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Cristais de fogo e neblina
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Cristais de fogo e neblina
E-book422 páginas5 horas

Cristais de fogo e neblina

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Sobre este e-book

Cristais de fogo e neblina
IdiomaPortuguês
Data de lançamento10 de mar. de 2022
ISBN9781526050298
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    Cristais de fogo e neblina - Isadora Cafful

    Ficha técnica

    Escritora: Isadora Cafful

    Revisão ortográfica: Marcela Bissoli Mauri

    Setor de edição: 02-PE

    Diagramação: MTLstudio

    Bibliotecária: Aline Graziele

    Capista: MTLstudio/Amaro Silva

    Ilustração: Roany Mariano

    Para a minha mãe -

    Obrigada por passar as noites ouvindo as minhas palavras.

    A luz estava forte naquela manhã, o Sol parecia me devorar.

    Teria sorte se isso acontecesse.

    Meu olhar escorreu para o teto, nem parecia que estava prestes a ser corrompida para o buraco de minhocas. Pensei em todas as formas de fugir de meu quarto, poderia tentar sair escondida e voltar só no outro dia, faria muito barulho, nada poderia me impedir de fugir do Sacramento. O Sacramento em toda nossa região sempre fora muito bem respeitado, há dezesseis anos foi decretado como uma passagem onde uma vez todos os anos é realizada. Todas as garotas e garotos que, ao completarem dezoito anos devem concretizá-lo.

    Para minha sorte, com dezoito anos completados neste mesmo ano, éramos forçados àquilo. Todos os garotos e garotas que iriam participar, não importavam se eram pobres ou se possuíam algum dinheiro, todos se dirigiam ao Palácio de Adorno. Para a realização da cerimônia deveriam ao menos parecer limpos e harmonizados. Levantei da cama, todo o nosso continente era enfeitiçado, a magia nascia dele, torci para não estar envolvida

    Saí do quarto, o pequeno chalé de minha família vibrava ao som de cornetas. Era a hora de sair. No festival, era nos colocado uma guirlanda com flores, o sacerdote dizia algumas palavras, e se a guirlanda pegasse fogo, tínhamos propriedades mágicas e éramos enviados para as aperfeiçoarmos e virarmos soldados, ao contrário, continuaríamos em nossa vila, vivendo aquela vida de camponês.

    O olhar de minha mãe se dissolvia em lágrimas enquanto tricotava uma tapeçaria.

    - Minha única filha! - Ela largou a peça e correu até mim, suas mãos acariciaram meu rosto - Se for Aleyan, nunca a mais a verei. Abandonará esta pobre e velha mãe e querida...

    Olhei para minha mãe, sentia seu desespero.

    - Eu não irei mãe, não se preocupe. - Não podia preocupá-la ainda mais. E também eu tinha a certeza de que não iria, não tinha nem um pingo de magia em minhas veias, ficaria ali pelo resto de minha vida.

    Meu sonho era sair do chalé, mas não era por meio do Sacramento que aconteceria.

    Olhei para meu pai sentado afiando as facas sentado na pequena mesa, os olhos me analisando, como se avaliasse minha coragem e força para tal. A relação com meu pai sempre foi muito difícil, sempre nos enfrentamos, mas naquele dia não haveria discussão.

    Me desvencilhei das mãos de minha mãe e atravessei a casa. Coloquei a mão sobre a fechadura da porta de madeira velha, minha família não tinha dinheiro, meu pai caçava para nos alimentar e os bordados de minha mãe mal davam para nos sustentar, quando voltasse tentaria conseguir algum emprego na vila. Apenas cuidava da casa e de vez enquanto servia algumas vezes na taverna do vilarejo, nada que rendesse muitos trocados, queria aprender a caçar, mas meu pai nunca permitira. Ao sair de casa, antes de fechar por completo a porta, escutei a voz de minha mãe sussurrando, com as mãos em forma de prece.

    - Não, não irá voltar.

    Seguindo para o Palácio, encontrava vários e vários jovens se dirigindo também, todos usando camisolas. Na noite passada a senhora dona do Palácio de Adorno convocou todos os jovens que participariam e nos instruiu como tudo aconteceria, que assim que acordássemos para nos apressar e assim irmos, sem ao menos trocar de roupa, provável pela tradição, como uma espécie de seita.

    Passamos por toda a vila, pelas tavernas e barracas e casas belas e pobres. O palácio ficava do outro lado quase na margem da floresta que dava em uma cidade, as pessoas olhavam atentamente, algumas surpresas e alegres e outras com a preocupação estampada em seus olhos. Encolhi levemente os ombros.

    Ao chegar, o Palácio era enorme. Revestido por mármore branco, a base era refinada e a entrada incrustrada com pérolas. Ergui a cabeça admirando a extensão dos três pináculos. Encontramos a senhora da noite passada nas vastas escadas antes da bela entrada. Loira e magra e de meia idade ela nos cumprimentou com um sorriso largo nos lábios, vestia roupas azuis claras, justas e dignas da nobreza. Mostrando a área externa, ordenou em um tom suave para nos separarmos, meninos a oeste e garotas a leste, disse que era uma honra para ela nos receber naquele dia. Ela nos contou que sempre fora a organizadora do Sacramento em nossa vila e que era uma honra ter este cargo as mãos.

    Tal felicidade se mostrava na forma confiante com que andava.

    Nos separamos. O palácio tinha apenas dois andares, o primeiro era o exuberante saguão onde quadros e jarros eram espalhados por todos os lados, e o de cima, onde imaginei que era para onde iríamos.

    Na ala leste havia uma porta ao lado que se abria para um imenso quarto branco e rosa e ao fundo um banheiro para onde nos dirigimos. Era enorme, incumbido 50 vezes o chalé em que morava, havia várias banheiras e uma serviçal ao lado de cada. Elas se aproximaram das meninas sujas na entrada e nos puxaram para dentro. Uma das mulheres me aproximou da banheira e tocou a alça de minha camisola fazendo menção de tirar. Recuei assustada e relutante, a criada franziu o cenho e me puxou para mais perto e arrancou minha roupa.

    Tiraram nossas vestes e as jogaram em um cesto onde disseram que jogariam ao fogo. Um pouco envergonhada cobri meus seios e a parte entre minhas coxas, uma banheira com fumaça expelindo dela. Coloquei um pé dentro me familiarizando com o mármore branco, e em seguida coloquei o outro. A criada pegou o jarro e mergulhou na água e depois derramou o líquido quente em minhas costas, suspirei pelo calor em meu corpo. Ela esfregou o sabão em minhas costas e pescoço e pernas, nos deram um banho demorado e cuidadoso. Lavaram meu cabelo com uma aromática loção, a água de minha banheira tinha tomado outro tom, então percebi o quanto estava imunda. Sempre tivemos que racionar a água em casa para que sobrasse para outras coisas, o banho era rápido e prático.

    Quando todas acabaram, as criadas nos pediram para nos levantarmos, nos secaram e nos envolveram com roupões. Os ombros tensos pareceram se aliviar depois do bom banho.

    Saímos do banheiro e fomos ao quarto que também não se desmerecia no tamanho. Estranhei por não haver nenhuma cama, penteadeiras estavam por toda parte nas paredes rosa claro, alguns longos espelhos estavam salpicados pelo chão, o teto me fez suspirar com seus belos desenho de flores e pássaros coloridos.

    As criadas se dirigiram aos armários nos cantos e retiraram vestidos leves. Biombos foram postos para nos trocarmos, cinco de cada vez.

    Quando me chamaram, deslizei por trás dele e retirei levemente o roupão pesado demais para meus ossos carregarem. Os vestidos eram todos exatamente iguais, eram longos e brancos de organza. Depois de me vestir, nos sentaram em bancos e nos calçaram sapatos de couro também brancos que pressionavam meus pés, estava acostumada com botas gastas e não com isto. Nos adornaram com joias pesadas, a maioria ouro, o colar pesado era frio sobre minha pele, os brincos eram mais leves.

    Sentamos nas penteadeiras por mando das criadas, faziam cachos em todas nós, meus cabelos castanhos claros se harmonizaram àquela aparência. Enquanto as criadas foram buscar as guirlandas, observei duas garotas conversando estrondosamente, como se não se importassem de serem ouvidas, comentando seus desejos de serem escolhidas, supus que eram confidentes.

    Não suportei aquele implorar por partir, me levantei da cadeira me caminhando à janela de vidro, observei o público se reunindo para assistir o evento, cruzei os braços tentando respirar. Como podiam pensar que partir seria a melhor opção para seus problemas? Se quer que tinham um.

    Sabia que não iria, mas fiquei imaginando a expressão de minha mãe se soubesse que não voltaria, fiquei pensando se meu pai derramaria uma lágrima sequer.

    As criadas chegaram, todas segurando uma guirlanda, margaridas, rosas brancas e ramos de pêssego as enfeitavam. Ao colocar sobre o topo de minha cabeça, senti uma pontada, cambaleando para trás a criada me puxou, evitando minha queda.

    - Está tudo bem? Se machucou? - A voz era fria como neve.

    Assenti. Queria ir embora o mais rápido possível dali.

    Depois de todas prontas, nos guiaram até o saguão onde lá se encontravam a senhora de antes e pequenos pedaços de papel e uma caneta sobre uma mesa de madeira branca ao centro. Os garotos chegaram primeiro que nós enfileirados em frente à mesa, quando chegou nossa vez, nos disseram para escrevermos nossos nomes. Segurei a caneta de ponta fina e escrevi meu nome.

    Segundos depois, uma criada carregava desajeitadamente uma urna de vidro incrustrada de pedras hematitas. Ela fora posta ao lado da mesa, as criadas recolheram todas os papéis os acrescentando à urna que caíam como uma cascata.

    Os garotos usavam uma túnica branca larga, com calças brancas, os cabelos penteados para trás, tentando parecerem civilizados, alguns riam e brincavam, não via motivo para tal. Nesse mesmo dia, estava ocorrendo este mesmo evento em vários cantos do continente, me perguntava se alguém se lamentava por estar nessa situação como eu.

    Trombetas ressoaram novamente, estava na hora.

    Conforme fomos caminhamos em direção à cerimônia, os gritos e aplausos da multidão aumentavam, seria realizado aos fundos da propriedade, em um jardim. Nos agruparam em duas fileiras separando os gêneros. Conseguia ver através da porta de vidro o amplo quintal cercado por baixos arbustos. Um arco com flores estava em volta do sacerdote de nossa vila, apesar da angústia que apertava meu peito, o lugar estava realmente bonito. Havia fitas brancas e rosas em forma de espirais nas árvores em volta, confetes coloridos por todos os lados, tudo para amenizar a aflição em meu peito. A senhora caminhou pelo espaço estreito entre as duas fileiras para abrir a porta. Com tapinhas de leve na bela vestimenta alinhou os fios curtos e loiros e respirou fundo antes de nos revelar aos outros.

    Estiquei o braço e cobri o rosto com a mão, a luz do sol era forte demais. Homens tamborilavam ao lado anunciando nossa entrada, conforme entrávamos no jardim todos silenciaram.

    A urna em que colocamos nossos nomes estava abaixo do sacerdote, os instrumentos pararam com um erguer da mão do santo homem. Ele se abaixou e levantou-se consigo um dos pequenos papéis pronunciando o primeiro nome. Era uma garota de pele negra e cabelos negros lisos, ela se soltou da fileira e caminhou lentamente até o homem, com todos os olhares pairando sobre ela. O sacerdote estendeu a mão por cima de sua cabeça, pronunciou palavras em uma língua estranha que me recordava um latim rústico. Imediatamente a guirlanda se acendeu. Entre aplausos ouvi um grito estridente, parecia ser de um homem, ninguém se interessou pelo choro. A garota varreu a multidão procurando por tal escondendo preocupação em seu sorriso.

    Ela foi levada para um grande altar ao lado, para onde todos os que as guirlandas fossem acendidas iriam.

    E assim foi o próximo. E outro. E outro.

    Haviam mais pessoas rejeitadas pela magia do que as do altar. A maioria que eram acesas as guirlandas se mostravam eufóricos gritando vitória com os dois braços erguidos em meio à multidão que aplaudia e assoviava. Alguns encolhiam os ombros, mas mostravam verdadeira felicidade em um sorriso.

    Os que não foram escolhidos se mostraram insatisfeitos e retornavam para o saguão atrás.

    Eu não via coerência em executar o Sacramento. Se alguém fora dotado de habilidades mágicas saberia desde o berço, não era necessário um evento grandioso para apenas dividir nossas individualidades.

    Nunca na vida mostrei tal coisa. Me sentia diferente, deslocada, mas era somente isto. Nada de poderes ou habilidades especiais.

    Talvez o executassem para terem certeza, evitando fraudes ou enganos.

    - Aleyan Lancent!

    Era minha vez, eu tinha que ir.

    Caminhar se tornou difícil, um passo mais pesado que o outro, senti todos aqueles olhos me encarando prontos para ver a guirlanda em chamas.

    E eu estava pronta para desapontá-los.

    Ao chegar, passando a mão pela minha cabeça e falando aquelas palavras, fogo e negro, tomaram minha mente.

    Com um susto a guirlanda ascendeu. Recuei para trás.

    - O...o que? C...Como assim?

    Sem respostas, a guirlanda se apagou normalmente, aplausos e assovios enquanto minha cabeça girava e girava. Fui lançada ao altar.   Não podia ser. Procurei o rosto de minha mãe e não o encontrei, ela disse que poderia ir, mas o procurei mesmo assim.

    Eu iria para o treinamento, eu iria para o treinamento.

    Restara somente três pessoas para a avaliação. Duas foram rejeitadas e apenas uma fora para o altar.

    Como isso poderia estar acontecendo?

    Não tivemos nem chance de nos despedimos de nossas famílias.

    Após a multidão ser mandada para casa, os instrumentos guardados e o Sacerdote fora se recolher, se formos lançados a várias carruagens que nos esperavam ao lado do Palácio, somente vinte pessoas haviam tido a guirlanda em chamas.

    Foram carregados mantimentos para dentro da carruagem, a viagem iria demorar. Todos estavam animados para ir, comentavam sobre o lugar e boatos que ouvira. Diziam que havia bestas e maldições por aquela terra, que teríamos de ser os melhores, pois haveriam outros jovens indo treinar também. Garotas conversavam sobre o quanto estavam bonitas e que nunca empunharam uma arma antes.

    O que me fez lembrar uma vez que consegui dominar o arco e flecha, porém havia muito tempo isso, meu pai me ensinara e como havíamos nos distanciado, não haveria outra forma de aprender.

    Subimos nas carruagens, cada uma podia conduzir quatro pessoas. Seria acompanhada de três mulheres. Me sentei no assento próximo à janela de costas para a estrada. O cocheiro iniciou nossa viagem com um estalo nos cavalos que relincharam alto.

    Tomara que meu pai não mate minha mãe antes da hora por desgosto... rezei antes que continuasse.

    Sentada à minha frente estava Tália. Sua mãe era uma fiel cliente pelos bordados da minha, éramos amigas quando criança, por algum motivo nos separamos. Acho que ela se sentia envergonhada, não conseguia nem me olhar nos olhos, apenas arrumava os longos cabelos ruivos.

    Ao seu lado estava Merrian, olhava encantada para fora da janela provavelmente imaginando as aventuras que viveria. Os cabelos loiros ondulados esvoaçados balançavam a cada buraco que passávamos, o sorriso estava vibrante, achava que seria um conto de fadas a nossa vida daqui para frente, senti pena. Ela se virou para nós, não contendo a alegria.

    - Como vocês acham que será quando chegarmos lá? - indagou Merrian - Excitante?

    - Aterrorizante. - Afirmou Zúlira ao meu lado. - Nos levarão para que nos tornemos armas para eles, não há nada de excitante nisso, Merrian.

    Eu tinha que concordar com ela, éramos apenas peões nas mãos deles. Merrian não conteve o otimismo e disparou.

    - Então me digam, quando vocês descobriram que possuíam magia? Descobri com seis anos. Estava um dia caminhando no bosque, havia ganhado o presente de aniversário que queria, um lindo sapato cor de rosa, estava tão feliz que minha risada foi transformada em bolhas.

    Zúlira a encarou. Segurando uma risada.

    - Hahaha, então é este é seu grande poder? - Merrian ficou envergonhada e abaixou a cabeça enquanto a mulher de pela branca e cabelos pretos secava uma lágrima.

    - Inacreditável. Bom, quando eu tinha dez anos estava tão furiosa com meus pais por não me deixarem participar do concurso de pintura de nossa cidade, que acabei invocando víboras para dentro de nossa casa. Fiquei de castigo por um mês.

    Merrian encarou Tália, que estava tentando se esconder nas cortinas da janela.

    - E você Tália? Como descobriu?

    Tália me encarou por um instante se virou para as duas, com suspiro, criou coragem e falou.

    - Aos meus quinze anos, encarei uma longa onda de tristeza, uma vez comecei a chorar e... minhas lágrimas viraram... veneno. - Olhei para ela, por que não havia me contado? Estávamos separadas, mas... - Contei aos meus pais e eles se assustaram imediatamente, não me olharam com os mesmos olhos novamente.

    - Como soube que era veneno?

    Tália suspirou.

    - Eu provei e não senti nada, então deixei que o gado do vizinho provasse na água e todos morreram segundos depois. Pelo menos sou imune a ele.

    Pobre Tália, sentia por sua solidão daquele momento, eu devia estar presente para ajudá-la.

    As três se viraram para mim, queriam uma resposta que eu certamente não tinha, assim como os poderes.

    - Aleyan? - Tália me olhou, tentando descobrir algo. Apenas virei minha cabeça para as cortinas, não poderia falar sobre isso.

    Fiquei o trajeto todo em silêncio. Passamos pelo nosso bosque e seguimos para uma longa estrada adiante.

    Olhei para o lado, cadeias de montanhas se esgueiravam perto de nós, observando nossa condenação.

    Chegando a uma floresta sombria, o cavalo parou, como se soubesse que o que estivesse adiante, não seria uma boa escolha. O cocheiro forçou ao seu andar e assim partimos, o barulho da carruagem era o único som naquele momento. Me lembrei das horrendas lendas que haviam sido escutadas, não me permiti pensar muito, não poderia. Névoa cobriu o caminho, mas mesmo assim não paramos.

    - Isso é tão legal... - berrou Merrian, eu podia jurar que ouvi Zúlira grunhir.

    - Se você não calar a boca eu juro...

    Tália deixou escapar uma risada de escárnio. Eu não aturava mais aquilo, a floresta parecia viva, ou melhor dizendo, completamente morta.

    Depois de quase um dia inteiro finalmente sairmos daquela prisão. O andar da carruagem mudou, de grama e areia fomos para lajotas, olhei para baixo, sim, eram lajotas.

    Todas as carruagens pararam, mandaram descermos, de novo o aperto no peito, então eu sabia que havíamos chegado.

    Me estiquei para fora da janela para observar. A senhora que nos inspecionou no Palácio de Adorno também nos acompanhou na viagem, o cocheiro da sua carruagem deixou seu posto e a ajudou a descer. Quando os pés aterrissaram no chão reparei naquele olhar, parecia maravilhada por estar completando mais um sagrado ritual.

    Todos os cocheiros abriram as portas das carruagens, as primeiras continham apenas garotas e mais atrás os meninos. Fui a primeira a descer da nossa e quando todos estavam no calçado logo abaixo de lajotas a senhora com os cabelos loiros, anunciou.

    - Bem-vindos, queridos e queridas. - Ela era alta e magra, sua estética combinava com seus serviços, tão elegante e... - Meu nome é Enid e acompanharei vocês por enquanto. Hoje iniciam uma nova jornada na vida de vocês. Provaram que possuem magia em suas veias então estão aqui para aprimorá-la. Serão grandes soldados um dia, mas até lá desfrutem da Academia Dourada Nealie!

    Todos aplaudiram. Seguimos Enid pelo calçado de lajotas até o caminho pequeno de terra até o portão da instituição. Zúlira, Merrian e Tália e eu ficamos juntas, não éramos próximas, mas achamos melhor aturar a companhia uma das outras do que de qualquer um ali. Haviam várias outras carruagens estacionadas em volta da propriedade, presumi que os outros clãs já haviam chegado. Na entrada haviam dois imensos pilares de pedra onde acima duas gárgulas enfeitavam o lugar, outra pontada no peito. Os pilares pendiam dois portões com grades de ferro já abertos, onde inúmeras figuras de branco viraram para nos olhar.

    Enid avançou sem nenhuma hesitação. A seguimos. Acompanhando os passos dos demais observei a propriedade. Ela era cercada por um arvoredo de carvalhos, estávamos caminhando por vasto jardim, cercas vivas com rosas vermelhas emolduravam o espaço em que estávamos. Depois da multidão de fantasmas estava o castelo de pedras. Pelo lado de fora dava-se para notar a presença de torres e bases e alas centrais, meu novo lar, disse a mim mesma.

    Conseguimos nos misturar com facilidade, as únicas pessoas que se destacavam eram os instrutores com Enid e um senhor acima de um altar improvisado.

    - Instrutora Enid, achei que não fosse chegar nunca. - O homem era de estatura baixa, aparentava já ser um pouco mais de idade, porém ainda colocava uma aparência respeitosa e rígida. Ele ajeitou os óculos e continuou... - Estava explicando para nossos alunos a...

    - Sinto muito pelo atraso diretor, - sobressaltei pela audácia de Enid - tivemos alguns problemas na viagem, mas enfim chegamos, não é?

    O diretor pigarreou, ajeitou os óculos novamente.

    - Bem, de fato. Bom, irei começar de novo. - Enid assentiu. - Sejam todos muito bem-vindos à nossa academia. Como todos sabem, este ano tivemos o Sacramento e portanto, foram escolhidos os que nasceram para o dom e que agora estão presentes aqui. Sou o seu diretor Horshey. Suas aulas de como manusear armas, combate corpo a corpo e domínio de sua magia serão realizadas atrás da propriedade, mas terão outras aulas lá dentro. Espero que estejam preparados, pois começamos amanhã, agora acompanhem a senhorita Erea que mostrará seus aposentos.

    A mulher logo abaixo do diretor fez um leve aceno, os cabelos negros lisos presos a um coque onde a pele escura realçava a beleza rústica, a cara estava fechada, vestia uma blusa bege de manga comprida larga que prendia na saia preta apertada, botas longas até o joelhos, ela definitivamente era a governanta da casa.

    Ela se virou e começou a caminhar em direção ao palácio, o diretor e os instrutores ficaram para trás quando começamos a segui-la. Comecei a subir os degraus que davam para dentro quando Merrian sussurrou.

    - Nem acredito que finalmente estamos aqui.

    Ninguém prestou atenção mas ainda não conseguimos apagar o brilho de Merrian, infelizmente. Já dentro da casa e... era enorme,  duas colunas de concreto logo após a entrada enfeitiçavam o lugar, o chão porcelanato refletia até minha insegurança, duas mesas pequenas com dois fartos vasos de flores emolduravam a imensa escada também porcelanato com o corrimão espesso e dourado. Erea não esperou nem o farfalhar das vozes para pronunciar.

    - Como o Diretor Horshey disse, sou Erea, governanta Erea. Estou encarregada de acomodá-los aqui e garantir-lhes uma boa estadia, começando pelos quartos. Será o seguinte, meninos a oeste e garotas a leste, quero evitar gravidez no Palácio esta vez, entenderam?

    Todos assentiram. Merrian cutucou cada uma de nós três para apenas dizer...

    - Então será que alguém já realmente engravidou aqui?

    - Pode ser, e você será a próxima com esse espírito fogoso que tem. - Zúlira disparou.

    Merrian apenas riu. Erea nos pediu para formarem grupos com quatro pessoas, já suspeitava com quem iria ficar, então o alvoroço começou, eles corriam e tentavam formar os grupos com o maior desespero que já presenciei. Após alguns minutos Erea perguntou se já havia algum grupo formado para prosseguirmos, torci para não sermos as primeiras quando Merrian levantou a mão e berrou.

    - Nós aqui! - por sua estatura baixa teve que até dar pulinhos atraindo toda a atenção para nós, imediatamente Zúlira abaixou a sua mão e sussurrou.

    - Ficou maluca, foi? - Mas já era tarde demais, Erea se virou para nós.

    - Ótimo, vocês devem seguir as escadas à direita, quando chegarem no último andar será o andar dos seus quartos garotas - se virando agora para todas as meninas - então apenas escolham um.

    Concordamos, e começamos a nos dirigir às escadas, já subindo a escada à direita olhei para um outro grupo de garotas que já estavam vindo, então prosseguirmos.

    Finalmente chegando ao último andar, o que não foi fácil, escolhemos o quarto no fundo do corredor, Merrian preferia o primeiro, mas não deixamos ela tomar decisões de novo. Ao abrirmos o quarto perdi o fôlego. Não fui acostumada com luxo, por isso era fácil descobrir quando se tratava de algo diferente.

    O chão com aquele piso de mármore bege combinava com a luz ensolarada que entrava pelas grandes janelas de vidro, com as cortinas brancas. Havia quatro camas, duas encostadas em uma parede e as outras à frente delas, os forros de cama com cores branco, rosa carmim e dourado. Zúlira se jogo em uma delas e Merrian à outra em seu lado. Haviam dois vastos guarda roupas, era mais que suficiente para nós quatro. Perto das janelas duas escrivaninhas com espelhos, abri as gavetas, tinha vários cosméticos para maquiagem, e uma mesa com um lindo vaso de flor.

    Caminhei ao fundo do quarto onde havia outra porta, a abri e deparei com o banheiro de mármore branco, a banheira parecia na verdade uma piscina. Foi quando escutei um grito, voltei correndo para o quarto e era Merrian já averiguando os guarda roupas.

    - Como assim não temos vestidos? Tudo que encontro aqui são calças e camisas e botas... - Ela deu um rugido de raiva. Já era hora daquilo parecer um inferno para ela.

    - Acho que para os treinos e lições, vestidos não são muito confortáveis. - disparei.

    Revirando os olhos, Merrian começou a olhar de um lado para o outro.

    ––––––––

    Passamos a tarde decidindo em quais camas iríamos dormir quando uma criada apareceu em nosso quarto dizendo.

    - Com licença, senhoritas - Com licença? - O jantar já está sendo servido, a governanta Erea quer todos lá embaixo.

    Nos levantamos rapidamente. Ainda haviam algumas pessoas descendo as escadas quando chegamos ao refeitório com as mesas longas e os bancos mais ainda, parecia uma taverna frequentada apenas por pessoas de alta importância, nos sentamos em uma mais afastada. Havia tanta variedade de comida que não sabia por onde começar, peguei o garfo e comecei a me servir, não olhei para nada e nem disse nada, fazia tempo desde que comia tão fartamente. Por um tempo, achei que minha família iria morrer de inanição. Então saboreei aquele momento, mas parei e afastei o prato, nojo subiu em minha cabeça. Não consegui terminar enquanto meus pais poderiam estar passando fome, pelo menos agora tinham uma boca a menos para alimentar. Me retirei da mesa, disse as meninas que não estava muito bem e fui em direção ao meu quarto.

    Entrei nele, ele parecia me engolir diante de sua amplitude e de meu miserável tamanho diante dele. Tirei as roupas do ritual que joguei ao cesto sujo e fui em direção ao banheiro e enchi a banheira. Entrei na água morna, nem parecia a pouca e gélida a água que era forçada a me banhar. Peguei a bucha e o sabão ao lado dela, fiz espumas e comecei meu banho. Levantei a perna direita, a luz do luar parecia morar ali e depois fui ao meu antebraço direto onde havia uma cicatriz comprida. Minha mãe dissera que quando nova estava brigando com meu pai em uma charrete em movimento, me desequilibrei e cai no chão, o braço passou por uma pedra pontuda me rasgando. Devia ser verdade, eu não me lembrava. Afundei até o pescoço, desejando que a aquela água me engolisse por inteira.

    No guarda roupa achei uma peça de dormir, era um vestido longo e branco, com as mangas até os cotovelos. Me deitei na cama, Erea disse que era para estarmos prontos às oito da manhã para nosso primeiro dia. Nesse mesmo instante elas chegaram ao quarto, acharam que estava dormindo, fizeram o mínimo de barulho possível. Tomaram banho e vestiram as camisolas e foram dormir, a verdade é que demoraria para pegar no sono depois daquele dia.

    Acordei com os primeiros raios de sol do dia, a brisa suave beijou meu rosto me fazendo acordar, eram por volta das cinco da manhã quando olhei no relógio de ponteiro pendurado na parede ao meu lado, ninguém no quarto tinha acordado ainda, todas em sono profundo. Me levantei da cama e fui em direção ao banheiro, lavei o rosto tentando tirar qualquer vestígio de medo, não tive muito sucesso. Se fosse alguém com propriedades mágicas talvez não estivesse tão preocupada, mas como eu,

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