A Duquesa Impetuosa
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A Duquesa Impetuosa - Barbara Cartland
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CAPÍTULO I
1803
—Com licença, Sua Graça.
O Duque de Warminster levantou os olhos do livro que estava lendo enquanto comia.
Parado na porta de sua saleta particular na hospedaria postal estava seu segundo-cocheiro, torcendo um tanto timidamente o chapéu entre as mãos.
—O que é, Clements?
—O tempo está piorando, Sua Graça, e o Sr. Higman acha que seria melhor não demorarmos muito. Ele ficou sabendo que é uma boa distância até a próxima estalagem onde podemos trocar os cavalos e passar a noite.
—Muito bem, Clements. Não demoro mais do que alguns minutos.
O segundo-cocheiro curvou-se e saiu da saleta.
O Duque fechou o livro, relutante, e pegou o cálice de vinho inferior, o melhor que podia obter naquela hospedaria.
Não tinha sido uma boa refeição: o carneiro estava duro e não havia variedade de pratos.
Mas o que se podia esperar numa parte tão rústica do país, nessa época do ano em que pouca gente importante viajava?
O Duque sabia que era bastante desusada, para alguém de sua importância, a decisão de viajar à Escócia quando ainda havia neve no chão e o tempo, para dizer pouco, era instável.
Mas ele tinha ficado muito ansioso para discutir com o Duque de Buccleuch, no Palácio Dalkeith, alguns Manuscritos que tinha descoberto recentemente em Warminster e que atestavam a ligação entre as duas famílias no reino de Henrique VIII.
Tinha, portanto, desafiado os elementos e sua coragem fora recompensada com uma viagem tranquila até Edimburgo.
Havia passado algumas noites no castelo de Edimburgo e prosseguido, depois, ao encontro do Duque de Buccleuch em seu palácio, para várias discussões longas, eruditas, concentradas, que haviam deliciado a ambos.
—Warminster é jovem— a Duquesa de Buccleuch disse ao marido—, jovem demais para passar o tempo debruçado sobre livros empoeirados quando devia era estar olhando as mulheres.
—Sua Graça não considera a vida social contemporânea tão atraente quanto a história passada— o marido respondeu com um sorriso.
A Duquesa, no entanto, fizera todo o possível para que o Duque de Warminster se interessasse por sua filha mais nova, uma jovem agradável com considerável talento para a música e a pintura.
O Duque, extremamente polido, deixou bem claro que seu único propósito ao visitar o Palácio Dalkeith era conversar com o proprietário.
E partira de retorno ao lar, bem satisfeito com o resultado da visita, convencido de que, como já estavam no começo de abril, dava para sentir a primavera no ar.
Nos últimos dias, porém, ventos sem precedentes haviam sacudido perigosamente a carruagem do Duque nas estradas de terra, muito escorregadias devido as nevadas recentes.
O Duque, no entanto, mergulhado demais em seus livros, não dava atenção a esses desconfortos insignificantes.
Tinha ficado no Castelo Thirlstone com o Conde de Lauderdale e algumas noites em Floors, o magnífico edifício construído em 1718 por Vanburgh.
Agora não tinha mais visita a fazer e não havia mais onde se hospedar convenientemente antes de cruzar a fronteira.
Como era de se esperar nessas ocasiões, os criados do Duque resmungavam, reclamando dos desconfortos da viagem, muito mais que o próprio patrão.
Verdade que a segunda carruagem, onde viajava o valete do Duque, acompanhando a bagagem, contava com certos confortos não disponíveis a personagens menores.
Sua Graça, em viagem, levava sempre seus próprios lençóis de linho, cobertores de lã de carneiro e seus travesseiros especiais de plumas de ganso.
Havia também algumas garrafas de excelente clarete e de conhaque, que apesar de sacudirem muito na viagem, eram sempre bastante melhores que tudo o que se podia comprar nas estalagens locais.
Era uma pena que, ao parar no Grouse and Thistle ao meio-dia, a segunda carruagem tivesse ficado para trás.
A culpa era, sem dúvida, de Higman, o primeiro-cocheiro do Duque que insistira em pegar os melhores cavalos para si mesmo, deixando apenas montarias inferiores para a segunda-carruagem.
—Eu disse para Sua Graça, antes de começar a viagem— protestava o terceiro-cocheiro—, que não se pode nem pensar em conseguir cavalos decentes num país atrasado como a Escócia. Mas acha que Sua Alteza deu ouvidos? Não!
Era uma coisa que os outros criados estavam cansados de ouvir desde a partida de Warminster.
Apesar de inferiores, os cavalos certamente pareciam imunes à dureza das estradas e ao frio cortante do vento que teria perturbado, senão incapacitado totalmente, cavalos do sul, que não estavam acostumados àquele clima.
O Duque terminou o vinho, levantou-se da mesa e cruzou a sala para pegar o casaco forrado de pele com que sempre viajava.
Quando ia vesti-lo, a porta tornou a se abrir e uma criada de touca, que ele achava ser filha do dono da estalagem, entrou e fez uma cortesia.
—Tenho um pedido a fazer a Sua Graça— ela disse com pesado sotaque escocês.
—O que é?— o Duque perguntou, vestindo o casaco com dificuldade, sem a ajuda do valete.
—Tem uma velhinha, Sua Graça, que solicita a sua gentileza de levá-la até a próxima estalagem postal. Houve um acidente com a carruagem dela e não tem jeito de chegar lá sem a ajuda de Sua Graça.
O Duque interrompeu o abotoamento do casaco.
Ele tinha sérias objeções a viajar de carruagem acompanhado, quanto mais por um estranho.
Gostava de ler enquanto viajava, ou simplesmente meditar calmamente, em silêncio, os muitos projetos que tinha em andamento em suas propriedades.
A mera ideia de precisar manter uma conversação ou ouvir alguém falando durante as longas milhas que ainda tinha de viajar até a próxima estalagem postal o encheu de desânimo.
—Certamente— ele disse esperançoso—, deve haver algum outro jeito de essa senhora chegar ao seu destino.
—Não, Sua Graça— a criada respondeu—, a diligência só passa aqui uma vez por semana e, agora, só depois do sábado.
O Duque gostaria de alegar que não havia espaço para mais um passageiro em sua carruagem, mas sabia que o veículo bem construído e moderno, recentemente adquirido, atraía interesse e admiração por onde quer que passasse.
Sem dúvida, a velhinha em questão já devia ter até examinado o interior antes de pedir que ele a levasse.
Foi, portanto, com um suspiro de irritação, que ele não conseguiu reprimir, que o Duque respondeu à criada:
—Muito bem. Pode dizer à senhora que será uma honra oferecer a ela um lugar em minha carruagem, mas que devemos partir imediatamente.
—Eu digo a ela, Sua Graça— e a criada saiu em seguida da saleta, com uma reverência.
O Duque estava para sair atrás dela quando o estalajadeiro apareceu, trazendo a conta. Era uma coisa que o Duque tinha esquecido.
Sempre que viajava sem um contador, seu valete invariavelmente acertava todas as contas. O Duque nunca se preocupava com pagamentos, nem com a necessidade de levar dinheiro consigo.
Felizmente tinha algumas moedas de ouro no bolso do colete e colocou uma na salva de prata que o estalajadeiro lhe estendia, desprezando a sugestão de que havia troco.
Evidentemente, tinha pago a mais, pois o estalajadeiro foi profuso em sua gratidão, curvando-se em reverências, num excesso de boa vontade, até o Duque embarcar na carruagem, repetindo sem parar que se tivesse sido avisado com antecedência da visita de Sua Graça teria providenciado melhor atendimento.
O Duque cerrou os ouvidos, da maneira que fazia sempre que era conveniente e não queria ouvir.
Porém, sorrindo agradavelmente para o homem ao chegar à porta da carruagem, deixou o estalajadeiro com a impressão de que estava muito satisfeito com o atendimento.
Um pé de vento forte quase arrancou o chapéu do Duque. Segurando-o com firmeza no lugar, o Duque subiu para o carro.
Já acomodada num canto da carruagem estava uma figura de mulher, vestindo uma capa de viagem escura, com grande capuz debruado de pele puxado sobre a cabeça, escurecendo seu rosto.
Estava coberta com um cobertor de pele e assim que o Duque sentou, o segundo-cocheiro colocou um outro sobre as pernas dele. Sob seus pés ele encontrou uma bolsa de água quente que havia sido cheia na estalagem.
—Boa tarde, madame— disse o Duque à senhora a seu lado—, lamento que tenha tido um acidente com sua carruagem. Fico feliz de poder ajudá-la a prosseguir seu caminho.
—Obrigada.
A voz dela era baixa e trémula.
Sua acompanhante, o Duque concluiu, devia ser muito velha e, nesse caso, provavelmente ia dormir e não o perturbaria.
Para evitar que ela tentasse conversar, assim que os cavalos começaram a andar, ele abriu o livro ostentosamente.
Não havia dúvidas de que o vento tinha aumentado muito desde a manhã, assolando agora ferozmente a carruagem. Se não fosse um veículo extremamente bem construído, as janelas, sem dúvida, estariam chacoalhando.
O Duque acomodou-se confortavelmente pensando que Higman seria mais do que capaz de conseguir boa velocidade com os quatro cavalos.
Ao mesmo tempo, esperava que a segunda carruagem não se atrasasse demais. Ele sabia bem o quão indispensável era seu valete quando tinham de passar a noite numa estalagem de beira de estrada.
Trusgrove estava com ele desde menino e, de alguma maneira quase mágica, sempre conseguia água quente, aquecedores de cama e até mesmo um jantar decente por mais inadequadas que fossem as acomodações.
O Duque parou de pensar em seu valete na segunda carruagem. Percebeu, de repente, que já deviam ter viajado algumas milhas e a passageira ainda não tinha se mexido nem falado.
Ele disse a si mesmo que era isso exatamente o que queria, que era uma fonte de real satisfação e que não lamentaria ter jeito uma boa ação ao dar-lhe carona.
Ao mesmo tempo não conseguia evitar a curiosidade de saber quem seria ela, e se pilhou lendo repetidamente a página do livro sem apreender nem uma palavra.
Uma rajada de vento frio entrando pela janela lhe deu a desculpa de puxar conversa:
—Sem dúvida, minha senhora, esse tempo não é normal nesta época do ano.
—É. É, sim.
Palavras ditas baixinho, novamente a voz trémula.
É claro, o Duque pensou, que a senhora não quer conversa e ele sorriu a si mesmo ao pensar que, pela primeira vez, encontrava alguém ainda mais recluso do que ele.
Voltou ao livro e retomou a leitura.
Mas, imediatamente, atingiram uma curva da estrada e o que devia ser uma nevada recente fez a carruagem perder o equilíbrio por um momento.
O veículo deslizou fortemente o atirou a mulher para cima do Duque.
Ele estendeu as mãos para amparar a queda dela e o movimento fez cair o capuz que a cobria, revelando dois grandes olhos brilhantes num lindo rostinho ovalado.
O Duque ficou olhando, perplexo.
Não era uma velha senhora, mas, sim, uma jovem. E muito jovem a julgar pela aparência! Bem depressa ela tornou a vestir o capuz e voltou para seu canto, mas o Duque já tinha visto seu rosto.
—Disseram-me— o Duque falou devagar—, que uma velhinha precisava de minha ajuda.
Houve um momento de hesitação.
—Eu achei que…— ela começou quase desafiante—, que o senhor poderia se recusar a me levar, a menos que eu fosse velha e desamparada.
—E tem razão em sua suposição— o Duque garantiu—, mas agora que já não é possível continuar com a mentira, talvez pudesse me contar por que está viajando sozinha?
Em resposta, sua companheira afastou o capuz, revelando cabelos muito vermelhos, encaracolados de maneira nada bonita.
Os olhos eram verde-acinzentados, muito escuros, quase da cor do mar e mesmo à penumbra da carruagem o Duque pode ver que a pele era branca, translúcida.
Ela sorriu para ele.
—Ainda bem que não preciso mais usar aquela voz tremida. Mas consegui enganá-lo, não?
—Conseguiu, de fato— o Duque respondeu—, e por que deveria eu desconfiar do que me tinham dito?
—Estava morrendo de medo que o senhor se recusasse a me ajudar— ela disse—, mas agora já estamos bem longe e não há mais nada que o senhor possa fazer.
A voz dela era tão segura que o Duque chegou quase a se abalar.
—Eu poderia, evidentemente, deixá-la à beira da estrada.
—Deixar-me congelar nesse tempo horrível?— ela perguntou—, isso não seria nada gentil.
O Duque olhou para ela, examinando as feições nítidas, o queixinho pontudo.
Não era bonita, ele concluiu, mas era extremamente graciosa e havia um certo fascínio em seu sorriso e um brilho nos olhos que ele raramente havia visto em outras jovens.
Mais do que qualquer outra coisa ela era, evidentemente, uma dama.
—Seria melhor que fosse franca comigo— ele pediu—, perguntei por que está viajando sozinha e gostaria de ouvir a resposta.
Ela o olhou com as pálpebras semicerradas.
—É um segredo, mas tenho documentos importantes e urgentes que têm de ser entregues em Londres imediatamente! Um mensageiro ou correio normal seria intercetado na estrada, mas de mim ninguém suspeitará.
—Muito dramático!— o Duque disse, seco—, mas agora talvez pudesse me contar a verdade.
—Não acredita em mim?
—Não!
Fez-se um breve silêncio.
—Não quero lhe contar a verdade e não vejo razão para o senhor exigir isso de mim!
—Pois vejo todas as razões!— o Duque respondeu—, afinal, você está recebendo a hospitalidade de minha carruagem e, para ser franco, não gostaria de me ver envolvido em nenhum escândalo...
—Não existe nada disso!— ela disse depressa.
Um tanto depressa demais!
—Tem certeza?— o Duque perguntou—, talvez seja melhor eu mandar a carruagem voltar. O seu veículo já deve estar sendo consertado e pode esperar na estalagem até que esteja pronto.
A moça pensou por alguns instantes.
—Se lhe contar a verdade, promete me ajudar?
—Não posso fazer tal promessa— foi a resposta—, mas, digamos que serei complacente.
—Isso não basta!
—Não