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Shôjo Jigoku: o inferno das garotas
Shôjo Jigoku: o inferno das garotas
Shôjo Jigoku: o inferno das garotas
E-book240 páginas4 horas

Shôjo Jigoku: o inferno das garotas

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Sobre este e-book

Publicada em 1936, a obra consiste em três contos, com estruturas narrativas e temáticas diferentes, cuja ligação principal reside nas protagonistas mulheres em situações diversas de vulnerabilidade social. O leitor, certamente, ficará intrigado com a maneira com a qual Kyûsaku desenvolve suas narrativas de modo muito orgânico: as tramas vão sendo construidas a partir de cartas, recortes de jornal e trechos de diários, te tal maneira que a imersão é muito espontânea, contribuindo ativamente para o suspense criado ao longo dos contos.

Embora escrito por um homem, "O inferno das garotas" traz temas delicados e os trabalha muito bem, conseguindo representar com muita empatia as agruras e pormenores do ser mulher no Japão dos anos 30 em diversos âmbitos. O autor demonstra, então, maestria ao construir o suspense de seus contos a partir de um universo feminino não romantizado, cujas problemáticas possuem recortes de classe e críticas sociais contundentes.

O livro contém os três contos da trilogia original: "Nada de mais", "Revezamento de homicídios" e "A mulher de marte" e o acréscimo de mais três minicontos "Narciso azul, narciso vermelho", "A prevenção contra bandidos de Yukiko-san" e "o deus da floresta".
IdiomaPortuguês
EditoraUrso
Data de lançamento1 de dez. de 2021
ISBN9786587929064
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    Shôjo Jigoku - Kyûsaku Yumeno

    Notas de

    tradução

    A tradução que o leitor de língua portuguesa tem agora em mãos é inédita em, pelo menos, dois aspectos. Primeiro, é um livro que já não está mais em circulação internacional. A primeira vez que ele saiu das terras japonesas foi em 2014, em tradução argentina. Portanto, com o presente exemplar, volta a estar ativo na cultura fora do Japão. Segundo, Yumeno Kyûsaku, nome artístico de Sugiyama Yasumichi, é um autor que caiu no esquecimento, embora seja da mesma importância e contemporâneo de autores como Kawabata Yasunari e Dazai Osamu. Com essa publicação, esperamos que o público lusófono possa criar interesse por esse autor prolífico, que conta com mais de 150 escritos, entre ensaios, contos, novelas e romances. Ao final do livro, traduzi três pequenos contos, de modo a oferecer ao público uma prova da versatilidade de Kyûsaku.

    Ao virar estas páginas de breve introdução, o leitor se deparará com uma tradução que tentou fugir um pouco das normas da tradução comercial, que busca (muitas vezes, como um cão com o seu rabo) além de uma paridade entre texto original e traduzido, também induzir o leitor a acreditar que está diante do original. Tal tentativa já se encontra minada desde a primeira página. Como tradutor, busquei não apenas tornar legível para o leitor lusófono do texto japonês como também tornar palpáveis algumas características do próprio idioma de origem. Isto implicou numa tradução que almejasse não só transformar o idioma japonês em português, mas aproximar o português do japonês. Aproximar as duas culturas. Oferecer um vislumbre das peculiaridades da comunicação japonesa (que, muitas vezes, ocorre inconscientemente).

    Há duas peculiaridades que mais se sobressairão e sobre as quais quero comentar rapidamente. A primeira, quanto a idiomatismos. Muitas vezes, eu resolvi desdobrá-los em sentido figurado e, depois, em sentido literal. Um dos primeiros casos se encontra no seguinte trecho: Estava estupefato, a ponto de me moer o fígado. No original, lê-se kimo o tsubushita kurai de atta. Não houve trituramento de fígado, mas, no idioma japonês, existe uma (para nós) inusitada relação entre estar estupefato/surpreso e moer/triturar/despedaçar o fígado. A segunda particularidade diz respeito às maneiras de intensificação de sentido. Em português, costuma-se a usar advérbios como muito, realmente ou superlativos bonitíssimo. Isso existe no japonês, mas outra maneira, menos usual para nós, é a repetição. Em vez de dizer muito frio, eles podem repetir frio duas, ou até mais, vezes. Sempre tendo em vista o contexto e a pertinência, resolvi manter essas repetições.

    Esses e outros casos abundarão ao longo do livro, e espero que possam oferecer não só o estranhamento inescapável ao entrarmos em contato com outra cultura como também abrir um espaço de contato com um modo de vida tão diverso do nosso.

    Gostaria de finalizar essa nota agradecendo a cada um dos contribuintes do Catarse, que possibilitaram a publicação deste livro. Agradeço também à minha amada companheira, Graziela Campana, que muito me auxiliou durante todo o tempo, e também à minha família, composta de mulheres fortes, guerreiras e sensíveis, como as que preenchem este livro. Agradeço à Lua Bueno, Editora Urso, por me introduzir a esse autor especial, e também à Jéssica Tavares, pela excelente divulgação nas mídias. Especial agradecimento à minha querida professora de japonês, Shoko Kishi, que muito me ajudou com trechos aparentemente incompreensíveis do japonês da década de 1930.

    Espero que gostem da leitura.

    Felipe Medeiros

    Tradutor

    A mulher

    japonesa

    na história:

    uma breve contextualização

    A existência de figuras femininas proeminentes dentro da história japonesa pode ser traçada desde os tempos antigos, antes até da chegada da escrita ao Japão. Seja por meio de mulheres lendárias, como Himiko, figura controversa que teria sido a primeira governante do antigo reino de Yamato, seja por meio das próprias divindades da tradição xintoísta, como Amaterasu, deusa do Sol, da qual descende toda a linhagem imperial.

    Dentro da escrita da história, um dos fatores mais importantes é a periodização. Muito embora o Ocidente utilize majoritariamente o calendário gregoriano e uma divisão do tempo histórico partindo de uma régua eurocentrada e diretamente ligada à existência ou não de registros escritos (Pré-História, Idade Antiga, Idade Média, Idade Moderna e Idade Contemporânea), essa marcação não é absoluta, mas sim variável a partir de fatores culturais/geográficos. Sendo assim, para abandonar uma visão histórica pautada na Europa enquanto centro do mundo, correntes historiográficas mais recentes levantam a bandeira da compreensão da história de uma sociedade a partir de suas fontes e historiografia, respeitando também esses pormenores.

    Sendo assim, a periodização aqui utilizada leva em consideração a divisão do tempo histórico de acordo com a historiografia japonesa: não em datas ou idades, mas sim em períodos ou jidai (時代). Essa divisão cronológica possui uma série de subdivisões, mas os principais períodos ou eras da história japonesa são: Jômon; Yayoi; Asuka; Nara; Heian; Kamakura; Muromachi; Sengoku; Edo; Meiji; Taishô; Shôwa; Heisei e o atual período, Reiwa, iniciado em 2019.

    Nos primeiros registros históricos, como o Nihongi, temos deusas importantes na tradição xintoísta, como Amaterasu e Izanami – sendo a primeira aquela da qual descende toda a linhagem imperial. Na mesma obra, temos também registros da era das grandes imperatrizes, mulheres que ascenderam à liderança do Estado e deixaram sua marca indelével na história japonesa, como a Imperatriz Suiko, grande entusiasta da difusão do Budismo como religião de Estado. No século VIII, a Imperatriz Genmei foi responsável por continuar o financiamento do kojiki, outro clássico compêndio histórico do Japão.

    No Período Heian, as mulheres são também agentes históricos ativos. Afastadas da execução direta do poder político, exercem sua influência principalmente por meio da literatura, seja na poesia ou na prosa. Duas das principais autoras desse momento, contemporâneas e também rivais entre si, são Sei Shônagon e Murasaki Shikibu, autoras do Livro do Travesseiro e do Genji Monogatari (considerado o primeiro grande romance

    literário do mundo!).

    Um gênero literário se firma nesse momento: é o nikki bungaku (literatura de diários, numa tradução literal), partindo de registros em formato de diário redigidos principalmente por damas da corte. Dentre os principais títulos, pode-se destacar não apenas o Livro do Travesseiro, de Shônagon, como também o Sarashina Nikki e o Kagerô Nikki. As mulheres japonesas desse momento não exerciam o poder apenas na esfera das classes altas e restritas ao mundo fechado dos palácios da nobreza, mas também nas províncias, na figura das toji (刀自), mulheres que supervisionavam camponeses comuns – homens e mulheres – e gerenciavam projetos agriculturais de larga escala, de acordo com a historiadora Yoshie Akiko (2005).

    Nos dois períodos subsequentes, o Kamakura e o Muromachi, tem-se o início do processo de militarização do Japão e com as guerras Genpei, registradas no Heike Monogatari, se tem o surgimento da classe guerreira e a ascensão dos samurais. Embora estes ainda não possuíssem um código de honra concreto (que só vai ser elaborado em meados do século XVII-XVIII), as virtudes necessárias ao samurai já eram de certo conhecimento geral. Nesse contexto e nessa obra, duas figuras femininas carregam o espírito guerreiro que ascende com o período Kamakura: Tomoe Gozen e Taira no Tokiko.

    As Guerras Genpei (1180-1185) envolveram dois clãs proeminentes: os Taira e os Minamoto, ambos oriundos de sobrenomes honoríficos dados aos herdeiros imperiais que não fossem diretamente elegíveis ao trono. O conflito se iniciou com a discordância entre ambos os clãs no que diz respeito ao herdeiro ao trono a ser apoiado. O herdeiro Taira foi entronado ainda criança, tornando-se o Imperador Antoku, e logo um conflito armado se iniciou, sendo registrado nas páginas do Heike Monogatari. No centro desse conflito, Tomoe Gozen é uma guerreira que luta ao lado dos Minamoto, ao passo que Tokiko é a avó do pequeno Imperador e uma monja budista.

    Uma arqueira de rara força, uma guerreira poderosa, e a pé ou no torso de um cavalo, uma espadachim para enfrentar qualquer demônio ou deus. Embora seja difícil traçar uma biografia exata para Tomoe, de tal forma que sua própria existência é questionada por alguns historiadores, é possível analisar sua representação enquanto guerreira. Fiel a seu senhor, Kiso no Yoshinaka, é representada de tal maneira que consegue concentrar conceitos tipicamente samurai, como a noção de um oponente digno, e em momento algum de sua jornada, o ser mulher é tido por ela como algum tipo de empecilho, sendo acima de tudo uma guerreira. Quando ordenada a fugir por seu mestre em batalha, ela não titubeia em afirmar: Tudo que desejo é um oponente digno, assim podes me ver lutar minha última batalha.

    No outro polo desse conflito, Taira no Tokiko, mencionada no Heike como Nii no Ama, esposa do grande Taira no Kiyomori e avó do Imperador Antoku, professou votos religiosos e tornou-se monja, sem, no entanto, se ausentar das questões políticas em meio ao conflito. Na batalha de Dan-no-Ura, as forças Minamoto cercam a família Taira, que tentava fugir nas embarcações, incluindo o jovem imperador e o séquito composto pelas damas e outras mulheres. Diante da derrota iminente, Nii no Ama não se deixa abater e exala todo o espírito e orgulho do guerreiro japonês ao propor a solução final: Posso ser uma mulher, mas não deixarei que o inimigo me apanhe. Não, Sua Majestade, eu devo acompanhá-lo. Todos aqueles leais ao nosso soberano, acompanhem-me!. E, com estas palavras, jogam-se nas águas, em um ato de harakiri, que não poderia representar melhor o espírito da época: a ascensão da classe guerreira e o declínio das

    regalias da nobreza.

    Alguns séculos mais à frente, tem-se o apogeu da classe samurai, durante o Período Sengoku, um dos mais complicados devido à guerra civil entre diversos daimyô, senhores de terra que, com o enfraquecimento do shogunato Ashikaga, iniciam uma disputa que descentraliza quase que completamente o poder no Japão. É nesse contexto que a situação feminina já está em intensa mudança: as mulheres pertencentes a famílias de samurais passam a servir como moeda de troca para casamentos arranjados, de maneira a selar acordos entre clãs, a exemplo de um dos grandes unificadores do período: Oda Nobunaga, que casou sua irmã Oichi com Azai Nagamasa, de maneira a conseguir seu apoio, e que, posteriormente, é traído por este.

    As filhas de Oichi se tornam também figuras importantes nesse momento: com destaque para Yodo-dono (também conhecida como Chacha) e Oeyo. A primogênita, Chacha, torna-se concubina e posteriormente mãe do herdeiro de Toyotomi Hideyoshi, o segundo dos três grandes unificadores do Japão neste período¹. Já Oeyo casa-se com Tokugawa Hidetada, o segundo shogun após a reunificação do Japão, gerando uma vasta linhagem de herdeiros para o clã, recebendo títulos e sendo uma figura proeminente no cenário político do início

    do Período Tokugawa.

    Em meio ao caos social do Período Sengoku, outra situação inusitada ocorre mais a oeste do arquipélago: a chegada dos portugueses, intitulados nanban (南蛮), cuja tradução literal seria bárbaros do sul. O principal contato dos portugueses com os japoneses se deu a partir da missão jesuíta, que, por meio da pregação do catolicismo, promoveu a intermediação cultural entre ambos os lados. A partir dos primeiros contatos com um Japão extremamente belicoso e instável politicamente, os portugueses percebem que uma dominação militar está fora de cogitação, e é aí que os jesuítas se inserem, estabelecendo contatos a partir da evangelização. A estratégia aplicada por estes é a de adaptar a doutrina cristã à compreensão japonesa a partir da aproximação com os elementos tradicionais, notadamente o Budismo. Embora o processo de trabalho destes tenha sido extremamente complicado, uma vez que os recursos enviados por Portugal eram escassos, a viagem da Europa até o Japão era longa e arriscada (seja pelo risco de naufrágios ou de ataques de piratas ou corsários) e o cenário de guerra no arquipélago complicava ainda mais a situação desses missionários.

    Muitos daimyô viam com desconfiança e estranhamento a presença jesuíta, e o clero budista não aceitava com facilidade a proposição de uma doutrina absoluta, que negava a existência de qualquer outra religião. A escravização de japoneses por parte de portugueses (em alguns casos com a anuência de locais) também não contribuía para a imagem jesuíta. Por outro lado, alguns daimyô (dentre eles o próprio Oda Nobunaga) viam no comércio com os portugueses, intermediado pela Companhia de Jesus, uma oportunidade de tirar vantagem sobre outros senhores, tendo em vista que a instabilidade política era tal que, em 1587, o padre Luís Fróis escreve que em lugar algum que se saiba há tão grandes voltas e revoltas como no Japão, porque a cada passo se veem grandes mudanças, e o que hoje é rei de um reino, daqui a poucos dias não tem nada, e o que tem pouco ou nada, se faz em breve tempo grande senhor.

    Apesar das agruras enfrentadas pela missão cristã no Japão, diversas conversões aconteceram, tanto entre o campesinato quanto entre as classes mais abastadas. Os daimyô cristianizados e batizados recebiam nomes portugueses e contribuíam ativamente com recursos para a missão. Nomes como Dom Justo Takayama, p. ex., são sempre lembrados ao se mencionarem esses convertidos. Dentre estes, podemos também destacar a presença ativa de uma mulher: Hosokawa Gracia. Filha de Akechi Mitsuhide – o samurai que traiu Nobunaga e foi responsável direto por sua morte no incidente de Honno-ji – nasceu com o nome de Akechi Tama e entrou para o clã Hosokawa por meio de seu casamento com Hosokawa Tadaoki, daimyô convertido ao cristianismo. Por ser filha de um traidor, as autoridades ordenaram que fosse mantida reclusa na propriedade Hosokawa, em Osaka, onde foi batizada por sua dama, recebendo o nome Gracia.

    Após a morte de Toyotomi Hideyoshi em 1598 e o vácuo de poder disputado entre os grandes daimyô, Gracia se encontra em meio ao conflito, uma vez que um dos pretendentes à ascensão, Ishida Mitsunari, planejava invadir o Castelo de Osaka e tomar como reféns os parentes dos antigos partidários de Hideyoshi, para forçar um cessar-fogo. Por não poder cometer seppuku (visto que, no cristianismo, o suicídio é um pecado mortal), por ocasião de um ataque à residência Hosokawa, ela foi morta por um encarregado da família, que cometeu seppuku junto com os outros funcionários, de maneira que esta não seria levada por Mitsunari. Sua história de vigor e devoção (a tal ponto que teria tentado aprender a língua portuguesa a partir de livros enviados a ela por missionários portugueses) nos mostra uma mulher que não apenas personificou o espírito samurai a partir de sua resistência como também representou da melhor forma possível o ideal cristão de devoção e paixão. E, acima de tudo, Hosokawa Gracia conseguiu ir além do rótulo que lhe foi imputado enquanto filha de um traidor.

    A batalha de Sekigahara (1600) consolida o fim desse período beligerante e a vitória de Tokugawa Ieyasu, que assume o título de shogun (que não havia sido reivindicado desde os Ashikaga, no século XIV), marcando o início de uma nova era: o bakufu Tokugawa (徳川幕府). Um período longo de paz, com a centralização do poder na figura do shogun e a imposição de uma série de mudanças: a expulsão dos jesuítas, perseguição aos cristãos, implantação da política sakoku² e a transferência do shogun para Edo, transformando o que era uma pequena vila no novo centro político-econômico do país.

    Esse período de relativa paz, intitulado Período Edo, proporcionou um intenso processo de urbanização e florescimento em diversos campos: das artes à literatura. Um momento marcado pela intervenção estatal e pela burocratização em quase todos os âmbitos, inclusive o entretenimento, regulado e observado de perto pelas autoridades, principalmente no que diz respeito ao entretenimento envolvendo mulheres.

    Atividades como a prostituição, legalizada com licenças e regulamentações, em distritos chamados yûkaku (遊廓). Dois dos mais famosos yûkako desse período eram Shimabara (em Quioto) e Yoshiwara, em Edo (atual Tóquio). Normalmente, estavam inseridos num contexto maior, o dos distritos de entretenimento, dos quais surge o conceito de ukiyo (浮世), o mundo flutuante³. Desgarrado do cotidiano, esse conceito diz respeito ao hedonismo dos grandes centros urbanos japoneses, fomentados pelo surgimento de uma classe de artesãos, comerciantes e artistas, onde o hedonismo era a palavra de ordem e as possibilidades de deleite eram infinitas. Mas, mesmo nesses distritos, havia certa hierarquia social a ser observada, em especial entre as yûjo (遊女), termo utilizado para designar prostitutas de maneira generalizada.

    Dentre as mulheres envolvidas neste mundo, vale destacar duas classes: as oiran (花魁) e as geisha (芸者). O serviço de ambas se assemelhava de certa maneira, uma vez que requeria que se engajassem nas artes tradicionais, como escrita, dança, canto e música, além da habilidade de entreter e encantar a audiência. No entanto, uma das diferenças cruciais entre elas estava na posição hierárquica e na relação com a atividade sexual⁴. Uma oiran era uma espécie de cortesã de alto nível, cujos valores eram demasiado altos para que alguém fora das classes mais abastadas pudesse contratar seus serviços. Além das atividades sexuais, essas mulheres entretinham também por meio da erudição e das artes.

    Já as geisha, apesar da visão extremamente sexualizada e erotizada que se enraizou no senso comum ocidental após a segunda metade do século XX, eram estritamente proibidas de realizar serviços sexuais. Os caracteres que compõem a palavra geisha significam respectivamente, arte e pessoa (no sentido de pessoa que desempenha alguma atividade), e, numa representação livre, pode ser traduzido como artista. A função dessas mulheres remete ao início

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