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Personalidade no Direito Penal: estudos interdisciplinares de direito e psicologia
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E-book222 páginas2 horas

Personalidade no Direito Penal: estudos interdisciplinares de direito e psicologia

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Sobre este e-book

Este trabalho, desenvolvido para a finalização do mestrado na Universidade Cândido Mendes, procura demonstrar que a personalidade, um conceito psicológico, é operacionalizado no direito penal de forma restrita e discriminatória, incidindo negativamente na pena do réu. Questionamos que esta utilização está vinculada ao conceito de "defesa social" sustentado pela Escola Positiva e procuramos localizar a qual, ou quais, teoria psicológica se reporta. Para melhor enquadramento destas hipóteses, trouxemos o percurso do conceito de culpabilidade nas doutrinas penais, as teorias da pena, a aplicação da pena e a criminologia, sendo que nesta última localizamos o nascedouro desta temática defensiva e ponto de interseção entre a psicologia e o direito penal, possibilitada pelas noções de periculosidade e personalidade. Esboçamos, também, a trajetória da psicologia, com as principais escolas teóricas e acreditamos ter evidenciado a sincronicidade de conceitos entre o direito penal e a psicologia, o que para nós reforça o componente ideológico subjacente a esta aplicação controvertida e parcial.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento4 de mai. de 2021
ISBN9786559565658
Personalidade no Direito Penal: estudos interdisciplinares de direito e psicologia

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    Personalidade no Direito Penal - Miguel Ângelo Nunes Bonifácio

    aristocráticos.

    CAPÍTULO 1 - DIREITO PENAL

    Como início acreditamos que uma exposição dos princípios constitucionais que norteiam e limitam o direito penal é um bom fundamento.

    Propostos e desenvolvidos pela doutrina e aceitos por todos os autores como marcos jurídico-legislativos, os princípios visam proteger valores sociais considerados relevantes em determinada época e cultura. Esses valores representam ativamente o sistema sociopolítico e ideológico do país, condicionando essencialmente a forma de tratar o objeto do direito penal.

    1.1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

    1.1.1 A palavra princípio tem variado sentido e interpretações no direito e na jurisprudência, dentre elas podemos citar Celso Antonio Bandeira de Mello:

    Disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhe o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. (BANDEIRA DE MELLO, 1997, pp. 450-451)

    Pensamento que pode ser complementado, pois começam por ser a base de normas jurídicas, podem estar positivamente incorporados, transformando-se em normas-princípio e constituindo preceitos básicos da organização constitucional (CANOTILHO e MOREIRA, 1991, p. 49), e mais os princípios exercem uma função ordenadora, conferindo unidade e consistência (GONÇALVES CARVALHO, 1999, p. 186) ao texto constitucional, além de apresentarem uma congruência, o equilíbrio e a essencialidade de um sistema jurídico. Postos no ápice da pirâmide normativa, elevam-se, portanto, ao grau de norma das normas (BONAVIDES, 1999, p. 265), um contorno teórico que concordamos, e acreditamos satisfatório ao nosso objetivo.

    Exploremos um pouco mais as ideias sobre estes fundamentos que "não se reportam a qualquer fato particular, e transmitem uma prescrição programática genérica, para ser realizada na medida do jurídico e faticamente possível" (ALEXY apud GUERRA FILHO, 2001, p. 127, nota 211). Para alguns autores os princípios constitucionais já vêm inscritos no próprio texto da Constituição, delimitando de forma evidente a sua recepção jurisprudencial, restando à interpretação definir a abrangência destas normas fundamentais no ordenamento jurídico infraconstitucional. É um pensamento de cunho dogmático, que pretende uma legitimidade restrita ao texto da Carta maior. Já outros juristas propõem uma compreensão mais ampla que extraia do texto constitucional princípios implícitos, não positivados pelo legislador, mas que o conformam de maneira essencial. Pensamento que poderíamos chamar de jurídico crítico², que pretende ampliar a base interpretativa constitucional. Tentaremos mostrar estas variantes apresentando o pensamento dos autores nacionais a que tivemos acesso.

    Como representante da primeira orientação teórica pode-se ver em José Afonso da Silva que todas as normas que integram a ordenação jurídica nacional só serão válidas se se conformarem com as normas da Constituição Federal (SILVA, 1990, p. 48), ideia que se aprofunda com a posição de Alexandre de Moraes, na companhia de autores como Vicente Ráo, Fernando Coelho, Raul Machado Horta, Juarez Freitas e outros por ele citados, pois somente por meio da conjugação da letra do texto com as características históricas, políticas, ideológicas do momento, se encontrará o melhor sentido da norma jurídica (MORAES, 2002, p. 44), numa tradição interpretativa de posição lógico-formal; intensificando esta postura teórica: a Constituição rígida é a lei suprema. É ela a base da ordem jurídica e a fonte de sua validade. Por isso, todas as leis a ela se subordinam e nenhuma pode contra dispor (FERREIRA FILHO, 1999, p. 20), e nesse mesmo pensamento as normas jurídicas constitucionais, ou normas contidas na Constituição, têm, assim, como o reconhecem os grandes mestres do direito público (Kelsen, Beard, Freund, Duguit, Fraenkel, Schmitt), uma característica dupla: são normas dotadas de uma superlegalidade e de uma imutabilidade relativa (PINTO FERREIRA, 1998, p. 14). Acreditamos que com estes trechos podemos demonstrar nosso entendimento de que estes juristas têm uma posição mais focada na legalidade positiva.

    Numa posição que podemos chamar de intermediária, por não ser tão crítica, mas que, ao mesmo tempo, traz inovações em alguns aspectos, Uadi Lamêgo Bulos propõe que o:

    Ato interpretativo constitui um meio importante e eficiente para adaptar os dispositivos supremos do Estado às necessidades emergentes do cotidiano (...) Construção e interpretação não são atividades distintas. Evidenciam fases de um mesmo processo. A construção está contida na complexidade do processo interpretativo, consistindo num estádio desse processo (...) O expediente supletivo da construction é reconhecido e utilizado pelos tribunais, que ao recomporem o direito aplicável, procuram suprir as deficiências ou imperfeições detectadas na Constituição. Nesse ínterim, à construção empreendida pelos tribunais cumpre a importante tarefa de adaptar as constituições à realidade da vida, promovendo, a depender das circunstâncias, mudanças substanciais no sentido, alcance e conteúdo dos seus preceptivos. (BULOS, 1997, pp. 198-199)

    Bem como Celso Ribeiro Bastos:

    Os princípios constitucionais são aqueles que guardam os valores fundamentais da ordem jurídica... Alcançam (...) esta meta à proporção que perdem o seu caráter de precisão do conteúdo, isto é, conforme vão perdendo densidade semântica, eles ascendem a uma posição que lhes permite sobressair, pairando sobre uma área muito ampla do que uma norma estabelecedora de preceitos. Portanto, o que o princípio perde em carga normativa ganha como força valorativa... O reflexo mais imediato disto é o caráter de sistema que os princípios impõem à Constituição... Outra função muito importante dos princípios é servir como critério de interpretação das normas constitucionais, seja ao legislador ordinário (...), seja aos juízes (...), seja aos próprios cidadãos. (BASTOS, 1990, pp. 143-144) (grifo nosso).

    Para alguns juristas de visão crítica, como Willis Santiago Guerra Filho, que segue na linha doutrinária de Paulo Bonavides, dentro de um modelo valorativo³ o princípio a que se deve reportar como essencial é o:

    Princípio da proporcionalidade, que determina a busca de uma ‘solução de compromisso’, na qual se respeita mais, em determinada situação, um dos princípios em conflito, procurando desrespeitar o mínimo o (s) outro(s), e jamais lhe(s) faltando minimamente com o respeito, isto é, ferindo-lhe seu ‘núcleo essencial’. Esse princípio, embora não explicitado de forma individualizada em nosso ordenamento jurídico, é uma exigência inafastável da própria fórmula política adotado por nosso constituinte, a do ‘Estado Democrático de Direito’, pois sem a sua utilização não se concebe como bem realizar o mandamento básico dessa fórmula de respeito simultâneo dos interesses individuais, coletivos e públicos. (GUERRA FILHO, 2001, p. 153)

    Não excluindo ou sobrepondo aos outros princípios positivados na Constituição. Como se vê é uma linha de pensamento que propõe uma interpretação mais extensiva do alcance político-social da dogmática jurídica, introduzindo conceitos amplos que possibilitem uma maior compreensão da estrutura legal.

    Já em Roberto Lyra Filho, que desenvolve um pensamento jurídico crítico de perspectiva dialética⁴, podemos ver a crítica mais contundente ao jusnaturalismo, ao positivismo, à legalidade estabelecida:

    Não é nas leis, nem é nos princípios ideais, abstratos: a Justiça real está no processo histórico de que é resultante, no sentido de que é nele que se realiza progressivamente... Direito é processo, dentro do processo histórico: não é uma coisa feita, perfeita e acabada; é aquele vir-a-ser que se enriquece nos movimentos de libertação das classes e grupos ascendentes. (LYRA FILHO, 2004, p. 86)

    Em especial dos grupos oprimidos na sociedade. Lyra Filho se esforçou em estabelecer um projeto alternativo que dinamicamente superaria as dificuldades da lei positiva em receber as contribuições jurídicas vindas de toda a sociedade, mais ainda das classes marginalizadas por séculos de exploração, o que provocaria profundas mudanças na interpretação constitucional, penal e civil.

    Acreditamos que a partir destes autores citados podemos considerar marcado o leque das posições divergentes na teoria do direito brasileiro, dentro do que nos propomos como abertura.

    Assim, passaremos a estreitar o campo de estudo e então trabalhar com a ideia de limitação do direito penal instituído a partir dos princípios constitucionais, expressos ou implícitos no texto da Carta Constitucional de 1988, mantendo a pretensão de não detalhar demais, visto o âmbito deste trabalho.

    1.1.2 Os direitos fundamentais, ou direitos humanos, inscritos constitucionalmente são, por si, princípios limitadores do poder estatal:

    Ressalte-se que o estabelecimento de constituições escritas está diretamente ligado à edição de declarações dos direitos do homem. Com a finalidade de estabelecimento de limites ao poder político, ocorrendo a incorporação de direitos subjetivos do homem em normas formalmente básicas, subtraindo-se seu reconhecimento e garantia à disponibilidade do legislador ordinário. (MORAES, 2002, p.58)

    No que coincide com a doutrina de autores brasileiros⁵. Ampliados a partir da base liberal clássica dos direitos individuais do século XVIII, hoje contemplam também direitos sociais e econômicos, ou de segunda e terceira gerações, que procuram abranger a cada vez mais complexa estrutura da sociedade. Inseridos constitucionalmente, no caso da Constituição Federal de 1988, o título II, passam a ter uma relevância inquestionável na ordenação penal.

    Vamos nos estender nos princípios que entendemos mais relevantes, a saber: o princípio da legalidade, o princípio da culpabilidade, o princípio da lesividade, o princípio da proporcionalidade, o princípio da humanidade e o princípio da responsabilidade pessoal, e iremos utilizar para isso de referências teóricas que consideramos influentes: Aníbal Bruno, Heleno Fragoso, Juarez Cirino dos Santos, Nilo Batista e Raúl Zaffaroni.

    O princípio da legalidade foi recepcionado já na Constituição Imperial de 1824, artigo 179, XI, e desde então o encontramos nas constituições posteriores, exceto nas de 1937 e 1967, quando o pensamento político da época permitia uma restrição dos direitos já consagrados⁶. Na Constituição Federal de 1988 vamos encontrá-lo no:

    Art. 5º. XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.

    E é reforçado no Código Penal vigente:

    Art. 1º. Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.

    Historicamente, apareceu pela primeira vez nas constituições estaduais da Virgínia e Maryland, dos EUA, em 1776, e posteriormente colocado em quase todas as legislações penais do ocidente, através da fórmula cunhada por Feuerbach: "nullum crimen, nulla poena sine lege" ⁷.

    Esse princípio é equivalente à reserva legal e possibilita a exclusão da arbitrariedade e da insegurança na administração da justiça punitiva (FRAGOSO, 2006, pp. 7-8). E podemos encontrar um reforço da importância deste princípio e uma crítica de época ao abandono do princípio em algumas legislações (BRUNO, 2003, pp. 124-126). Definido "como fonte exclusiva e limite intransponível no direito de punir (CIRINO DOS SANTOS, 2006, p. 47), é o mais importante instrumento político-penal de proteção individual no moderno estado democrático de direito, porque proíbe a retroatividade, o costume, a analogia e a indeterminação das penas. Para Zaffaroni, Batista, Alagia, Slokar, diferentemente de Fragoso, o princípio da legalidade é complementado pelo princípio da reserva (legal), uma posição defendida por Pontes de Miranda que inclusive nomeia de legaliteralidade" (apud ZAFFARONI, BATISTA, ALAGIA e SLOKAR, 2003, p. 202). Como vimos, autores de marcada influência sempre recepcionam esse princípio nos seus textos doutrinários como um marco dos direitos fundamentais.

    A proibição da retroatividade da lei penal, ou princípio da irretroatividade da lei penal, é fundamental para se manter a legalidade da ação ou execução penal, sendo estabelecido pela regra lex praevia⁸, previsto no inciso XXXIX, do artigo 5º da Constituição e no parágrafo único, do artigo 2º do Código Penal, e aplicada sobre as suposições da punibilidade que possam prejudicar o réu, bem como sobre a criação ou ampliação de justificativas, causas de exculpação, as chamadas condições objetivas da punibilidade, de redução do prazo prescricional, de qualquer alteração favorável na disciplina legal de causa extintiva da punibilidade, de regimes ou progressões executório-penais, de excarceração etc., atingindo até as medidas de segurança e análogas⁹. Mas esta proibição comporta uma exceção que é representada pelo princípio da lei penal mais benigna, igualmente previsto no artigo 5º, XL da Constituição da República (CIRINO DOS SANTOS, 2006, p. 21). Para Bruno os dois princípios acima citados podem ser condensados em um – o da aplicação da lei mais benigna, como forma de resolver os problemas do conflito entre leis penais que se sucedem (BRUNO, 2003, p. 160), ou que se alternem, ou as leis penais temporárias ou excepcionais, ou a questão da retroatividade de complementos das leis penais em branco etc., temas que Zaffaroni, Batista, Alagia, Slokar tratam extensamente no primeiro volume do seu Direito penal brasileiro.

    O costume como fonte imediata do direito penal é proibido pela expressão lex scripta¹⁰, e como a proibição acima descrita somente é aceito para favorecer o réu, nunca para fundamentar a criminalização ou punição. Desta forma, através de termos da própria lei, referidos tácita ou explicitamente, pode-se limitar a tipicidade penal (ZAFFARONI, BATISTA, ALAGIA e SLOKAR, 2003, p. 203), e, também, valerá na extensão de causas da antijuridicidade, ou da culpabilidade (BRUNO, 2003, p. 122). Assim, também, funciona a proibição da analogia, sendo apenas permitida, desde que não seja arbitrária, quando in bonam partem¹¹, pois do contrário possibilitaria um formidável arbítrio judicial na criação de novos tipos e penas, que são vetadas na fórmula lex stricta¹². Entende-se ser a aplicação analógica in malam partem¹³ um comprometimento da segurança do indivíduo em face do poder punitivo do Estado, que o princípio visa garantir como conquista democrática liberal, nos traz um exemplo de infração legal a este postulado (FRAGOSO, 2006, p. 210).

    A prescrição lex certa que determina o princípio da taxatividade, ou proibição da indeterminação penal, que busca a menor indefinição do texto legal e a maior uniformização na interpretação da lei, propõe um mínimo de determinação dos comandos da lei penal, cuja ausência inviabiliza o conhecimento das proibições e rompe a constitucionalidade da lei penal (CIRINO DOS SANTOS, 2006, p. 23). Tal proposição é referida como princípio da máxima taxatividade legal que se exige ao dar forma a uma lei com palavras da maior exatidão e precisão técnica, para evitar o arbitrio judicis¹⁴ na determinação legal, produzida por limites pouco definidos na aplicação do tipo penal através de conceitos vagos e imprecisos (ZAFFARONI, BATISTA, ALAGIA e SLOKAR, 2003, pp. 206-211). Pois a incriminação indeterminada entrega a identificação do fato punível ao arbítrio do julgador. Este princípio, também, se manifesta no âmbito interpretativo do direito penal, exigindo do juiz a total abstenção da interpretação analógica desfavorável ao réu (FRAGOSO, 2006, pp. 104-116).

    A culpabilidade é de tal maneira importante no direito penal que se formulou um princípio, para melhor definir sua extensão, considerado por Fragoso como básico e fundamental para todo o sistema punitivo (FRAGOSO, 2006, p. 267) e por Bruno como uma exigência jurídica atual impreterível (BRUNO, 2005, p. 13). Trataremos no momento da culpabilidade como princípio, e para as outras definições deste conceito no direito penal iremos trabalhar mais à frente. Com uma profunda relação com o princípio anterior, assim estabelece Cirino dos Santos:

    Se pena pressupõe culpabilidade, e culpabilidade se fundamenta no conhecimento (real ou possível) do tipo de

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