Não Sem Inquietação: Poesia
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Não Sem Inquietação - Nelson Santrim
NELSON
SANTRIM
NÃO SEM INQUIETAÇÃO
(Poesia)
nada em troca
um remendo não faz o fato
e isto é matéria de facto
não podemos viver do acaso
das migalhas que vão sobrando
se nada ganho não invisto
e se tudo parece um misto
de esperteza e aproveitamento
não espero sequer um momento
não quero nada de tudo isso
sem saúde sinto-me enfermiço
a lágrima é um pus que rasteja
sempre para o fundo pela face
e eu só fico à espera que passe
não venço quem não me dá luta
se se recusam a dar resposta
e então nada recebo em troca
por ser um pouco valente e audaz
sei que aos outros nunca se faz
o que não queremos para nós
e eu já confundo com que voz
me fala quem nada tem para dar
anda meio mundo a me enganar
em dias tristes
se me sinto sorumbático
o sol brilha muito menos
e o ar é pesado e bafiento
respiro fundo com dificuldade
adormeço obliviando a realidade
as nuvens não parecem passageiras
quando os dias estão tristes
e demora o tempo a passar
na ampulheta das minhas dores
em dias tristes e infaustos
regressa cedo o estupor
para me indispor até ser tarde
e eu a sentir-me à beira do enfarte
a luz não aquece e o frio intensifica
o remorso aparece e não se esquece
um ressentimento vesgo sempre fica
não consigo ver a direito a estrada
num caminho que não leva a nada
faço por levantar toda a poeira
estes dias atiram-me aos olhos areia
esperança sempre surge e frutifica
na alvorada que abre e vivifica
os dias tristonhos também passam
acordo diferente com outra visão
esqueço que o destino é tudo acabar
se também a infelicidade vai findar
advertência gélida
algo não está bem
dizem-mo gorado
dízimo soletrado
da carteira aberta
a mente se fecha
o coração dadivoso
que ameaça raivoso
romper o sacrário
com punho sarcástico
sem nenhum rasgo
mandam-me calar em silêncio
não me julgo um inocêncio
vivo com a culpa
ingénuo de tenaz madura
conflituoso no ímpeto
de fazer progredir a confusão
dou de barato cada palavra
vã receita do discurso
que peca sempre na inacção
irresoluto
dou por mim abúlico
sem me decidir o que fazer
viver antes de morrer
é algo factível e a fazer
mas para quê é um sentido
a dar ao porquê da intuição
entre o sim e o dizer não
vai a distância entre os pilares
da ponte sobre o rio parado
à espera de um milagre de peixes
escamados pelas palavras santas
de um homem-macho de saias
enquanto se aguarda a decisão
sobe uma erisão na atmosfera
e rompe a fera em pranto súbito
como quem geme num púlpito
e amansa as crianças no recreio
comendo bolachas com recheio
na hora do penálti sem adivinhar
a incerteza na bola que vou chutar
insuficiência lamentável
se não julgo conseguir
logo hesito e me sinto
insuficiente no agir
estrangulo a paciência
e mordo os lábios
a raiva de sangue pisado
esqueço o obscuro
em que me obscureço
e assim permaneço
até me sentir seguro
o olhar treme na visão
do que é de achar importante
para que haja razão
no pingo da seiva restante
enquanto amanhece
amanso o meu orgulho
vivo como posso
rompo o tempo e nego
caio sem fundo num poço
de fel e amargura
derreto a esperança no lume
brando de ameaça sem meça
ardo no breu do vivo ouro
simples afirmações
uma pessoa diz que disse
e ninguém a ela ouviu
ou deu mais importância
que ao ovo e sua fragância
estrelado com a gema azul
de corante bem apetitoso
que mais não é que tinta
a servir com tainha do esgoto
o que digo é fácil de esperar
para entender o esclarecimento
depois de depois