Valentinus: O mal nunca desiste
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Valentinus - SILVANIO M NUNES
PRÓLOGO
Quando o jornalista veterano Valentinus Ordine volta a investigar um crime ocorrido no passado, coisas no mínimo estranhas começam a ocorrer a sua volta.
Passava da meia-noite e naqueles primeiros minutos de uma madrugada chuvosa de 1988 na periferia do Rio de Janeiro, o então jovem caçador de notícias presenciou um crime tenebroso. Logo percebeu estar diante de algo muito mais poderoso do que poderia imaginar e enfrentar.
Depois de quase três décadas, Valentinus finalmente encontrou e reuniu forças para voltar à cena do crime sobrenatural o qual testemunhou e lhe perturbou por tantos anos. Despertado após ler em um jornal uma matéria sobre o tráfico de drogas no Morro dos Coveiros e receber a visita de seu neto, resolve voltar ao passado no local do misterioso crime. Foi tudo terrivelmente tão inacreditável naquela noite, que ele não conseguiu relatar a quase ninguém integralmente o que viveu naquele episódio. Nem para sua amada e saudosa esposa, com vida na época.
Cássio, seu neto de férias no Rio de Janeiro, foi o único com quem Valentinus desabafou depois de insistentes questionamentos do adolescente, e torna-se então a partir daquele momento seu fiel assistente na busca de uma resposta ao ocorrido.
Valentinus.jpgValentinus Ordine
O PACTO
Europa, século XIX.
Numa manhã cinzenta de 1805 na Inglaterra foram executados mais de cento e quarenta acusados entre homens e mulheres por supostos envolvimentos em práticas de bruxaria. O médico Richard Wordmet seria mais um enforcado entre eles não fosse sua fuga da prisão durante a madrugada graças há um favor pago por um dos vigias do calabouço, a quem o condenado teria conseguido milagrosamente curar a esposa de uma doença grave um mês antes. O inglês fugiu com sua família terminando em Portugal onde conseguiu trabalhar como médico na coroa portuguesa. Com o avanço das tropas napoleônicas a corte portuguesa parte para o Brasil com uma grande comitiva. Dessa forma Richard, sua esposa e suas três filhas terminam se instalando no Rio de Janeiro.
Depois de ter passado uma década, Kate a filha mais nova torna-se mãe solteira o que faz com que ela seja expulsa de casa. Seu filho Charles Wordmet cresceu num cortiço. Aos dezesseis anos o unigênito já adolescente revoltado com sua má sorte e uma vida infeliz marcada pela miséria, oferta sua alma num pacto macabro onde teria que por fim na existência da sua própria genitora em troca de riquezas, poderes sobrenaturais e juventude eterna.
Agora com poderes mágicos provenientes do ocultismo, o bruxo consegue prosperar e segue sua missão. Todavia para manter seus poderes e imortalidade ele teria que continuar destruindo a vida das pessoas, das mais jovens principalmente.
Passados mais de cento e cinquenta anos, Charles continua atuante com suas obrigações e concentrando suas estratégias agora no tráfico de drogas, uma atividade perfeita para seus intentos perniciosos. Destruindo famílias e mais famílias. Seu alvo perfeito. Escondendo-se livre de qualquer suspeita num casarão nas proximidades de Paraty no Rio de Janeiro, ele controla o comércio de entorpecentes em várias comunidades, entre elas uma das mais perigosas da cidade maravilhosa, o Morro dos Coveiros.
Com a falência de um Estado controlado por autoridades corruptas, não enfrenta muita resistência e nem oposição para continuar com suas práticas de feitiçaria.
Até que um dia Charles depara-se com um jornalista aposentado que luta para que os jovens abram os olhos e fiquem longe das drogas. Um empecilho que o bruxo terá que por fim para continuar mandando jovens para a morte.
A ÚLTIMA PEDRA
O uso de pedras de crack já fez milhares de vítimas. Dizem alguns que é uma forma de cocaína mais destrutiva e também a segunda droga mais viciante do mundo, perdendo apenas para a heroína. Uma perigosa pedra de tropeço para a sociedade.
Já era quase madrugada de uma noite fria e chuvosa do inverno de 2017. Em uma rua deserta e pouco iluminada, em um sobrado há anos abandonado no Rio de Janeiro, mais um jovem rapaz estava a caminho para fazer parte dessa triste realidade.
Uns vinte usuários e três vendedores de drogas se aglomeravam no cômodo fétido e imundo. Ao som de gemidos e risadas entorpecidas, o fedor de fezes e urina misturava-se com uma fumaça que impregnava todos os cômodos. O grupo de jovens com não mais de trinta anos, mais pareciam um bando de mortos-vivos consumindo crack, cocaína e maconha. Um dos jovens começou a ter convulsões sem que ninguém percebesse sua agonia provocada pela overdose. Caído ao chão asfixiava-se na sua própria saliva. Um lampejo iluminou as trevas do quarto abandonado por um instante e uma rajada de vento passou pelo vão da janela e fez rodopiar algumas folhas de jornal. O rapaz estava morto. Seu coração não suportou mais os severos danos impostos à saúde.
Um luxuoso carro preto parou silenciosamente na porta do sobrado da década de sessenta quase em ruínas. Caramuru, um homem de aproximadamente trinta anos com feições indígenas desceu do veículo e com dois passos ligeiros se abrigou da chuva debaixo da marquise.
Com vestes pretas e com o capuz da jaqueta cobrindo-lhe a cabeça quase se tornou invisível no escuro. Do alto dos seus quase dois metros de altura olhou para os lados para ver se não corria nenhum risco. Estava tudo tranquilo. Não havia nenhum sinal da polícia. Nenhuma viatura. Como uma sombra passou pelo portão destruído pela ferrugem.
Subiu os dezoito degraus da escadaria em seis passadas. Adentrou no que algum dia fora uma confortável suíte cruzando por cima do corpo do recém-falecido.
– MARRETA! MARRETA! – bradou o homem com olhos cheios de fúria.
Seus gritos não surtiram nenhum efeito. Continuou avançando pelo pavimento superior com raiva saindo pelos poros e pelas narinas.
Marreta era um negro de estatura média. Tinha uma cabeça grande comparada ao corpo e meio quadrada, daí vinha à origem do seu apelido. Tinha também uma dívida com o traficante e ao escutar seus gritos por ele, disparou em fuga pelo corredor de tacos soltos de madeira chegando até a perder uma de suas sandálias. Ao chegar ao último quarto planejava fugir saltando pela janela, mas para o seu desespero encontrou uma janela sem saída. Uma grade de ferro frustrou o fugitivo. Agarrou-se sacudindo inutilmente as barras de ferro. Em um décimo de segundo virou o corpo para correr e se enfiar em outro cômodo. Ele sabia que sua vida estava por um triz. Entrou no outro cômodo, correu para a outra janela e uma esperança de escapar foi vista pelo homem desesperado. A grade estava com algumas barras bem prejudicadas pelas intempéries. Agarrou-se mais uma vez as barras de ferro. Sacudia , retorcia , empurrava e puxava. Foi quando nesse instante ouviu a voz do seu algoz.
– Aonde você pensa que vai? Seu cão mentiroso.
– Ca-Caramuru – gaguejou o negrinho.
– Cadê a grana. Eu quero a minha grana.
– P-p-preciso de mais uma semana.
– Chega. Você pensa que eu sou um palhaço – esbravejou Caramuru agarrando Marreta pelo queixo. Com a outra mão afundou seus dedos em seu pescoço fino.
O moço aflito tentou pronunciar o que seria suas últimas palavras, mas suas palavras ficaram presas na sua garganta.
– Nesse tipo de negócio quem não paga com a grana paga com a vida – disse o homem suspendendo o rapaz quase meio metro do piso.
Caramuru jogou o rapaz contra a parede. Marreta tentou se levantar quando viu o seu carrasco puxando uma pistola prateada acomodada nas suas costas. O som de dois tiros soaram pela vizinhança.
Caramuru saiu como um corisco do prédio, metendo-se no carro preto estacionado. Após ter tirado a vida do marginal, ele seguiu em alta velocidade por uma avenida. Ao percorrer um pouco mais de duzentos metros foi barrado numa blitz conjunta formada pela Guarda Nacional, Exército e pelas polícias Militar e Federal. Ao receber a ordem de um agente de segurança para parar, Caramuru enfiou o pé no acelerador jogando o possante automóvel contra uma dupla de soldados do Exército. Um deles foi jogado para o alto e o outro arremessado há uns vinte metros de distância.
Sirenes estridentes abriram caminho pela avenida e iniciava-se uma frenética perseguição. Um helicóptero da Polícia Civil que monitorava o perímetro apontou seu farol sobre o carro do bandido, ao mesmo tempo em que passava todas as coordenadas para o pessoal do solo.
Caramuru penetrou em uma área arborizada conseguindo fazer com que o helicóptero perdesse o contato visual. Abandonou o carro que tinha sido roubado pela manhã por um dos seus garotos e entrou em um ferro velho. Surpreendido por um cão de guarda, o bandido escalou agilmente uma pequena montanha formada por sucatas metálicas. No encalço do invasor o bicho rosnava e latia ferozmente. Mesmo a salvo dos poderosos dentes do animal, Caramuru sabia que ficando preso ali logo poderia ser capturado pelos homens da Polícia denunciado pelos latidos do cão. E para piorar a situação sua munição estava quase chegando ao fim. Foi isso que ele constatou ao vasculhar seus bolsos repetidas vezes. Só lhe restavam duas balas no carregador.
Resolveu então gastar a penúltima munição no rottweiler. Já fora do ferro velho, com a Polícia novamente em seu encalço, o bandido decidiu roubar um carro que estava parado no semáforo.
No carro havia um bebê preso à cadeirinha no banco de trás e seus pais foram expulsos pelo bandido.
– Me deixa pegar meu filho. Pelo amor de Deus – suplicou a mãe desesperada.
Caramuru não se importou com o clamor da mulher e partiu com o carro sem piedade. Deixados para trás, os pais foram convidados a embarcar em um carro da polícia e iniciaram uma angustiante e cautelosa perseguição para que nada de mal fosse feito à criança.
Passados sete minutos de alucinada fuga o carro para em frente ao cemitério Campo dos Anjos, na comunidade do Morro dos Coveiros. O perigoso bandido saiu do carro, escalou o portão da necrópole e saltou para a escuridão que predominava pelo lado de dentro.
Imediatamente as viaturas da polícia chegaram. Todas as atenções foram dadas ao bebê sequestrado. Nada havia ocorrido de mal ao bebê e logo foi para o colo seguro e acolhedor de sua mãe. Outro grupo de policiais que chegou logo em seguida pulou também o portão na tentativa urgente de prender Caramuru. O helicóptero surgiu novamente apontando a sua lanterna para o solo. O facho de luz corria sobre as sepulturas. Passaram-se cerca de meia hora de busca e a polícia não achou nenhum vestígio do Caramuru.
O chefe do tráfico de drogas do Morro dos Coveiros conseguiu mais uma vez fazer a polícia perder seu rastro.
– O rato se embrenhou na mata – disse com resignação um tenente da Polícia Militar aos seus subalternos.
A equipe do helicóptero insistiu por mais alguns minutos sobrevoando a copa das árvores nos fundos do cemitério e na encosta do morro, desaparecendo em seguida ao retornar para sua base.
Da janela de um casarão do alto do Morro dos Coveiros, um par de olhos observava com satisfação os policiais partindo golpeados pela frustração.
O ETERNO JORNALISTA
Os primeiros vestígios da luz do sol sobre a face do Cristo Redentor anunciavam o início de mais um dia frenético na cidade maravilhosa. O burburinho da mata penetrava quase sufocado nas dependências de um cômodo pouco iluminado no quinto andar de um edifício no Jardim Botânico.
Com uma decoração bem simples, o que não refletia o esplendor do condomínio de luxo, habitava um recém idoso de cabelos grisalhos. Com menos de quatro meses vivendo como aposentado, ainda se adaptava à nova rotina. Depois de trabalhar por quase quarenta anos no Diário Guanabara, Valentinus continuou no seu emprego mesmo depois de se aposentar. Mas viu-se obrigado