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Memória e Sociedade: A Luta pela Rememoração
Memória e Sociedade: A Luta pela Rememoração
Memória e Sociedade: A Luta pela Rememoração
E-book237 páginas3 horas

Memória e Sociedade: A Luta pela Rememoração

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Sobre este e-book

A memória é um dos temas mais importantes da psicologia, mas também se manifesta na psicanálise, historiografia, sociologia e outras ciências. Existem muitas questões não respondidas satisfatoriamente ao seu respeito, tais como o que é a memória? Qual é a diferença entre memória individual e memória coletiva? Quais são os mecanismos de evocação de lembranças e rememoração? Qual é a relação entre memória e sociedade? Essas e outras questões são abordadas no presente livro, que aponta para uma concepção marxista da memória, mostrando o seu caráter social e seu envolvimento nas lutas de classes. Assim, a questão da memória não é um tema inocente, tal como aparece em várias abordagens e é justamente a superação dessa percepção ingênua da memória que o presente livro traz ao trabalhar a questão da memória individual, da memória coletiva e da memória social.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento24 de set. de 2020
ISBN9786588258064
Memória e Sociedade: A Luta pela Rememoração
Autor

Nildo Viana

Professor da Faculdade de Ciências Sociais e Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Goiás; Doutor em Sociologia pela UnB; Autor de diversos livros, entre os quais: O Capitalismo na era da Acumulação Integral; Quadrinhos e Crítica Social; As Esferas Sociais; Cinema e Mensagem; Manifesto Autogestionário; A Mercantilização das Relações Sociais; A Teoria das Classes Sociais em Karl Marx; Hegemonia Burguesa e Renovações Hegemônicas; O Modo de Pensar Burguês; Universo Psíquico e Reprodução do Capital.

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    Memória e Sociedade - Nildo Viana

    PREFÁCIO: MEMÓRIA E LUTA CULTURAL

    Lisandro Braga

    Nildo Viana é um incansável teórico engajado que se dedica à luta cultural revolucionária há mais de duas décadas, nos brindando com dezenas de livros, artigos, coletâneas, revistas etc. que seguem o mesmo propósito: fornecer armas culturais contrárias à exploração e degradação humana. Para isso, ele tem desenvolvido todo um arcabouço teórico metodológico fundamentado no marxismo autêntico  e no método dialético. Através desses desenvolve diversas teorias sobre uma infinidade de temas. Portanto, o livro que os leitores têm agora em mãos é mais uma das valiosas e raras contribuições teóricas do autor para a luta cultural, nesse caso, em torno da memória e da sua relação com a luta pela transformação social concreta na contemporaneidade.

    No interior dessa ampla produção, incluindo Memória e Sociedade, o autor trabalha com categorias fundamentais para pensar e teorizar a realidade concreta da sociedade capitalista, a partir de uma perspectiva marxista. Dentre essas categorias podemos citar: totalidade, determinação fundamental, especificidade, concreto, abstrato  etc. Assim, o estudo aqui sistematizado contribui para reduzir uma lacuna significativa existente na maioria dos estudos (filosóficos, psicológicos, sociológicos, historiográficos etc.) sobre a questão da memória. O que determina essa lacuna? Essencialmente a hegemonia das expressões ideológicas (falsa consciência sistematizada), geralmente de inspiração positivista, sobre a memória (individual, social, coletiva). E a contribuição de Viana visa reduzir tal lacuna fornecendo um referencial teórico para pensar a relação sociedade/memória no capitalismo, a partir da perspectiva do proletariado, ou seja, da perspectiva que aponta para a superação revolucionária da sociedade capitalista.

    Para dar conta desse enorme esforço teórico, o autor desenvolve uma diversidade de conceitos expressivos (memória, memória social, memória coletiva, evocação das lembranças, inibição memorial, adaptação memorial, invenção memorial, recuperação memorial, resgate memorial etc.) da realidade que envolve a complexa questão da memória, na sua relação com a dinâmica do modo de produção capitalista e de suas formas de regularização das relações sociais. Em síntese, o autor apresenta a forma como a questão da memória está envolvida com as classes sociais e as lutas de classes, se expressando de forma mais cristalina nas ações e reações dos blocos sociais (dominante, progressista e revolucionário).

    A complexa questão da memória, incluindo as determinações das lembranças e dos esquecimentos (individuais, sociais, coletivos) compõe um intrincado ringue de lutas de classes em torno das rememorações. O que deve e não deve ser esquecido ou lembrado na sociedade capitalista é determinado pela correlação das forças sociais (classes sociais) em disputa, com o predomínio da perspectiva burguesa. E com o avanço do capitalismo neoliberal fica cada vez mais cristalino que não é do interesse do bloco dominante, tampouco do bloco progressista, comprometer-se com a verdade em relação ao passado. Pelo contrário, eles atuam incessantemente para apagar a verdade em relação ao passado através do processo de recuperação memorial que define o que deve e não deve ser recordado e esquecido sobre o passado, reintegrando-o na sociedade capitalista como uma de suas formas de regularização das relações sociais.

    Por outro lado, cabe ao bloco revolucionário resgatar a memória, libertando-a do domínio ideológico burguês e de suas classes auxiliares (burocracia e intelectualidade). Dessa forma, o bloco revolucionário, especialmente a partir dos seus representantes intelectuais, partindo da perspectiva do proletariado, busca resgatar a memória do que é essencial sobre o passado, isto é, suas lutas e a potência que deriva das lutas revolucionárias em acabar, de uma vez por todas, com a barbárie que é o capitalismo e construir uma sociedade verdadeira humana, fundada na autogestão social. A tarefa dos intelectuais revolucionários é participar do processo de resgate e simbolização memorial, resgatando o essencial das lutas passadas e propagandeando, via luta cultural, a necessidade de lutas revolucionárias no presente.

    Nesse sentido, essa obra é um exemplo claro de tal luta cultural e chega em um momento importantíssimo, que é o de desestabilização do regime de acumulação integral, podendo ser ferramenta de auxílio ao próprio aprofundamento da crise contemporânea, contribuindo com o avanço das lutas sociais para além das fronteiras do capital, em direção a uma sociedade verdadeiramente livre e humana. Essa é a razão essencial pela qual essa obra deve ser lida e divulgada. Uma ótima leitura!

    Lisandro Braga é Professor no Departamento de Sociologia/DECISO e do Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal do Paraná/UFPR.

    INTRODUÇÃO

    A presente obra visa repensar o problema da memória em sua relação com a sociedade. Esta questão, na subesfera sociológica, foi abordada a partir do estudo célebre de Maurice Halbwachs (1990) e foi desenvolvida por alguns outros autores. A psicologia, por sua vez, desenvolveu vários estudos sobre memória, mas em poucos casos enfatizando suas relações com a sociedade. Alguns filósofos, como destaque para Bergson (1999), devido ao seu pioneirismo, também abordaram o problema da memória.

    Não pretendemos, aqui, fazer uma apresentação das várias concepções de memória, mas tão somente apresentar nossa concepção deste fenômeno. No entanto, para efetivar esse projeto, teremos que, inevitavelmente, lançar mão destas concepções, seja para discutir aspectos, utilizar elementos ou para realizar a sua crítica. Quando formos tratar do conceito de memória e da memória individual, traremos as considerações psicológicas, bem como filosóficas, para abordar essas questões. Quando tratarmos de memória social e memória coletiva, traremos considerações sociológicas e historiográficas. No entanto, essas considerações aparecerão para ajudar a constituir uma teoria da memória social (e da memória coletiva)¹, sendo que elementos delas serão assimilados e outros serão descartados e criticados. Assim, as diversas concepções a respeito da memória (e da sua manifestação coletiva) aparecem através de um processo de crítica e/ou assimilação.

    A motivação deste trabalho reside na necessidade de rever a questão da memória a partir de uma perspectiva dialética, pois a maioria da produção teórica sobre esse fenômeno se fundamenta em postulados ideológicos, em grande parte inspirados no paradigma positivista, e os demais, que escapam desse paradigma, partem da episteme burguesa em suas outras formas de manifestação. A necessidade de repensar a relação entre memória e classes sociais também se faz presente, principalmente quando se busca produzir pesquisas que trabalham com a memória social ou coletiva e não se encontra um referencial teórico que desenvolva, num sentido marxista, a análise desse fenômeno. A pesquisa sobre a realidade concreta necessita da teoria e esta, por sua vez, se enriquece com aquela. Além disso, a recuperação memorial, termo que será desenvolvido no decorrer dessa obra, é quase absoluta e as análises dos fenômenos históricos, incluindo as revoluções proletárias inacabadas, as manifestações radicalizadas das lutas de classes e as lutas sociais em geral, são dominadas por elas, com raras exceções. Isso traz a necessidade da reflexão teórica que contribua com processos analíticos que permitam o resgate memorial, outro termo que será trabalho adiante, ou seja, a retomada dos acontecimentos históricas e a rememoração do passado tal como ele foram efetivamente, pelo menos num nível de aproximação que não signifique deformação. Isso, por sua vez, faz parte da luta pela rememoração vinculada à luta pela libertação humana. Esses elementos são complementares e interdependentes e, em seu conjunto, tendo seu eixo no último aspecto, a luta pela rememoração na perspectiva do proletariado, justificam a presente obra.

    A presente obra é dedicada ao processo de esclarecimento conceitual e uma discussão teórica sobre a memória, especialmente a social e a coletiva, o que contribui com o desenvolvimento de futuras pesquisas sobre casos concretos. Ela é uma ampliação e desenvolvimento de um artigo publicado sob o título "Memória e Sociedade: Uma Breve Discussão Teórica sobre Memória Social", publicado na Revista Espaço Plural².

    O nosso objetivo é realizar uma introdução geral ao problema da memória social e da memória coletiva. A ideia inicial era a de apresentar uma obra bem mais ampla do que o artigo original, incluindo mais itens de análise (e com a inclusão de um capítulo sobre memória e ideologia, que seria volta para a crítica das abordagens ideológicas desse fenômeno e uma discussão mais aprofundada sobre memória individual), e acrescentando mais leituras e análises. Contudo, isso demandaria uma pesquisa e redação mais ampla que, devido ao tempo escasso e outros projetos, abandonamos e deixamos para outros que queiram aprofundar tal discussão. Por isso optamos por uma revisão mais modesta e menos acréscimos, no sentido de tornar essa obra mais acessível e que apresentasse introdutoriamente os elementos fundamentais para uma teoria que conseguisse explicar a relação entre memória e sociedade.

    A presente obra está dividida em quatro capítulos. O primeiro aborda o conceito de memória, focalizando a memória individual. O segundo trata das determinações da memória individual, ou, em outras palavras, a questão da evocação social das lembranças. O terceiro capítulo trata da memória social, apontando para sua definição e elementos constitutivos. O quarto e último capítulo trata da memória coletiva, analisando a luta em torno da rememoração. Esse conjunto de capítulos oferece uma concepção geral do fenômeno da memória e sua relação com a sociedade.

    Antes de encerrar essa breve introdução, é preciso, no entanto, realizar um esclarecimento formal. Para quem conhece meus demais escritos, sabe que sempre uso a primeira pessoa no plural, nós, na redação de um texto. A razão disso se deve ao fato de que toda produção intelectual é social, não existe um indivíduo que tenha produzido algo sozinho, pois lança mão da cultura em que foi formado e aos elementos de cultura que teve acesso (inclusive a de outras épocas, através de escritos, por exemplo). Porém, o motivo fundamental para isso é que pretendo expressar a perspectiva do proletariado, ou seja, vinculado aos interesses fundamentais dessa classe, que reúne, em si, os interesses particulares e específicos de classe e os interesses universais da humanidade. E os interesses do proletariado, ao lado dos da humanidade, apontam para o futuro. Logo, trata-se de uma perspectiva do futuro que se manifesta no presente através de sua negação. Eu me vínculo, por conseguinte, a um projeto coletivo ligado a uma classe social que expressa a luta pela libertação humana. Em alguns momentos do presente texto, no entanto, uso a primeira pessoa do singular, o que ocorre especialmente no primeiro capítulo. Isso se deve ao objetivo de ilustrar com o meu caso concreto e pessoal e de minha experiência individual, em minha singularidade, para tratar de fenômenos relativos à memória individual. Assim, o uso do eu ao invés do nós se justifica – em algumas passagens – por tratar de elementos de introspecção e casos concretos individuais, ligados a uma personalidade determinada, para tratar da memória individual. O uso da primeira pessoa do singular não contradiz o uso da primeira pessoa do plural, pois o indivíduo é um ser social singular e manifesta sua singularidade ao se expressar, mesmo quando expressa a perspectiva do proletariado. Por este motivo usamos as duas formas de expressão no presente livro.

    A mensagem fundamental do presente livro é a de que a memória é um lugar de luta, pois é um fenômeno social, numa sociedade fundada na luta de classes. A luta pela rememoração perpassa a memória individual, coletiva e social e, nessa luta, está em disputa como vemos o passado, como compreendemos o presente, e como desejamos o futuro. A presente obra é, ela mesma, parte dessa luta e esperamos que ela reforce a tendência que defendemos, a libertação humana. E se tiver algum efeito nessa luta, por menor que seja, justificou sua elaboração e publicação.

    O QUE É A MEMÓRIA?

    O primeiro problema na discussão da questão da memória é sua definição. O conceito de memória ainda não adquiriu uma elaboração mais desenvolvida e profunda, nem mesmo no âmbito da psicologia, a ciência que mais se dedica a este fenômeno. Em primeiro lugar, caberia delimitar o campo fenomenal que consiste no que denominamos memória. O segundo passo é elaborar um conceito de memória, o que é um dos principais problemas relativos a essa questão. Disso deriva o problema da evocação de lembranças, da memória social e outros, mas nos limitaremos a estes dois aspectos referentes à memória individual no presente capítulo.

    Iniciemos, então, pela delimitação do campo fenomenal que é abarcado pelo fenômeno da memória. A contribuição pioneira de Henri Bergson, ao descartar a memória-hábito do conceito de memória, é o primeiro elemento que devemos utilizar para realizar tal delimitação (BERGSON, 1999; BOSI, 1995; HALBWACHS, 1990; FILLOUX; 1966).

    A memória-hábito é uma não memória, pois quando alguém aprende a andar de bicicleta, dirigir carro, digitar no computador, ele está realizando uma repetição automática que não o faz apelar para as lembranças e para a mente, nem para a reflexão. Filloux coloca que o hábito é todo comportamento adquirido por aprendizado, sendo movimentos que não requerem a participação da atenção (FILLOUX, 1966). No entanto, consideramos uma imprecisão de Bergson a expressão memória-hábito, pois trata-se, no caso, de tão-somente hábito, embora este termo também não seja o mais adequado.

    Também o psicólogo Vigotski distingue esta forma de memória, que ele chama de natural, da memória que ele denomina mediada ou indireta (VIGOTSKI, 1994), caindo na mesma imprecisão que Bergson, com a desvantagem de não questionar a atribuição de caráter de memória ao hábito. Filloux reconhece uma certa colaboração entre hábito e memória, que é a que ocorre quando se decora texto, a linguagem, etc., o que ele denomina memória mecânica (FILLOUX, 1966).

    A ideia de que a memória é um sistema vivo, um sistema funcional geral que comanda o conjunto de atividades perceptivas, motoras e intelectuais do indivíduo, tal como coloca Piaget, segundo Ehrlich (1979, p. 233), também é questionável. Esta concepção apresenta uma visão fetichista da memória, com um sistema vivo e regulador, o que significa transformar as lembranças e o seu processo de evocação em algo autossuficiente, dando vida e autonomizando aquilo que é um fenômeno mental determinado.

    No entanto, até aqui colocamos o que não é memória. Mas qual é o campo fenomenal que abarca o que chamamos memória? Segundo Filloux,

    Nosso primeiro trabalho consistirá, pois, em indicar os limites do domínio próprio da memória, que definiremos caracteristicamente por sua propriedade de unir em si o atual e o inatual e, por conseguinte, de realizar um modo intemporal de consciência (Ellenberger), uma experiência em contratempo (Gusdorf). Poder que possui a consciência de ser abstrair do presente para voltar-se para o passado, de fazer-se consciência do passado num movimento que transcende o tempo. Procuraremos tipos de lembrança que nos parecem verdadeiramente relacionados com a memória (FILLOUX, 1966, p. 14).

    Outra definição de memória é fornecida por Halbwachs: a memória é um conhecimento atual do passado (HALBWACHS, 1990; STOETZEL, 1976). Isto significa que é, ao mesmo tempo, um saber e uma lembrança. No entanto, tanto esta quanto as demais definições são problemáticas. A memória não pode ser vista como uma cópia cronológica da história. Assim, a afirmação de Halbwachs, derivada de sua concepção de memória, se revela equivocada: o passado não se conserva; é, sim, reconstruído a partir do presente (apud. FILLOUX, 1966, p. 129). Sem dúvida, o passado não se conserva, pois já passou. É preciso distinguir entre a realidade passada e a consciência presente da realidade passada. Assim, não é o passado que é reconstruído a partir do presente e sim a consciência do passado, pois este continua intacto e apenas a nossa percepção dele se altera³.

    Logo, a concepção de Filloux também é problemática. Na memória não se une o atual e o inatual, mas tão-somente o atual. A consciência do passado é a consciência atual, ou seja, ativa, que recupera e trabalha a consciência latente, que é o que ficou gravado em nossa mente de nosso passado⁴.

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