Marxismo e Psicossociologia
De Max Pagès, Claude Faucheux, Joseph Gabel e
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Marxismo e Psicossociologia - Max Pagès
Prefácio
Nildo Viana
Se eu estivesse ensinando num curso de introdução à Psicologia, recomendaria aos alunos alguma leitura de Karl Marx, não pela sua filosofia econômica mas porque ele compreendeu o significado básico do poder econômico e social irracional e viu que a forma como se adquire o poder condiciona o conjunto particular de crenças racionais
(ideologia
) que se escolhe.
Rollo May
A presente coletânea aborda o tema marxismo e psicossociologia, sendo esta última expressão pouco conhecida em nosso país, embora bastante utilizada em outros, especialmente na França. A relação entre marxismo e psicologia, e com a psicologia social já possui inúmeras publicações no Brasil. Porém, sobre marxismo e psicossociologia há poucas publicações. Isto se deve ao fato de que poucos textos dos representantes da chamada psicossociologia (também conhecida como análise institucional, sociologia da intervenção, etc.) foram traduzidos para o português. No Brasil, além de alguns artigos na Revista Vozes, Georges Lapassade teve seu livro Grupos, Organizações e Instituições, editado pela editora Francisco Alves (que também publicou A Favor ou Contra a Autoridade, de Michel Lobrot) e Chaves de Sociologia, pela Paz e Terra, e René Lourau teve sua obra, A Análise Institucional, publicada pela Vozes, e mais alguns poucos textos. Um pouco depois foi publicado o livro de Max Pagès e outros, O Poder das Organizações, pela Atlas. Em Portugal há um número maior de publicações, seja em coletâneas ou livros isolados. Claro que seu número aumentará se adicionarmos os seus mais influentes inspiradores: Sigmund Freud, Carl Rogers, Kurt Lewin, Moreno e em alguns casos até Hegel, Sartre e Marx. A psicossociologia é pouco conhecida principalmente no Brasil e isto aumenta a importância da publicação da presente coletânea.
A abordagem psicossociológica possui, como se verá nos textos a seguir, diversas orientações. Seu principal eixo se encontra em abordar temas como: a questão do cotidiano nas organizações, a burocracia e, em alguns casos, a autogestão (a autogestão pedagógica, por exemplo, é objeto de reflexões aprofundadas de Lapassade, Lobrot e Lourau). Marx exerce uma forte influência sobre alguns destes pensadores, juntamente com Freud. Porém, a relação entre marxismo e psicossociologia é mais complexa. Sem dúvida, os representantes da psicossociologia contestam o marxismo oficial (bolchevismo e social-democracia) e assim se aproximam do marxismo autêntico e autogestionário, retomando assim suas correntes mais radicais (comunismo de conselhos, luxemburguismo, o chamado esquerdismo
em geral), embora não explicitamente. Contudo, não devemos esquecer que esta é uma das tendências no interior da psicossociologia, que convive com outras tendências de posições mais conservadoras.
Mas há uma diferença forte entre a psicossociologia e o marxismo autogestionário¹. O marxismo autogestionário não abandona a ideia fundamental da luta de classes. Também não faz concessões no que se refere ao método dialético. Assim, poderíamos fazer uma comparação entre diversos aspectos abordados pela psicossociologia, tal como a posição diante dos partidos políticos (crítica, em ambos os casos), dos movimentos sociais, do cotidiano, das organizações em geral, da transformação social e seus obstáculos, etc.
Mas isto demandaria uma discussão muito ampla que não pretendemos fazer aqui, pois além de inúmeras questões em jogo, há também as diferenças entre os marxistas autogestionários e as divisões entre os adeptos da psicossociologia. Queremos destacar, tão somente, um elemento fundamental que perpassa todos os textos aqui apresentados: a discussão em torno do macro
e do micro
.
Esta discussão, que não se encontra apenas na psicossociologia francesa, mas também em diversas outras ciências e escolas acadêmicas, se revela bastante interessante para a perspectiva marxista. A distinção entre micro e macro parte de um equívoco metodológico ao se considerar que é possível a própria distinção. O que é o micro? O que é o macro? O micro seria o cotidiano e o macro as estruturas. Logo, vemos uma discussão já antiga sob outros termos e que sempre volta. Ela está presente contemporaneamente nas discussões da história das mentalidades e pós-estruturalismo (chamado ideologicamente de pós-modernismo), por exemplo.
O micro é o que existe no mundo cotidiano, a vida privada, os pequenos grupos, a unidade de produção. Ora, isto está presente em Marx. Por exemplo, a unidade de produção é onde Marx descobre o processo de produção de mais-valor. A unidade de produção, a fábrica, tem um papel central na teoria do capitalismo de Marx. Se ele não enfatizou determinados aspectos da unidade de produção, se preocupou com a questão da exploração e da dominação e não de outros aspectos presentes, isto se deve ao seu objetivo imediato, o que determina a ênfase.
Os textos daqueles preocupados com o microssocial se fundamentam, também, numa incompreensão da teoria de Marx. Veja a seguinte afirmação: se Marx parte efetivamente do homem e vê na sociedade o produto e o lugar de sua alienação, para ele segue bastando revolucionar a estrutura social global para mudar o homem. A revolução social consistiria fundamentalmente em derrubar estruturas macrossociais; seu movimento decisivo se situa ao nível de uma expropriação e de uma apropriação de classe, e é necessário antes de tudo conquistar o Estado, na perspectiva do partido marxista. Não é senão depois que se trata de fazer o Estado ‘debilitar-se’
(LAPASSADE; MORIN, p. 22).
Esta afirmação não passa de uma interpretação grosseira e equivocada. Em primeiro lugar, a distinção entre macro e micro não se encontra em Marx e por isso tal afirmação é sem sentido, pois cria-se uma distinção e atribui-se ela a outro autor, o que não é uma forma de interpretação das mais adequadas. Em segundo lugar, devido ao fato de não haver tal distinção em Marx, é equivocada a afirmação que basta, para ele, transformar as estruturas globais, pois sua concepção de totalidade aponta para a necessidade de transformação do conjunto das relações sociais, o que inclui o que eles denominam micro
e macro
.
Além disso, a ideia de que ele defendia a conquista do estado
não passa de uma concepção que desconhece o desenvolvimento do pensamento de Marx² que, no que se refere ao problema do estado, se altera em seu escrito A Guerra Civil na França, obra na qual passa a defender a autogestão