enquanto se nega.
O eu é naquilo que não é.
Professor e aluno ensinam e aprendem mutuamente pelo estabelecimento da relação, da dualidade integradora que aponta para a própria essência do conhecimento, isto é, o de ser relacional.
Admirar é perguntar-se, é saber-se indagador e ser construtor do fazer.
Sem o outro não há indagação e perceber o não-eu, o tu, é descobrir o próprio eu.
Não há encontro sem abandono prévio, pois trata-se de um perder-se para encontrar-se.
(Pedro Novelli, 2000)
PREFÁCIO
Em meados da década de 1990, ondas de choque geradas pela promulgação da LDB, associadas a outras anteriores, irradiadas do debate educacional na Assembleia Constituinte e do Plano Decenal do ministro Hingel, trouxeram neologismos (e arcaísmos com aparência de novidade) que sofisticavam os discursos circulantes nas escolas. Dois exemplos emergem de imediato: construtivismo e pedagogia de projetos. Com o lançamento dos PCN, a lista se amplia: transversalidade, áreas, ciclos, conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais, avaliação diagnóstica, contínua e favorecedora, interdisciplinaridade, cidadania. Eram flagrantes as mudanças nas falas de professores, gestores, formadores, técnicos educacionais. Em meio a tantas novidades (ainda que se mal pergunte) o que dizer das práticas? E da eficiência da escola? E da democratização do ensino? E da qualidade do processo ensino-aprendizagem? Até que ponto as aquisições do idioma pedagogês refletiam mudanças efetivas nos atos de ensinar e de aprender? Parece ser essa a problemática geral deste livro, a qual se traduz em uma especificidade: os projetos pedagógicos ou prática de projetos, projetos de ensino ou (deste sintagma a autora toma cautelosa distância crítica) pedagogia de projetos.
No discurso a se instituir, a existência, pertinência e legitimidade de uma pedagogia de projetos, para muitos, dispensava questionamentos e reflexões. Havia, também, dissonâncias a ponderar: os projetos, em si e por si, constituem uma pedagogia? Não seriam os projetos uma prática, uma metodologia, uma forma de organização do processo ensino-aprendizagem? Diziam vozes outras, incisivas e contundentes: modismo, rótulo, receita para implementação de um ensino acrítico e mecanicista. Tal debate, presentemente esmaecido, embora longe de ser superado tampouco resolvido, igualmente ecoa no trabalho que ora se apresenta.
Christianne Medeiros Cavalcante desde muito adolescente debutou-se professora, antes mesmo da própria formação inicial no Magistério de Segundo Grau
. E vem, assim, lidando com os tais projetos, os quais assumem forma intencional, planejada e documentada por volta dos tempos em que nas altas esferas se discutia PCN e LDB. Os projetos são tangenciados, ainda envoltos em aura de naturalidade, no Memorial de graduação em pedagogia (IFP Kennedy-RN, 1996) da autora. Depois, assumidos de forma crítica e reflexiva como parte essencial da autoformação, em sua dissertação de mestrado (UFRN, 2002).
No presente texto, ela expande, com determinação e desenvoltura, o foco da problematização. Traz ao campo científico a interlocução com quatro professoras e duas coordenadoras dos anos iniciais do Ensino Fundamental de duas escolas públicas. Escolhe a Zona Administrativa Norte da cidade de Natal, assumindo o pertencimento vivencial e profissional à localidade e a indignação por serem ali as escolas pouco procuradas como lócus de pesquisas acadêmicas. Praticando uma etnografia algo incipiente, empregando questionários e entrevistas, protagoniza uma pesquisa transparente e respeitosa com as sujeitos femininas do estudo, cujos pseudônimos remetem a mulheres destacadas na poesia, educação e humanidades no estado do Rio Grande do Norte. Mapeia concepções, planejamento e desenvolvimento do trabalho dessas professoras com os projetos, suas percepções e justificativas, como são estes desenvolvidos na escola e os referenciais que os subsidiam.
No dizer de uma examinadora do trabalho, como tese de doutorado, sua principal contribuição fora identificar o discurso dos projetos: de como uma prática constrói o discurso e como o discurso se afasta da prática. Isenta da arrogância de tratados e relatórios acadêmicos que, por vezes, tematizam a escola básica com julgamentos de valor e recriminações, nossa autora faculta a fala às professoras para compreender como suas concepções por vezes se confundem em face das teorizações sobre os projetos. Isso parece conduzir a uma dicotomia entre intenções e ações, como se a suposta autonomia dos projetos, reduzidos a técnica ou recurso, não se revelasse nas práticas.
Por analogia, metonímia e metáfora, o estudo de Christianne traz contribuições relevantes ao debate educacional no contexto de exacerbação da agenda (pós) neoliberal, em meio à contrarreforma do ensino inaugurada no cenário brasileiro após o golpe de 2016. Numa conjuntura em que fundações e sistemas privados, pautados nos pressupostos do neotecnicismo e em uma concepção produtivista e interesseira de educação subordinada aos ditames do mercado, expandem tentáculos no interior das redes públicas, receitas prontas que atribuem papel subordinado ao professor subtraindo a sua autonomia necessitam ser denunciadas e enfrentadas. Refletir sobre concepções e práticas se faz urgente na demanda incessante por uma escola inclusiva e democrática. Esta publicação ocorre em um momento oportuno por sua gravidade.
João Maria Valença de Andrade
Centro de Educação - UFRN
APRESENTAÇÃO
O presente livro, intitulado Projetos na escola: fundamentos para a prática, traz elementos de experiências de diferentes professores que abriram a intimidade de suas salas de aula para juntos refletirmos sobre o ato de ensinar a partir do trabalho com projetos.
Uma temática que ainda se conserva atual e necessária, em virtude do grande apelo à inovação educacional que precisa ser mais bem discutida e compreendida, para não incorrer no risco de entendê-la como entretenimento ou ainda vincular a prática docente à utilização de recursos tecnológicos que podem não corresponder a uma ação significativa.
Reconhecendo a profusão de publicações sobre a temática, esta obra considera-se mais uma a auxiliar no processo de reflexão e sistematização do trabalho com projetos. Assim, o objetivo geral é compartilhar com o público, principalmente o docente, as percepções que se edificaram sobre os motivos que justificam a opção pelos projetos, a forma como são planejados e executados relacionando referenciais que podem subsidiar sua construção de maneira a possibilitar uma prática ancorada em conhecimentos necessários ao seu entendimento.
Tal proposito é demonstrado a partir da descrição do caminho percorrido junto aos agentes envolvidos nesse processo, as professoras. Neste momento, apresenta-se também um pouco da história da cada personalidade norte-rio-grandense que serve de pseudônimo para cada sujeito.
A professora Palmyra Wanderley (1894-1978) é considerada a precursora do jornalismo feminino no RN, também se dedicando a poesia a qual é considerada como a poetisa oficial
da cidade do Natal. Ocupou a cadeira nº 20 da Academia Norte-rio-grandense de Letras.
A professora Auta de Souza (1876-1901), poetisa, marcada por uma vida de doença (tuberculose), dedicou-se a escrever e já aos dezoito anos era colaboradora da revista Oásis, do jornal A República, também do jornal A Tribuna, de Natal. Muitos de seus versos foram publicados pelo Brasil.
A professora Myriam Coeli de Araújo Dantas da Silveira (1926-1982) foi a primeira jornalista profissional do Estado do Rio Grande do Norte, integrando as redações de jornais impressos como Diário de Natal, Tribuna do Nordeste e A República. Também se dedicou a poesia recebendo diversos prêmios.
A professora Zila da Costa Mamede (1928-1985) foi poetisa e bibliotecária e é responsável pela reestruturação das duas maiores bibliotecas de Natal: a biblioteca central da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, a qual tem seu nome e a biblioteca pública estadual Câmara Cascudo.
A professora Isabel Urbana de Albuquerque Gondim (1839-1933), poeta, educadora, dramaturga e autora de livros didáticos, também preocupada com a educação das mulheres, escreveu livros que foram adotados em suas formações escolares. Tornou-se a primeira mulher sócia do Instituto Histórico Geográfico do Rio Grande do Norte e do Instituto Arqueológico de Pernambuco.
A professora Nisia Floresta Brasileira Augusta (1810 – 1885) foi uma grande representante do feminismo brasileiro, nascida na Cidade que hoje leva seu nome. Lutou pela educação das mulheres criando o Colégio Augusto
, onde elas aprenderiam conhecimentos além da costura e boas maneiras como ensinado na época. Sua postura de vanguarda lhe rendeu críticas severas a sua vida pessoal e profissional.
Apresentá-las, mesmo que superficialmente, deixa entrever o quanto foram e são representativas da intelectualidade e inovação femininas. Visto a importância de cada uma delas para a História, nos servimos de seus nomes para assim homenagear nossas professoras, que tão humildemente se dispuseram a nos fazer conhecer.
Ao longo deste livro são apresentadas informações e reflexões que demonstram as fragilidades e as potencialidades do trabalho docente a partir do projeto.
No primeiro capítulo apresento toda a organização do livro de forma mais detalhada, como uma possibilidade de visão geral do conteúdo.
No segundo capítulo, dialogo com diferentes autores que contextualizam a realidade em que ora vive a sociedade e a escola brasileira e também aqueles reforçam os conhecimentos sobre a origem dos projetos e seus desdobramentos. O neoliberalismo e os aspectos formativos na atualidade
discute o contexto das políticas públicas e as influências que recebe do mundo capitalista e como isso se faz presente nas metodologias de ensino. Os projetos como prática didática
aponta a incursão dos projetos na sala de aula que possui três dimensões: pessoal, profissional e política. Como colocado, os projetos são procedimentos que organizam as situações de aprendizagem e para isso consideram os conteúdos que serão explorados de forma sistemática, lógica e intencional. Escola nova: uma escola sempre nova?
retoma uma discussão histórica sobre o movimento à luz do contexto de liberalismo econômico e sua influencia na organização da escola. O trabalho com projetos: entre a escola nova e a nova escola
traz uma discussão da entrada dos projetos no interior da escola brasileira na atualidade, buscando as atuais discussões sobre o projeto e suas diferentes denominações a partir de autores contemporâneos. Ensinar e aprender com projetos: constituição de um recurso didático
aponta possibilidades para sua adoção na escola e, por fim, Projetos aqui, projetos acolá: de que projeto se fala?
traz uma demonstração das inúmeras atribuições dadas ao trabalho com projetos e suas intenções, na intenção de que cada professor e professora possa melhor definir sua linha de ação.
A abordagem metodológica e os conhecimentos provenientes do percurso galgado são os conteúdos do capítulo 3, que podem servir de referências para pesquisas posteriores.
O capítulo 4 traz as falas e vivências das professoras e suas salas de aula, seus cantinhos. Planejando projetos
apresenta a forma como ocorreu o planejamento na escola estadual e na escola municipal, lócus do estudo. "Ad-mirar é perceber o outro: a observação nos cantinhos escolares – Tentando ver além da própria prática, diz respeito às falas das professoras e explora o espaço da sala de aula de cada uma delas, seu cotidiano.
As tarefas escolares" discute epistemologicamente a questão das atividades escolares.
No capítulo 5, em uma abordagem de síntese, são tecidas as reflexões sobre os projetos e a experiência do planejamento e execução, permeadas pelas conclusões que se pode chegar com tal experiência.
Ao analisar profundamente a prática de projetos na escola fundamental percebo que o que me guiou foi a necessidade de compreender melhor sua origem didática e pedagógica dentro de um contexto de capitalismo e liberalismo econômico que influenciaram diretamente a organização da escola.
De perceber que é preciso conhecer essa origem para que a opção e utilização de projetos aconteçam de forma consciente perpassada por conhecimentos que possibilitem o desenvolvimento de uma ação efetiva de formação. Mediante a vivência desta pesquisa, acredita-se haver atingido os objetivos ora propostos, consciente também que este trabalho possui limitações bem como possibilidades de ampliação, de outros olhares.
A autora
Sumário
CAPÍTULO 1
MÉTODO DE PROJETOS COMO TEMÁTICA PARA O ENSINO FUNDAMENTAL
CAPÍTULO 2
ASPECTOS CONTEXTUAIS DO TRABALHO COM PROJETOS
OS PROJETOS COMO PRÁTICA DIDÁTICA
O NEOLIBERALISMO E OS ASPECTOS FORMATIVOS NA ATUALIDADE
ESCOLA NOVA UMA ESCOLA SEMPRE NOVA?
O TRABALHO COM PROJETOS: ENTRE A ESCOLA NOVA E A NOVA ESCOLA
ENSINAR E APRENDER COM PROJETOS: CONSTITUIÇÃO DE UM RECURSO DIDÁTICO
PROJETOS AQUI, PROJETOS ACOLÁ: DE QUE PROJETO SE FALA?
CAPÍTULO 3
PROFESSORAS E PROJETOS: UMA PRÁTICA POSSíVEL
O CAMINHO DA DESCOBERTA: PASSOS DA CAMINHADA
A PESQUISA EXPLORATÓRIA, OBSERVAÇÃO, DIÁRIO DE CAMPO e ENTREVISTAS
AS ESCOLAS PÚBLICAS DA ZONA ADMINISTRATIVA NORTE DE NATAL/RN
AS COLABORADORAS
Momento um: justificativa da opção pelos projetos... Ou da necessidade de mudar a prática
Momento dois: sistematização do projeto... Ou do sonho a prática
Momento três: o conhecimento existente, o conhecimento que se busca
Momento quatro: a prática
NO CAMINHO COM AS PROFESSORAS, AS COORDENADORAS PEDAGÓGICAS
CAPÍTULO 4
OLHAR PARA ADMIRAR: VER ALÉM DA PRÓPRIA PRÁTICA
PLANEJANDO PROJETOS
O planejamento na escola estadual
O planejamento na escola municipal
AD-MIRAR É PERCEBER O OUTRO: A OBSERVAÇÃO NOS CANTINHOS ESCOLARES – TENTANDO VER ALÉM DA PRÓPRIA PRÁTICA
A professora Palmira
A professora Auta
A professora Myriam
A professora Zila
AS TAREFAS ESCOLARES
Algumas reflexões não conclusivas
CAPÍTULO 5
DA AD-MIRAÇÃO A COMPREENSÃO DO OUTRO: UMA PRÁTICA DE ENSINO EM BUSCA DA QUALIDADE
REFERÊNCIAS
APÊNDICE 1
INFORMATIVO de REFERÊNCIAS SOBRE PROJETOS, PERIÓDICOS E INTERNET
CAPÍTULO 1
MÉTODO DE PROJETOS COMO TEMÁTICA PARA O ENSINO FUNDAMENTAL¹
O mundo é do tamanho do conhecimento que temos dele. Alargar o conhecimento, para fazer o