A Não Discriminação Tributária Internacional: uma Perspectiva do Instituto no Brasil - Volume 1
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A Não Discriminação Tributária Internacional - Juracy Aparecida da Silva
Sumário
CAPÍTULO 1 – A GARANTIA DA NÃO DISCRIMINAÇÃO FISCAL
1.1 - O PROBLEMA DO CONTRIBUINTE NO DIREITO TRIBUTÁRIO, O DIREITO À SEGURANÇA JURÍDICA, O DIREITO À JUSTIÇA E À NÃO DISCRIMINAÇÃO
1.1.1 - LINHAS GERAIS
O princípio da não discriminação é um dos aspectos mais relevantes do direito tributário internacional¹, com relação aos direitos fundamentais do contribuinte.
A não discriminação tributária tem urgência em ser mais e mais eficazmente uma manifestação do princípio da igualdade e, portanto, não se pode considerá-la uma utopia, para ser um princípio que as constituições preconizam e determinam que o Estado promova como tarefa fundamental. A não discriminação tributária não é sequer uma opção que uma maioria legislativa de conjuntura possa seguir e que outra possa rejeitar: é uma inerência do regime democrático. A não discriminação não é uma questão de opinião de que se possam desinteressar os Estados de Direito: porque manifestação da dignidade da pessoa humana.
A primeira questão neste contexto é a da sua relação com o direito a segurança jurídica, em que César García Novoa² traz o conceito de segurança jurídica em relação ao ordenamento jurídico tributário com maestria e as manifestações da segurança jurídica no ordenamento tributário, em especial no ordenamento espanhol e o direito a justiça. Com efeito, tem-se, nas Constituições, Convenções e Tratados, que os direitos fundamentais do contribuinte se constituem do direito à segurança jurídica, do direito à justiça tributária e do direito à não discriminação, que são garantias dos contribuintes, sejam essas garantias pelos meios impugnatórios, sejam por outros meios jurisdicionais ou arbitrais, ainda que antes se tenham os princípios gerais que servem de critério norteador no sistema fiscal para a situação legal do contribuinte.
Verifica-se, neste momento, que existem muitas pessoas trabalhando fora do seu país, como também uma quantidade muito grande de empresas com estabelecimentos fora do seu país. Essa situação toma novas proporções com a atual abertura de mercado e com a globalização; todas estas pessoas bem como os titulares das empresas são contribuintes que às vezes carecem de garantias e outras vezes possuem garantias equiparadas aos dos residentes. Por outro lado, a justiça e a arrecadação dos impostos, numa constatação em análise do sistema, ficam cada vez mais sem mecanismos de controle. Mesmo criando leis, assim como reformas, a justiça e a eficácia carecem de abordar mudanças na administração fiscal e nas informações.
Verifica-se que não é o bastante o que se tem hoje. É premente que todos os países, diante da nova ordem mundial, tenham a percepção de que falta algo mais. Cada vez mais, no mundo globalizado, com a atual abertura, ao exercerem suas atividades, as pessoas se veem diante de uma situação tributária injusta, discriminadas na sua relação com o fisco e até duplamente tributados nas suas rendas, por exemplo. Sendo o Direito dinâmico, e estando em constante mutação, por lógica constata-se que o Direito Tributário está também em transição no mundo, devendo adaptar-se às novas necessidades.
Nessa transição vale pontuar o momento de negociações entre Estados que se verifica hoje. Vislumbram-se possibilidades contextuais, dentre elas, a da montagem e a dos estabelecimentos de contratos
/convênios internacionais. Para isso, há que se ter uma maior abertura, por parte dos países, para a celebração de convênios para evitar a dupla tributação, mesmo que o interesse mediato seja a cooperação para evitar a fraude fiscal, elisão e planejamento fiscal abusivo - enfim, a fuga de arrecadação fiscal dos cofres públicos.
Esta tendência já não é de hoje. Em 21 de Junho de 1899, foi celebrado o primeiro convênio de dupla tributação entre a Prússia e o Império Austro – húngaro. Isso se deveu à estreita relação que esses governos mantinham. Mas, até hoje, a necessidade dessa boa relação entre os países é grande. Importante será ter essa consciência, mas, também, a de que os governantes estejam abertos e seguros de que há possibilidade de se compatibilizar necessidades ao se assegurar o bem comum. Como uma fórmula matemática a resposta é uma só. Mas, como não é de hoje esse tema, a preocupação começa a aumentar à medida que há uma maior abertura de mercado.
Foi em 1921 que um primeiro comitê de quatro economistas experts se formou para a elaboração de um modelo de convênios de dupla tributação, para servir de referência a qualquer país interessado em iniciar negociações nesse sentido. Esse estudo sobre os problemas de dupla tributação foi promovido/desenvolvido pela Sociedade das Nações, atualmente ONU - Organização das Nações Unidas, e teve tamanha importância que até hoje os modelos seguem a mesma articulação. Existem alguns modelos de convênio para evitar a dupla tributação. Até por conta de suas outras novas finalidades, ganha o nome de Modelo de Convênio Fiscal sobre a Renda e sobre o Patrimônio - pois a partir dos primeiros convênios passou-se a observar que havia casos em que alguns se valiam do convênio para deixar de pagar imposto num e noutro país.
A partir daí, muitas foram as iniciativas de modelos de convênio. Mesmo tendo uma numeração articulada muito semelhante em seus pontos relevantes, encontramos algumas diferenças substanciais em seus conteúdos. Cito os mais importantes:
- O Modelo Grupo Andino, por constar o recolhimento na fonte.
- O Modelo de Convênio dos USA (Estados Unidos da América), o qual, por ser de um país desenvolvido, utiliza-se de regras incompatíveis com os países em desenvolvimento e subdesenvolvidos, estabelecendo o critério de que todos os nacionais, empresas ou pessoas físicas têm que recolher, nos Estados Unidos, a sua renda, se tenha sido obtido em seu país ou em outro. Isso vem a contrapor-se ao interesse dos países pobres de cobrar imposto de renda das empresas norte americanas que venham a se estabelecer nesses países, sendo em sua maioria multinacionais.
- O Modelo de Convênio da ONU (Organização das Nações Unidas), que contém regras que suprem as necessidades dos países em desenvolvimento e subdesenvolvidos; um exemplo é a questão da tributação na fonte.
- O Modelo de Convênio da OCDE (Organização para a Cooperação do Desenvolvimento Econômico), o qual funciona como uma espécie de código tributário internacional que também depende de uma interpretação que tem valor fundamental, posto que os modelos de convênio não sejam diretamente aplicáveis. O MC OCDE será usado como base para esse trabalho por ser o mais adotado e plausível.
Para se ter uma visão geral de como o MC OCDE se organiza e/ou se classifica, Maria Angeles³ mostra a estrutura de modelo OCDE é muito semelhante a dos demais modelos⁴
Esses modelos sempre tiveram uma finalidade. Como praticamente o próprio nome já diz, a finalidade dos modelos seria a eliminação da dupla tributação econômica, resultado da aplicação do imposto similar em dois ou mais países a um mesmo contribuinte a respeito da mesma matéria tributável e pelo mesmo período de tempo
⁵. Hoje, porém, temos duas categorias de finalidades, e os modelos visam a atingir os primeiros e os segundos fins.
A versão atual do Modelo dos Estados Unidos data de 1966 (United States Model Income Taxation Convention of September 20, 1996), em substituição do Modelo de 1981, que deixou de vigorar em 1992. O objetivo do Modelo UE é servir de base às negociações de tratados fiscais com os Estados Unidos, adequando os às políticas e legislação interna dos EUA. Contrariamente ao que acontece nos modelos OCDE e Nações Unidas, o Modelo da UE não prevê o método de isenção, admitindo apenas o método do crédito de imposto, como forma de evitar a dupla tributação⁶.
Como primeiros fins, temos: a repartição de competências; a luta contra a evasão e a fraude; a colaboração entre administradores, com intercâmbio de informações e assistência.
Como segundos fins, temos: grau aceitável de justiça, atingir as operações transfronteiriças, evitar a tributação discriminatória, conseguir certa harmonização das legislações nacionais, segurança jurídica e certeza, que são imprescindíveis para as pessoas se estabelecerem com regras claras. As normas devem ser precisas, conhecidas e estáveis para que as exigências de segurança sejam preenchidas⁷.
De uma maneira ou de outra, todos esses fins têm uma relação com o princípio da não discriminação que ganhou lugar no artigo 24º dos modelos de convênio. A não discriminação, porém, não constitui princípio de Direito Internacional consuetudinário, nem um princípio geral de Direito Internacional⁸. Para que tenhamos direito, importa, ainda, que a normativa tenha jurisdicidade; que além da sua característica de intencionalidade, ou de uma específica possibilidade, se possa reconhecer histórico-socialmente vinculante e, portanto, dimensão determinante da prática social. Só a determinação e vinculação práticas transformam a jurisdicidade em direito
⁹ .
A correta análise e resolução desse problema pressupõem, ainda, o prévio esclarecimento da questão dos direitos fundamentais do contribuinte. Para isso se trata especificamente do direito à segurança, do direito à justiça e do direito à não discriminação. Sistematiza-se o que ocorre na União Europeia e no Mercosul no âmbito regional e no âmbito local, mais especificamente em Portugal e no Brasil.
O direito à segurança tem reconhecimento nos direitos naturais e imprescritíveis do homem, expressos na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão¹⁰, feita em 1789, e que foi concretizada posteriormente¹¹. Há lógica, portanto, conectar este estudo com o nascimento do Estado Liberal de Direito¹² e com os princípios filosóficos e políticos que ditam a concepção de Estado¹³. Interessa destacar, do ponto de vista jurídico, o relevante papel que se concede à lei – enquanto concepção de vontade geral e enquanto razão ordenadora - como instrumento-garante de um trato igual para todos perante a lei (objetivo), frente a frequentes arbitrariedades e abusos. O que equivale a afirmar a importância da lei como veículo gerador de certeza - que é o aspecto positivo do princípio da segurança jurídica - e o papel da lei como mecanismo de defesa frente às possíveis arbitrariedades dos órgãos do Estado - aspecto negativo do princípio da segurança jurídica. Daqui se infere a íntima relação existente entre os princípios da legalidade e da segurança jurídica¹⁴. Para o professor Diogo Leite de Campos, as garantias estão previstas nas normas (obrigacionais, procedimentais ou processuais) que visem assegurar a certeza e a segurança da relação jurídica tributária e a defesa do contribuinte perante ilegalidades da Administração. Estão aqui incluídos prazos, meios procedimentais de defesa (reclamações, por exemplo), ação de impugnação, etc.
¹⁵. Transporte-se isso, à necessidade da lei interna de um Estado se subordinar aos convênios e tratados internacionais, a partir de um pacto internacional que considere a não discriminação fiscal; a legislação nacional deverá observar, então, os preceitos desta proibição.
Nas palavras de Sáinz de Bujanda, já escritas há aproximadamente quarenta anos, mas muito atuais, podemos sintetizar: A segurança, nas suas duas manifestações – certificar o Direito e eliminar a arbitrariedade – tem que considerar indubitavelmente a função da legalidade e da justiça. Esta última e a segurança são valores que se fundamentam mutuamente e que, por sua vez, necessitam da legalidade para se articularem de modo eficaz
¹⁶. Já nos referimos à ideia de certeza e à de interdição da arbitrariedade, considerada como aspecto normativo e aplicativo, jogando-se em ambos os casos com o princípio da hierarquia normativa.
Pode dizer se que é a certeza do Direito e a interdição da arbitrariedade, como aspectos ou manifestações do princípio da segurança jurídica, César García Novoa¹⁷ faz uma proclamação retórica da segurança jurídica como Canon de controle da constitucionalidade e das normas tributárias que podem traduzir-se em um direito de certeza do contribuinte quando necessita das vias de defesa. Sendo derivado do Estado de Direito e sua configuração constitucional como princípio. Conceitua a segurança jurídica, analisando sua derivação da ideia de Estado de Direito e sua configuração como valor constitucional e como princípio. Destaca a tutela da segurança jurídica frente às leis, as disposições infra legais, atos administrativos e menciona a segurança jurídica no marco do Direito Comunitário. Nem sempre são facilmente diferenciáveis no mundo do Direito, sendo, contudo possível reconhecer-se-lhes um tratamento conjunto em estudos valiosos sobre o tema. Não obstante, pode oferecer-se uma exposição de forma separada, distinguindo, dentro da interdição da arbitrariedade, a sua projeção na esfera normativa e na esfera aplicativa¹⁸.
O direito à justiça formula-se expressamente para o sistema tributário com o apoio da igualdade e da generalidade, da não confisco e progressividade, e com o suporte da capacidade econômica. Sem querer alargar excessivamente o conceito, também se pode sustentar que onde prima o interesse geral está a justiça. Ora, nesse sentido, a justiça não se concebe sem dar cabal resposta ao princípio da solidariedade. O sistema impositivo justo é a instituição social em que convergem os princípios da igualdade, generalidade, não confisco da progressividade e capacidade econômica consagrados na Constituição, para que a justiça se realize na obtenção de determinados recursos públicos.
Sendo que o princípio da generalidade é entendido por Fernando¹⁹ como a generalidade dos contribuintes, ou seja, no artigo do Tratado²⁰, começa se dizendo que todos
contribuirão para o sustento dos gastos públicos, então
todos" referem-se à generalidade dos contribuintes; pessoas físicas e jurídicas residentes ou não residentes, nacionais ou estrangeiros. O princípio de generalidade é também um mandamento constitucional. Sem desconsiderar o valor dos outros princípios tributários. O sistema tributário justo traz a aplicação ponderada e harmoniosa do conjunto de princípios que afetam os institutos tributários.
O Princípio do não confisco consiste na arrecadação impositiva levada a cabo pelo Estado, que nunca poderá ser tal, que prive completamente os bens do sujeito a 100%. O que leva a estudar a proporcionalidade. Para Luis Felipe²¹ o princípio da proporcionalidade abrange três requisitos: o da adequação, o da necessidade e o da proporcionalidade em sentido estrito (ou justa medida). Para que seja considerada proporcional, uma medida de restrição de direitos deve ser adequada para fomentar o fim desejado; deve ser necessária para atingir o referido fim e não deve ser desproporcional à importância da realização do fim.
O direito à não discriminação, é também uma manifestação específica do princípio geral da igualdade de tratamento, e tem na União Europeia projeção no artigo 90º TCE e seguintes, nos artigos 12º, 39º, 43º, 49º e 54º TCE. Para o TJCE, essas normas têm servido para verificar a adequação do ordenamento jurídico dos Estados-membros às exigências derivadas do mencionado princípio, contribuindo para apurar o seu significado e conteúdo²² Fiscal²³. No artigo 5º f, Diretiva 88/361/CEE uma concretização deste princípio em ordem de condições iguais à livre circulação de capitais encontra-se que, apesar de não haver sido objeto de interpretação jurisprudencial²⁴, proíbe diversas manifestações de trato tributário discriminatório que são levadas à norma de Direito Comunitário originário²⁵.
Neste ponto, cabe abrir um breve parêntesis, para expor a diferença que, no plano que se considera, existe entre a União Europeia e os demais blocos regionais. Com efeito, importa reter que na União Europeia a ordem jurídica é comunitária e que isso inexiste no Mercosul e em outros blocos. Para mais, nestes não existe também um tribunal recursal, cuja jurisprudência seja um ponto de apoio da criação de regras que permitam aos contribuintes ter acesso à defesa dos seus direitos – no Mercosul existe apenas um tribunal arbitral, sendo certo que, na União Europeia, o TJCE tem obtido sucesso nesse sentido. Na falta dessa instância, a consequência é que cada contribuinte, que tenha um direito a ser preservado, fica no mais dos casos com um posicionamento não vinculante, emergente de uma consulta ao tribunal arbitral. Não se podem ignorar, neste contexto, as vozes que na doutrina se erguem contra a proliferação de tribunais internacionais. Ainda assim, recorde-se a proposta de criação de um tribunal internacional tributário feita primeiramente por Garelli²⁶, já em 1899, ideia essa que foi se consolidando nos anos vinte no âmbito doutrinal²⁷, e que foi centro das atenções do primeiro Congresso celebrado em Haya, em 1947²⁸.
A ordem no Direito Tributário é necessária, como fator de segurança, igualdade e justiça, em qualquer sistema jurídico, no qual o direito tributário se situe como ramo integrado numa ordem jurídica tecnicamente evoluída que o suporte. Por isto, a constituição nacional, através da consagração generalizada e expressa dos princípios da igualdade, da segurança jurídica em geral se entende que o princípio da igualdade é parte dos princípios que integram a justiça tributária. É assim uma igualdade objetiva. Noutro sentido o direito a igualdade (subjetiva) forma parte dos direitos fundamentais. Esta distinção é muito importante para aclarar onde se inclui o princípio da não discriminação. E têm a não discriminação regulada de maneira implícita no âmbito nacional. Ora, por se encontrar na Constituição, instituído dentro do ordenamento jurídico nacional, o direito tributário tem o seu fundamento nos princípios constitucionais e nos direitos fundamentais do contribuinte.
Pode, por ora, concluir-se que não basta que o Direito Tributário Internacional seja uma ordem – e que seja uma ordem segura. É necessário que seja uma ordem justa para revestir a segunda característica necessária para que as normas legais tributárias mereçam o nome de Direito Tributário. Essa exigência de justiça coloca-se em todos os níveis. Então, será que existe um direito a não discriminação? Ou ainda existirá um princípio da não discriminação? Veja-se o que é garantia e direito para entendermos ainda a não discriminação fiscal internacional como um direito ou princípio consuetudinário, ou não.
No que respeita à questão que se enuncia por último, há que ter em conta que a natureza do direito fiscal e a existência de ramos que estão para ele numa relação de subsidiariedade e que o ajudam a estruturar. Assim, terá que ser tido em conta que, nas palavras de Roy Rohatgi²⁹, são fontes do Direito Tributário Internacional, o Direito Internacional Público, os princípios, os acordos multilaterais e bilaterais, Tratados, normas consuetudinárias etc. Por outro lado, há ainda que reter que a ordem externa contribui para promover a ordem interna do