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Mecanismos Internacionais Não-convencionais de Proteção do Meio Ambiente: a Prática Interamericana
Mecanismos Internacionais Não-convencionais de Proteção do Meio Ambiente: a Prática Interamericana
Mecanismos Internacionais Não-convencionais de Proteção do Meio Ambiente: a Prática Interamericana
E-book348 páginas3 horas

Mecanismos Internacionais Não-convencionais de Proteção do Meio Ambiente: a Prática Interamericana

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Sobre este e-book

O objeto de estudo desta obra são os mecanismos não convencionais de proteção dos direitos humanos. Por meio da análise da evolução conceitual da soberania, formalizada com a afirmação histórica dos direitos humanos, busca-se demonstrar sua relativização e consequente mitigação em prol destes direitos estabelecidos. O princípio da soberania diante das modificações ocorridas no direito internacional dos direitos humanos enfraqueceu a noção clássica do Estado soberano. Destaca-se o fato de o direito ambiental passar a ser visto como um direito humano em si mesmo. O meio ambiente é um bem humano básico que não comporta exceções, sendo interesse universal a existência de mecanismos de controle de proteção convencionais e não-convencionais. É possível conhecer como é a atuação dos mecanismos convencionais criados por convenções específicas de direitos humanos, bem como os mecanismos não-convencionais, derivados, em regra, de instrumentos não vinculantes. Aqui serão vistos os sistemas global e regional de proteção e promoção dos direitos humanos, as formas como estes sistemas instrumentalizaram e criaram ferramentas para a persecução do ideal dos direitos humanos. Neste livro busca-se discorrer sobre os instrumentos não-convencionais celebrados no âmbito regional, tendo a Organização dos Estados Americanos (OEA) como o principal fórum de diálogo na promoção, intercâmbio e cooperação dos direitos humanos ambientais, demonstrando-se a transposição do plano conceitual/teórico ao prático.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento25 de fev. de 2021
ISBN9786558778714
Mecanismos Internacionais Não-convencionais de Proteção do Meio Ambiente: a Prática Interamericana

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    Mecanismos Internacionais Não-convencionais de Proteção do Meio Ambiente - Lídio Modesto da Silva Filho

    regional.

    CAPÍTULO 1 - SOBERANIA: DO NASCIMENTO HISTÓRICO À RELATIVIZAÇÃO

    Para se falar sobre mecanismos internacionais de proteção ambiental, necessário é trazer a lume a ideia de soberania do Estado e a sua relativização na linha do tempo em razão do avanço e da crescente relevância dos direitos humanos em âmbito global e, evidentemente, a convergência entre o direito ambiental como um direito humano.

    1.1 A EVOLUÇÃO CONCEITUAL DA SOBERANIA

    Não obstante a teoria política discutir o tema séculos antes, foi em meados da Idade Moderna que pensadores como Jean Bodin e Thomas Hobbes evoluíram com o conceito de soberania e indicaram o caminho do que, futuramente, desempenharia um relevante papel na solidificação do Estado Moderno, sendo que desde então não é possível vislumbrar tais conceitos desvinculados.

    Em razão do momento em que foram elaboradas as teorias tanto de Bodin quanto de Hobbes, ambos sustentaram doutrinas com objetivo de justificar a ambiência vivenciada em seus respectivos Estados, porque eram fautores do absolutismo.

    O conceito moderno de soberania, que serviria de base de todo o pensamento político futuro, foi forjado por Jean Bodin sendo a grande contribuição dado por ele à Ciência Política. Pelo conceito de soberania¹ entende-se tratar do poder absoluto e perpétuo de uma República. Referido conceito traz o vocábulo República que a conduz à ideia de poder estatal.

    Alberto Ribeiro de Barros² informa que é o próprio Bodin que reivindica a primazia de ser o primeiro teórico da soberania, sendo certo que foi este autor que teve o mérito de ter reunido e articulado ideias que pareciam esparsas em seus antecessores que trataram do assunto, tendo sabiamente contribuído para a sintetização das ideias em uma definição clara e precisa de um conceito pronto e acabado de soberania. Segundo Reinhold Zippelius, foi Jean Bodin que "caracterizou o novo curso do Estado moderno com o conceito de soberania.

    Ao tratar do conceito delineado por Bodin, Torrecillas Ramos indica que Bodin estabelece uma equivalência entre soberania e independência absoluta. Significa que o Estado está livre de todo tipo de subordinação frente a qualquer outro poder⁴.

    Bodin conceitua República como sendo reto governo de vários lares e do que lhes é comum, com poder soberano⁵, ou seja, um governo justo com poder soberano e para muitas famílias e dos que destas são comuns. A República deve, portanto, ser interpretada como sendo coisa pública e não como uma forma de governo. Este conceito de Bodin, direciona para o que é o fim principal do governo soberano. Interpretando o pensamento bodiniano, Chevallier diz que a República sem poder soberano que una todos os membros e partes dela e todas as famílias e colégios num corpo, já não é República⁶. Como reto deve-se ter o Estado como um governo que deve ser subordinado à moral, à justiça e ao direito natural⁷.

    O receio quanto à possiblidade do estabelecimento de uma anarquia leva Bodin a publicar sua obra em um período em que a França passava por incertezas e revoltas decorrentes de situação calamitosa de rusgas religiosas vivenciadas por protestantes e católicos que não reconheciam um mínimo de fundamento nas ideias e concepções um dos outros, e, de outro lado, o Rei tinha seu poder enfraquecido por não conseguir impor a autoridade e a paz entre seus súditos, de maneira que estes, com o panorama descritivo acerca da soberania e do soberano, somente se tranquilizam, influenciados pela ideia do autor de que havia uma vontade soberana e suprema que poderia preservar a ordem social e construir em França um Estado forte, centrado num poder real indiscutido e eficaz⁸.

    Neste período da história os reis europeus deviam obedecer não somente as leis divinas, mas também as leis dos homens, entretanto, com a teoria bodiniana o rei torna-se um ser soberano capaz de ditar a lei e desconstituir outras que reputasse inútil. É necessário que os que são soberanos não sejam de modo nenhum sujeitos às ordens de outrem e que possam dar leis aos súditos e revogar ou destruir as leis inúteis para fazer outras⁹.

    Assevera Bodin que a soberania não é limitada nem em poder, nem em responsabilidade, nem por tempo determinado¹⁰. Para Bodin o soberano exercia seu poder de maneira ilimitada, sobretudo no que pertine ao tempo, e, sem qualquer subordinação em âmbito interno e sem sujeição ou dependência de qualquer outro Estado. Entende que todos do povo devem assistir ao governante, aquele que detém a soberania, pois é absolutamente soberano aquele que não reconhece nada maior do que si, salvo Deus¹¹. Diz que devem assisti-lo para que este possa com seus feitos atingir o bem comum de todos em geral e o de cada um em particular¹².

    Chevallier¹³ assevera que soberania

    é esta força de coesão, de união da comunidade política, sem a qual esta se desintegraria. Ela cristaliza esta permuta de comando e obediência que a natureza das coisas impõe a todo grupo social que quer viver. É o poder absoluto e perpétuo de uma República.

    Na teoria bodiana o poder é absoluto e soberano, pois não tem outra condição que aquelas que a lei de Deus e a da natureza comandam¹⁴. O soberano concebido por Bodin exercia seu comando sem interrupção e sem se sujeitar a nenhuma outra ordem, todavia, o poder absoluto dos Príncipes e senhorias soberanas não se estende de modo algum às leis de Deus e da natureza¹⁵.

    Luigi Ferrajoli diz que para Bodin, naturalmente, o poder soberano absoluto está apenas nas leis humanas ou positivas, mas não nas naturais e divinas, às quais, pelo contrário, tal poder está submetido¹⁶. Conforme Jean Bodin, o poder soberano é absoluto e perpétuo. Perpétuo porque nunca tem fim¹⁷, ou seja, prevalece durante todo o tempo de vida daquele que possui o poder, tendo obediência de forma continuada. Mas não é personificada a perpetuação na figura do soberano, porque este é falível, transitório. O poder perpétuo é inerente à continuidade da República. É absoluto, sem vínculo com o absolutismo, porque não se submete a nenhum outro, que não o de Deus e o da natureza. Referido termo guarda relação com a ideia de um poder incondicionado em relação a possíveis entraves humanos, porque se submete somente apenas às leis naturais e à vontade divina.

    A soberania pode, teoricamente, residir igualmente na multidão (democracia) ou numa minoria (aristocracia), tanto como num só homem (monarquia)¹⁸.

    O pensamento de Bodin quanto ao conceito de soberania influenciou as bases da ciência política e no processo de formação do Estado Moderno, tendo ultrapassado os limites do território francês.

    Da mesma forma que Bodin exaltou o poder absoluto do soberano francês, Thomas Hobbes o fez na Inglaterra. Se o francês vivia contendas internas em seu país, Hobbes vivenciou a possibilidade de guerra com a Inglaterra, pois o fantasma da invasão de Felipe II da Espanha com sua Armada Invencível era constante, tendo, inclusive, afirmado que o destino quis que vivesse numa época da história inglesa pouco propícia a um amador da tranquilidade e da paz¹⁹.

    Quanto ao Estado, para Hobbes os homens viviam de forma natural e sem interesse na obtenção de poder ou de vivenciarem uma organização social e, para que isso fosse revertido, seria necessária a entabulação de um pacto. Segundo Hobbes o poder da força impera nas relações humanas e que a finalidade do culto entre os homens é o poder²⁰.

    Hobbes é um contratualista e para que a organização e o regramento de convivência pudesse surgir seria necessária a formulação de um pacto entre as pessoas.

    Firmado o pacto, passa-se, portanto, do estado de natureza para a sociedade civil organizada, mediante elaboração de um contrato social onde são transferidos os direitos de liberdade e posse de bens para uma terceira pessoa, a quem compete a criação plena de boas leis e regramento de sua aplicação – o soberano²¹.

    E por boa lei diz não se tratar de uma norma justa, pois nenhuma lei pode ser injusta. A lei é feita pelo poder soberano e tudo o que é feito por tal poder é permitido e reconhecido como seu por todo o povo, e aquilo que qualquer homem assim tiver ninguém pode dizer que é injusto. Uma boa lei é aquela que é necessária para o bem do povo e, além disso, clara.

    O soberano não firmava contrato, mas somente os homens entre si. Esses homens reunidos em contrato tem o direito de indicar quem irá deter o ilimitado poder soberano e formam o Estado, com vistas à paz e à defesa de todos.

    Segundo Norberto Bobbio²², a teoria de Hobbes confia ao soberano um poder não controlado sobre a esfera privada dos súditos, todavia, permite que estes tenham certa liberdade ao não realizar certas restrições. Ao tratar deste assunto Hobbes²³ afirmou que

    a liberdade dos súditos está apenas naquelas coisas que, ao regular as suas ações, o soberano preteriu: como a liberdade de comprar e vender, ou de outro modo realizar contratos mútuos; de cada um escolher a sua residência, a sua alimentação, a sua profissão, e instruir os seus filhos conforme achar melhor, e coisas semelhantes.

    Segundo Bobbio²⁴ o Estado hobbesiano subordina a Igreja ao Estado, arrogando-se o monopólio do poder ideológico, entretanto deixa a mais ampla liberdade econômica a seus súditos.

    A teoria hobbesiana não contemplava um ser específico para ser o soberano, poderia ser um homem ou uma assembleia de homens, inaugurando um caráter representativo daquele que detém o poder. O fim do Estado para Hobbes é a paz e a ordem e foi por ele descrito consoante segue²⁵:

    O fim dessa instituição é a paz e a defesa de todos, e visto que quem tem direito a um fim tem direito aos meios, pertence de direito a qualquer homem ou assembleia que detenha a soberania ser juiz tanto dos meios para a paz e a defesa como de tudo o que possa perturbar ou dificultar estas últimas; e fazer tudo o que considere necessário ser feito, tanto antecipadamente, para a preservação da paz e da segurança, mediante a prevenção da discórdia interna e da hostilidade externa, quanto também, depois de perdidas a paz e a segurança, para a recuperação de ambas.

    Para Hobbes o poder soberano poderia residir em um homem, numa monarquia, em uma assembleia, em uma república popular ou aristocrática e este poder é maior do que podem imaginar os homens que o criou e confiou²⁶. Para o autor é neste poder que consiste a essência da República, a qual pode ser assim definida²⁷:

    Uma pessoa de cujos atos uma grande multidão, mediante pactos recíprocos uns com os outros, foi instituída por todos como autora, de modo que ela pode usar a força e os recursos de todos, da maneira que considerar conveniente, para assegurar a paz e a defesa comuns. Àquele que é portador dessa pessoa chama-se SOBERANO, e dele se diz que possui poder soberano. Todos os demais são SÚDITOS.

    Para Hobbes o espírito da soberania consiste em ser poderoso o suficiente para lograr êxito em manter a paz e a defesa comum. Que o poder surge do acordo de vontades dos homens para garantir a paz. Soberano é o titular do poder²⁸.

    O Leviatã, este ser idealizado por Hobbes, é na verdade o Estado personificado em uma ou mais pessoas que detém todo o poder concentrado e é a síntese do hobbismo. É fruto da curiosa combinação de um espírito poderoso e rigoroso, fanaticamente mecanicista, com as obsessões de um coração prenhe de temor, ávido de paz, para ele próprio e para o seu país²⁹.

    Um olhar mais contemporâneo acerca do posicionamento dos dois autores analisados foi utilizado por Bertrand Badie, que ao iniciar sua obra diz que a afirmação de partida é muito simples: a soberania designa um poder último, sem princípio anterior que o pudesse matizar, emendar ou vigiar³⁰.

    Badie³¹ reconhece que com Bodin a ideia de Estado fez um progresso considerável, mas que a definição de Jean Bodin para a soberania era forte, talvez excessiva, quando assevera tratar-se de um poder absoluto e perpétuo da república, um poder centralizado que exerce sua autoridade suprema sobre um território.

    Para León Duguit a soberania é, por natureza, uma vontade sempre e exclusivamente de mando. É uma vontade superior a todas as demais que existem em um território dado. Existe sempre entre o soberano e os súditos um nexo de superior a subordinado³².

    Embora Bodin e Hobbes sejam absolutistas, as teorias se diferem em alguns aspectos. Este último fundamenta sua soberania no sujeito comum, diferentemente daquele, cujo soberano é a personificação divina. O enfoque de Hobbes em relação ao contrato firmado entre os homens, sem o envolvimento do soberano, torna este mais intolerante que o de Bodin e diminui conflitos entre soberano e súditos. Diferente de Jean Bodin, que recusa todo o tipo de pretensões históricas na partilha da soberania, Thomas Hobbes fundamenta a soberania em um ou vários sujeitos comuns. O que lhes é comum é a causa, que é o poder único sem partilha³³.

    Convergem, contudo, no fato de ambos os autores teorizarem a soberania como sendo uma autoridade absoluta, superior, ilimitada, sendo a expressão maior de um poder estatal e que não está sujeito a nenhuma interferência externa.

    Não somente a teoria bodiniana, mas também a hobbesiana, dizem respeito à caraterística de um Estado que o conduz a uma sobreposição em relação aos demais organismos sociais, sendo, portanto, a mais elevada autoridade de governo com permissão de livre ação tanto no plano interno quanto no plano externo.

    As teorias surgiram em momento de guerra e o conceito de soberania serviu de norte na solidificação do Estado Moderno e, no futuro, novos estados de guerra são motivos para uma mudança no modo de pensar humano ocasionando uma tomada de consciência mundial, que serviram de forte ruptura com o antigo formato absoluto para um novo significado internacional da soberania.

    1.2 CARACTERÍSTICAS DA SOBERANIA

    Para Bodin a soberania é como uma pedra de mármore que não pode ser despedaçada³⁴, logo, pela concepção bodiniana conclui-se que a soberania é una, indivisível, inalienável, própria e não delegada, irrevogável, coativa, suprema e independente.

    Em 1791 é aprovada a primeira Constituição Francesa, a qual dispunha em seu artigo 1º que a Soberania é una, indivisível, inalienável e imprescritível³⁵.

    A soberania é una porque não é admitida a convivência de mais de uma soberania em um mesmo Estado, o que significa que não pode ser dividida por dois governantes, ou por vários órgãos, ou por muitos. Tem de estar toda nas mãos do Rei³⁶.

    A soberania é indivisível porque é consequência de ser una, pois o poder do soberano não pode ser pulverizado. A ideia de concentração dos poderes no monarca era uma necessária condição para o absolutismo³⁷. Duguit³⁸ afirma que ela é indivisível porque não pode ser fragmentada em diversos elementos incorporados em órgãos distintos, porque todos esses órgãos seriam soberanos, o que é impossível, por ser a soberania una.

    A inalienabilidade da soberania guarda relação com o sentido de não ser transferida pelo soberano, porque é elemento essencial do Estado, não tendo, pois, um caráter extensivo ou outorgável. Quanto à inalienabilidade Duguit³⁹ aponta que o ser que detém a titularidade da soberania não pode cedê-la a outro.

    Diz ser a soberania própria e não delegada porque trata-se de um direito do próprio Rei.

    É suprema na ordem interna, no sentido de que representa um poder que não tem nem pode admitir outro poder com quem tenha de partilhar a autoridade do Estado. É a proclamação do Estado moderno, poder supremo em relação a quaisquer outros poderes. Somente pelo caráter absoluto da soberania já indica ser esta suprema, encontrando-se em um patamar de superioridade em relação aos demais poderes.

    A soberania é irrevogável, porque significa o princípio da estabilidade política, à luz do qual o povo não tem o direito de retirar do seu soberano o poder político que este possui por direito próprio⁴⁰.

    A característica da independência está afeta à ordem internacional, indicando que o Estado-nação é desvinculado de qualquer outro poder supranacional.

    Constata-se a coatividade da atuação estatal, porquanto somente o soberano pode valer-se do uso da força para impor suas ordens e verificar o cumprimento de suas leis.

    A característica da imprescritibilidade prevista na Constituição francesa diz respeito ao fato de que a soberania é exercida em caráter perpétuo, sem tempo determinado ou com possibilidade de ser suspenso, que demonstrasse transitoriedade, porque o Estado é constituído para vigorar e não para ter fim.

    O conceito de soberania é frequentemente associado com a noção de poder ou autoridade absoluta dos governos e dos Estados. A fórmula de Bodin, que define a soberania como a potestas legibus soluta ou que descreve o monarca como sendo legibus solutus, como não obrigados por lei, muitas vezes é invocado para corroborar o entendimento da soberania absoluta. A partir deste entendimento, infere-se que um Estado soberano, por definição, não pode ser obrigado a implementar quaisquer normas internacionais, como as normas de direitos humanos, a menos que tenha consentido e que possa controlar a sua aplicação. Bodin não estava preocupado com a elaboração de um princípio de poder absoluto dos governos (ou do monarca), no sentido de poder ilimitado ou mesmo arbitrário. Possuía a preocupação com a centralização da autoridade pública do monarca fornecendo a estrutura conceitual para o processo de nacionalização do poder, fator essencial para a emergência do Estado Moderno.

    A concepção básica do reconhecimento do princípio da soberania foi para proporcionar um conceito legal e um elemento estrutural ao sistema internacional, que concebeu aos novos atores a competência necessária para poder agir como parceiros estáveis nas relações internacionais, isto é, a competência e poder para fazer cumprir a lei interna e externa.

    A soberania foi o instrumento teórico para o estabelecimento de um ordenamento jurídico e político constituído por entidades identificáveis com uma capacidade de interação. A soberania não era sinônimo de que poder absoluto era imutável. O reconhecimento do princípio da lei natural pacta sunt servanda é apenas um outro pedaço que evidencia para este limitado conceito de soberania como um princípio legal.

    1.3 PROCESSO DE RELATIVIZAÇÃO DA SOBERANIA

    O termo soberania teve uma história longa e variada durante a qual foram dados diferentes significados, matizes e tons, dependendo o contexto e os objetivos daqueles que usam a palavra. Bodin e Hobbes formularam o termo para servir a sua percepção de uma necessidade urgente de organizar a ordem jurídica interna. Sua concepção influenciou durante vários séculos a política e o direito internacional, tornando-se o slogan conveniente para as várias monarquias absolutas no tempo. A soberania frequentemente foi atribuída a um indivíduo poderoso, cuja legitimidade sobre o território repousava sobre o poder divino do monarca.

    No processo de relativização da soberania, as normas internacionais de direitos humanos passam a se sobrepor ao princípio soberano dos Estados. Assim, os direitos humanos têm revolucionado o sistema internacional e o direito internacional. O conceito estático da soberania passa a se render às mais elevadas normas de direitos humanos que proporcionam fundamentos jurídicos e morais por ter ignorado os direitos soberanos dos Estados.

    A abordagem tradicional dos direitos humanos, em grande parte influenciada pela política filosófica de John Locke, possui em seus textos uma espécie de antigoverno ou anti-Estado. Tal característica vincula-se ao conceito clássico liberal dos direitos civis e políticos, que são projetados para verificar invasões do Estado sobre a liberdade do indivíduo⁴¹. Os direitos econômicos e sociais, por outro lado, dependerão da implementação pelos órgãos governamentais, não se esquecendo de que os direitos básicos tradicionais dependem da atuação estatal para sua aplicação em uma máquina estatal devidamente administrada. Para Kant, a liberdade do indivíduo só pode ser garantida quando inserida numa sociedade legal, compreendida por Kant como res publica.

    A soberania é uma questão de autoridade, ou seja, o direito de regulamentar suas normas em âmbito interno. A teoria jurídica estabelece que os países são

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