Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Garantias de representatividade do processo coletivo
Garantias de representatividade do processo coletivo
Garantias de representatividade do processo coletivo
E-book257 páginas3 horas

Garantias de representatividade do processo coletivo

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

A obra tem por objetivo a análise da representatividade do processo coletivo, bem como a efetiva participação dos titulares do direito na formação da ação coletiva, assim como na condução do processo. Diante da necessidade de coletivização das demandas, a representatividade foi vista como algo essencial ao processo coletivo, sob pena da decisão judicial não ser efetiva e não prestar à pacificação social. Por fim, são analisados os modelos de participação no processo e quais os instrumentos que já são utilizados para que haja uma aproximação da população ao representante, assim como quais seriam os novos meios que podem ser utilizados pelo legitimado no processo coletivo.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento12 de abr. de 2022
ISBN9786525229584
Garantias de representatividade do processo coletivo

Relacionado a Garantias de representatividade do processo coletivo

Ebooks relacionados

Direito para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Avaliações de Garantias de representatividade do processo coletivo

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Garantias de representatividade do processo coletivo - Marco Chibebe Waller

    1 PROCESSO COLETIVO

    Para estudar as formas de representatividade e participação popular no processo coletivo, a fim de interferir de forma eficiente na decisão judicial, é importante analisar o processo coletivo, como deu sua formação ao longo do tempo no mundo. Para isso, uma breve análise cronológica será realizada, desde os primeiros tempos em que se utilizou ações coletivas, observando suas estruturas e formas de representação. Além disso, após análise histórica, é importante verificar como o processo coletivo é estruturado no sistema jurídico brasileiro, ou seja, quais normas autorizam a utilização de ações coletivas e como elas serão instrumentalizadas a fim de obter uma resposta jurisdicional. Por fim, neste capítulo, será apontada a importância da utilização das ações coletivas como forma de acesso à Justiça, este ponto primordial para o interesse da coletividade.

    1.1 DO PROCESSO INDIVIDUAL AO COLETIVO

    O processo coletivo deve ser inicialmente visto como uma forma de exercício da cidadania, um instrumento do Estado Democrático de Direito, uma metagarantia aos direitos fundamentais. O Direito, como fenômeno da sociedade que é, altera-se com o passar do tempo, sendo necessária sua reforma para que represente os anseios da sociedade. Da mesma forma, os instrumentos de garantia de direitos devem também ser atualizados, a fim de que o Judiciário consiga apresentar aos jurisdicionados a efetividade que lá buscam.

    O processo coletivo foi criado em razão da evolução do processo civil, o qual ultrapassou algumas fases: sincretista, autonomista e a instrumentalista. Conforme será demonstrado, há autores que defendem a quarta fase, do neoprocessualismo.

    A fase sincretista, também denominada de imanentista, trazia o direito processual como uma parte do direito material. Assim, somente poderia haver ação caso houvesse um direito material. Essa fase foi superada em razão de dificuldades em estabelecer, por exemplo, como uma demanda poderia ser julgada improcedente sem que tivesse ocorrido o exercício da ação. O final desta fase ocorreu por volta de 1868.

    Do ano de 1868 a 1950, o processo civil passou pela fase autonomista, também chamada de científica. Nessa fase, o processo foi pensado como uma ciência autônoma, independente ao direito material. Entretanto, com a intenção de deixar clara a posição autônoma do direito processual, foram criadas muitas formalidades, distanciando-se do direito material e inviabilizando a efetivação do direito ali buscado.

    Os princípios que informam o direito processual são próprios, na medida em que se trata de ramo do direito público, distintos daqueles que informam os sub-ramos do direito material, especialmente quando se tratar de relação de direito privado.

    Essa consciência da autonomia do direito processual em face do direito material surgiu, basicamente, a partir do fim do século XIX, pois antes disso o direito processual era visto, basicamente, como uma projeção daquele. Com essa renovação de concepção, ficou evidente tratar-se o direito processual de ramo do direito público, pois que diz respeito ao exercício de uma atividade estatal

    Como se terá oportunidade de ver mais adiante, ao se estudar a teoria da relação jurídica processual, a obra de Oscar von Bülow foi um marco (1868) na distinção entre os direitos processual e material. A partir daí, viu-se com mais clareza ser a relação material litigiosa diferente da relação jurídica processual. Depois dessa obra, passou-se a entender com mais facilidade que o processo, antes de um meio de composição de litígios, constitui uma forma de pacificação das relações sociais, daí defluindo, claramente, tratar-se de ramo do direito público, independentemente de o litígio, no caso concreto, poder ser de natureza privada. Repita-se: o direito processual regula uma atividade estatal, a jurisdicional, e por isso encarta-se como ramo do direito público¹.

    A partir da década de 1950, o processo civil entrou na fase instrumentalista, corrigindo a separação entre o direito material e processual, sendo este um instrumento de realização daquele. Assim, o processo deve contar com instrumentos adequados para efetivar a tutela jurisdicional buscada. Somente com um processo bem instrumentalizado haverá um direito material efetivado. A relação entre as duas matérias é circular, onde o processo serve ao direito material e vice-versa.

    Normas de direito material são aquelas que criam, regem e extinguem as relações jurídicas, dizem o que é lícito e o que é ilícito etc., fora do juízo; são as normas de direito civil, penal, tributário, administrativo etc.

    Normas de direito processual são aquelas que regulam o processo. É verdade que também criam, regem, modificam e extinguem relações jurídicas, mas perante o órgão encarregado de exercer a atividade jurisdicional. Daí por que, como se vem insistindo, o direito processual é instrumental em relação ao direito material.

    São os seguintes os dizeres de Vicente Greco Filho: Direito material e processo, portanto, caminham juntos, de modo que este é instrumento daquele e, aliás, se dignifica na razão direta em que aquele se manifesta buscando a estabilidade e a justiça².

    Há quem defenda que a fase atual do processo é chamada de formalismo valorativo ou também denominada de neoprocessualismo. Nesse sentido leciona Fredie Didier Jr.:

    Parece mais adequado, porém, considerar a fase atual como uma quarta fase da evolução do direito processual. Não obstante mantidas as conquistas do processualismo e do instrumentalismo, a ciência teve que avançar, e avançou.

    Fala-se, então, de um Neoprocessualismo: o estudo e aplicação do Direito Processual de acordo com esse novo modelo de repertório teórico. Já há significativa bibliografia nacional que adota essa linha.

    O termo Neoprocessualismo tem uma interessante função didática, pois remete rapidamente ao Neoconstitucionalismo, que, não obstante a sua polissemia, traz a reboque todas as premissas metodológicas apontadas, além de toda produção doutrinária a respeito do tema, já bastante difundida³.

    De acordo com o neoprocessualismo, a Constituição e seus valores devem influenciar o processo, o qual deve ter as seguintes características: a) força direta e normativa da Constituição; b) reconhecimento dos direitos e garantias fundamentais; c) força normativa dos princípios; d) papel criativo da atividade jurisdicional.

    Pode-se concluir que o processo coletivo se firmou como uma categoria melhor a ser estudada com a fase instrumentalista. Isso porque houve uma preocupação maior do processo não ser somente uma forma de buscar interesses particulares, mas de também ter como norte a pacificação social. A intenção também era de que houvesse uma justiça efetiva e célere, com economia de recursos. Portanto, o processo tornou-se um importante instrumento de acesso à Justiça.

    Diante disso, Mauro Cappelletti e Bryant Garth anunciaram ao mundo as 3 ondas renovatórias para que que ocorresse o efetivo acesso à Justiça. A primeira onda seria a tutela aos pobres, a segunda seria a coletivização do processo e, por fim, a terceira onda seria a efetividade do processo.

    Assim, foi na segunda onda de acesso à Justiça que o processo coletivo se mostrou importante para a pacificação social, já que em razão de uma demanda massificada, por meio de uma sociedade de consumo, era necessário que o meio apto para busca da tutela fosse pelas ações coletivas e não mais pelo processo individual.

    Chegou-se à conclusão de que há bens e interesses que não seriam viáveis de serem tutelados pelo processo individual, como os bens de titularidade indeterminada ou cuja tutela individual seja inviável. No primeiro caso tem-se, por exemplo, o meio ambiente, o qual é um direito difuso, sendo um bem indivisível e indeterminado. Já no segundo caso, há lesões praticadas por empresas que, em análise individual, não recomendariam uma ação individual, mas sim uma demanda coletiva, já que afetaria várias pessoas e o prejuízo individual de cada lesado era muito pequeno.

    Há outros casos também em que a necessidade de conhecimento técnico não propiciaria ao indivíduo sozinho buscar judicialmente aquele direito, ou mesmo há demandas em que o custo é muito alto, somente sendo possível que ocorra a demanda por meio coletivo.

    Portanto, o processo individual acabou tornando-se inviável para esses tipos de demanda, havendo a necessidade de regulamentar o processo coletivo.

    1.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO PROCESSO COLETIVO NO MUNDO

    Para o estudo do processo coletivo, a representatividade adequada e os meios de participação popular, faz-se necessária a busca histórica sobre as ações coletivas e, consequentemente, do processo coletivo. Em que pese ainda ser uma matéria desconhecida por muitos operadores do direito, inclusive com dificuldades de intepretação e aplicação das leis que regulam as ações coletivas, é sabido que as primeiras ações coletivas são da época de Roma antiga, denominada a época de Antiguidade, a qual compreende o período de 4000 a.C. a 3500 d.C. até a queda do Império Romano do Ocidente (476 d. C.).

    Naquela época, os cidadãos romanos utilizavam um instrumento chamado de actiones populares, o qual era o meio adequado para tutelar interesses da coletividade e não somente do indivíduo. A coletividade tinha um significado importante para os romanos, já que a res publica pertencia a todos os cidadãos, sendo todos capazes defendê-la. Sobre o tema, Nelson Nery Júnior⁴ explica que no Digesto 47, 23, 1, havia a previsão das actiones populares, as quais tinham natureza essencialmente privadas e seus objetos eram a proteção de interesses da sociedade. O cidadão que utilizava esse instrumento não agia em nome de direito individual próprio, mas como membro de sua comunidade. Trata-se da primeira forma de representação da coletividade por meio de um processo judicial.

    Para demonstrar alguns tipos de actiones populares, José Afonso da Silva⁵ apresenta algumas ações da época: sepulchro violato, utilizada em casos de violação de sepulcro, coisa santa ou religiosa; effusis et deiectis, usada contra quem arremessasse de casa objetos sobre a via pública; positis et suspensas, para aqueles que mantivessem objetos na sacada ou aba do telhado sem os devidos cuidados; albo corrupto, era a aplicação de multa para quem alterasse o edito pretoriano; aedilitio edicto et redhibitione et quanti minoris, servia para ser evitado que se levassem a lugares frequentados cães, lobos, leões, ursos e outros animais perigosos; termino moto, contra quem levasse pedras destinadas a delimitar os limites entre propriedades privadas; tabulis, instrumento utilizado contra a pessoa que abrisse testamento ou aceitasse herança enquanto corresse processo contra servo tido como culpado⁶; assertio in libertatem, concedida a quem fosse assistente, representante ou parentes de quem deveria ser libertado; interdictum de homine libero exhibendo, esta ação havia uma proximidade com a figura do habeas corpus, já que qualquer um poderia ajuizá-la, tendo como finalidade a defesa da liberdade; collusione detegenda, utilizada quando escravos ou libertos eram declarados nascidos livres em comparsaria com seus antigos donos; ad pias causas, concedida quando os bispos ou arcebispos se descuidassem de pedir o legado pio. O autor ainda explica que outros autores consideram os interditos proibitórios e restituitórios como ações populares, já que podiam ser utilizadas para a defesa do uso da coisa pública.

    José Afonso da Silva traz lições de Jhering sobre a legitimidade e representatividade que o cidadão que propunha actiones populares tinha. Na Roma antiga, época da Cidade-Estado, o interesse público não tinha distinção com o interesse privado, estando, assim, o autor da ação não só tutelando um direito da coletividade, como também o seu, já que como membro da comunidade, consequentemente, iria ser atingido.

    Entretanto, em época mais à frente, com a evolução política de Roma, inicia um pensamento de separação entre o indivíduo e a coletividade, começando a surgir a diferença entre interesse particular e interesse público. Porém, mesmo assim, as actiones populares, mesmo propostas pelo indivíduo, ainda tinham uma característica de coletivas, já que era impossível apreciar na demanda apenas o direito individual, vez que a característica da ação era ter uma amplitude extraordinária.

    Por fim, detalhe relevante, o qual é utilizado ainda nas datas atuais, é que a coisa julgada das actiones populares havia efeito erga omnes, ou seja, vinculante e imutável.

    No período medieval não havia a ideia de oposição entre o indivíduo e a coletividade. A ideia de indivíduo é mais recente, mais precisamente da Idade Moderna e das revoluções liberais⁸. Por isso, não havia naquela época uma discussão sobre legitimidade e representatividade de um indivíduo perante uma coletividade, já que não existia a figura do indivíduo como alheio à comunidade como é conhecida nos tempos atuais. Por esse motivo, um processo judicial tinha como foco apenas o mérito, não havendo qualquer outra preocupação com eventual representatividade ou legitimidade.

    Há pouquíssimos registros de ações coletivas ou mesmo as populares na Idade Média. Mas isso se dá porque à época vigoravam os regimes absolutistas, com forte presença da Igreja Católica com suas inquisições, além da existência do feudalismo, o qual era altamente autoritário. Dessa forma, com todas as limitações existentes na época, era muito difícil que um indivíduo ajuizasse qualquer ação que tivesse como objetivo a coletividade, indo de encontro aos interesses dos regimes monárquicos, dos senhores feudais ou mesmo da Igreja Católica⁹.

    O período medieval é compreendido entre o século V, com a queda do Império Romano, ao século XV.

    Aluísio Gonçalves de Castro Mendes relata três casos que indicam a utilização de demandas coletivas:

    O primeiro caso teria ocorrido em torno do ano de 1199, quando, perante a Corte Eclesiástica de Canterbury, o páraco Martin, de Barkway, ajuizou ação, versando sobre o direito a certas oferendas e serviços diários, em face dos paroquianos de Nuthamstead, uma povoação de Hertfordshire, assim considerados como um grupo, chamado, no entanto, a juízo apenas algumas pessoas, para, aparentemente, responderem por todos.

    No século XIII, três aldeões provocaram a prestação jurisdicional, em benefício deles próprios e de toda a comunidade do povoado de Helpingham, em face da comunidade da cidade de Donington, bem como da de Bykere, para que os demandados tivessem de assistir aos moradores de Helpingham na reparação local dos diques. Note-se que, tanto no lado ativo como no passivo da relação processual, não figuraram, como parte, por um lado, pessoas jurídicas, como a municipalidade, ou, por outro, os moradores, individualmente considerados, das localidades supramencionadas. Assim sendo, estavam presentes, como parte, apenas alguns moradores, defendendo, no entanto, os interesses de toda a comunidade, enquanto grupo e não como indivíduos.

    O terceiro caso ocorreu nos tempos de Edward II (1307-26), quando Emery Gegge e Robert Wawayn ajuizaram ação, em benefício deles e de todo o resto dos pobres e médios burgueses (middling and burgesses) de Scarborough e em detrimento de Roger Cross, John Hugh’s son, Warin Draper e os demais ricos burgueses da cidade¹⁰.

    Nos casos mencionados acima, em momento algum houve discussão sobre a legitimidade e representatividade daqueles que ingressaram com as ações.

    A Idade Moderna, período considerado entre o final do século XV ao século XVIII, tem a Inglaterra como precursora das demandas coletivas. O direito costumeiro na Inglaterra era preponderante e fundamental para seu sistema jurídico, não havendo que se falar em procuração ou autorização para uma pessoa ou um grupo de pessoas representarem a coletividade. Entretanto, importante frisar que a ideia era de que apenas os homens distintos e dotados de prudência poderiam demandar em nome da comunidade, isso ocorria tanto no polo ativo como passivo do processo.

    Há divergência de que as demandas coletivas iniciaram após essa época, mais precisamente no século XVII, com as courts of chancery. Existiram até o ano de 1873, na Inglaterra, dois sistemas de justiça, um chamado de jurisdição de direito (law jurisdiction) e outro denominado jurisdição de equidade (equity jurisditcion). A jurisdição de equidade analisava as pretensões declaratórias e injuntivas ou mandamentais, enquanto a jurisdição de direito tinha como objeto as demandas pecuniárias e indenizatórias.

    Antônio Gidi explica a diferença entre os dois sistemas de justiça do direito inglês:

    A equidade (law of equity ou simplesmente equity) era aplicada pela court of chancery, um tribunal especial encarregado de disciplinar as situações que o direito (common law ou simplesmente law) não regulava de forma adequada. Tratava-se, assim, de uma espécie de direito complementar, que supria as lacunas do direito comum. A equidade era muito mais flexível em seus procedimentos, decisões e provimentos (remedies) do que a common law, que era um sistema extremamente formal, rígido e burocrático e composto de muitas tecnicalidades¹¹.

    Os tribunais de direito (courts of law) não permitiam a existência de um litisconsórcio voluntário em razão de uma demanda com questões comuns, permitindo somente

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1