Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Repressão a Cartéis: Interface entre Direito Administrativo e Direito Penal
Repressão a Cartéis: Interface entre Direito Administrativo e Direito Penal
Repressão a Cartéis: Interface entre Direito Administrativo e Direito Penal
E-book643 páginas8 horas

Repressão a Cartéis: Interface entre Direito Administrativo e Direito Penal

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

A presente obra procura demonstrar, sob a ótica da teoria econômica aplicada ao Direito, a necessidade da conjugação do Direito Criminal e do Direito Administrativo a fim de prevenir e reprimir a prática de cartel, validando o princípio constitucional da livre concorrência.
A partir de sólidos pressupostos teóricos, a autora analisa a experiência internacional e os motivos que levam um crescente número de países a dar tratamento penal à prática de cartel. Ainda, com base em pesquisa jurisprudencial e legislativa sem precedentes no país, discorre sobre temas que tocam nos dois sistemas: definição da conduta ilícita, sujeito ativo, sanções, prova emprestada, prescrição da pretensão punitiva do Estado e o controverso acordo de leniência. Por fim, a obra contém, de lege ferenda, proposta de um modelo institucional destinado à repressão de cartéis mais eficiente, à luz do quadro constitucional brasileiro.
O livro é fundamental para operadores do Direito, tanto em matéria concorrencial quanto em matéria penal, em especial considerando a crescente persecução a cartéis pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e pelas autoridades criminais, em um país que ainda está construindo uma cultura de concorrência.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento8 de jun. de 2022
ISBN9786586352139
Repressão a Cartéis: Interface entre Direito Administrativo e Direito Penal

Relacionado a Repressão a Cartéis

Ebooks relacionados

Direito para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Avaliações de Repressão a Cartéis

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Repressão a Cartéis - Ana Paula Martinez

    titulo

    REPRESSÃO A CARTÉIS

    Interface entre Direito Administrativo e Direito Penal

    Ana Paula Martinez

    REPRESSÃO A CARTÉIS

    Interface entre Direito Administrativo e Direito Penal

    São Paulo

    2020

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

    M385r

                    Martinez, Ana Paula

                    Repressão a Cartéis: Interface entre Direito Administrativo e Direito Penal. / Ana Paula Martinez. São Paulo: Singular, 2013.

                    ISBN: 978-65-86352-13-9 Livro Digital

                    1. Cartel, Brasil. 2. Direito da concorrência, Brasil. 3. Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Brasil) (Cade). 4. Direito Penal Econômico, Brasil. 5. Direito Administrativo, Brasil. 6. Análise econômica do Direito. I. Título.

    CDU: 347.733: 343: 33

    Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610, de 19.02.1998. É proibida a reprodução total ou parcial sem a expressa anuência da editora.

    © da edição [2013]

    logo-editora

    Tel/Fax: (+55 11) 3862-1242

    www.editorasingular.com.br

    singular@editorasingular.com.br

    Para meus pais e Pedro Arthur, com amor.

    Agradecimentos

    Com este trabalho concluo tema que venho desenvolvendo desde 2007, ano em que assumi o então cargo de Diretora do Departamento de Proteção e Defesa Econômica da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça. Naquela qualidade até fins de 2010, tive a oportunidade de testemunhar a importância de haver repressão criminal a cartéis de forma harmônica com o sistema administrativo. No mesmo período, na qualidade de corresponsável pelo subgrupo de repressão a cartéis da International Competition Network – ICN, pude acompanhar os avanços de outros países na repressão a cartéis e as discussões de política pública sobre o tema travadas em fóruns internacionais. Nesse percurso contei com o apoio de amigos e colegas, sem o qual este trabalho teria formato diferente.

    Agradeço ao Professor Eduardo Reale Ferrari, meu orientador, pela paciência e sabedoria em me orientar. As interações com ele nos campos acadêmico e profissional sempre me trouxeram grandes ensinamentos. Aos Professores Floriano Peixoto de Azevedo M. Neto e Pierpaolo Cruz Bottini agradeço pela leitura cuidadosa e orientação dada tanto no exame de qualificação quanto na avaliação final. A estes se juntaram na banca de avaliação os Professores Gesner Oliveira e Barbara Rosenberg, com sua ampla e rica experiência em direito e economia da concorrência, a quem agradeço pelas críticas construtivas. Além disso, agradeço à Professora Helena Regina Lobo da Costa pelas úteis reflexões sobre as interações entre os sistemas administrativo e criminal, e aos Professores Calixto Salomão Filho e Einer Elhauge pelas (hoje já distantes) lições de direito da concorrência, com foco nos sistemas brasileiro e americano, respectivamente.

    Aos amigos e companheiros do Ministério Público e da Polícia, que despertaram meu gosto pela área penal e muito me ensinaram, em especial Adriana Borghi, Arthur Pinho de Lemos Júnior, Augusto Rossini, Cláudio Ferreira Gomes, Gilberto Leme Garcia, Joselio Azevedo de Sousa, Josemauro Pinto Nunes, Karen Kahn, Marcelo Mendroni, Márcia Bonfim, Marcus Vinicius Michelotto, Roberto Porto, Rômulo Berrêdo de Menezes, Tânia Maria Fogaça e William Murad. Pelos mesmos motivos, agradeço a Scott Hammond, Ann e Paul O’Brien, Enrique Vergara, Felipe Irarrázabal, John Pecman, Pablo Marquez Escobar, Shan Ramburuth e Stan Wong pelos ensinamentos sobre suas respectivas jurisdições e pelas enriquecedoras conversas sobre os aspectos internacionais da persecução a cartéis.

    Aos amigos da hoje extinta Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, por tudo o que aprendi com vocês, em especial Alessandra Reis, Ana Maria Melo Netto, Fernanda Machado, Marcela Fernandes, Márcia Suaiden, Pedro Lyra, Ravvi Madruga e Rubem Pires, servidores públicos extremamente motivados na repressão aos cartéis. Aos amigos do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, nas pessoas dos Doutores Carlos Emmanuel Joppert Ragazzo, Gilvandro Araújo e Vinícius Marques de Carvalho, e da Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, nas pessoas de Antonio Henrique Silveira e Pricilla Santana, pelo aprendizado e coleguismo.

    A Arthur Sanchez Badin, por suas pertinentes contribuições a este trabalho. A Daniel Vargas, pelo envio de artigos desde o distante Soldiers Field Park e pelas prazerosas conversas sobre o resultado útil da produção acadêmica. A Diego Faleck, pelo apoio permanente e pelos ensinamentos sobre modelos de negociação de acordos. A Mariana Tavares de Araujo, pelas horas de discussão sobre as conclusões deste trabalho e pela indicação de leitura da obra The Economics of Collusion.

    Aos amigos Alexandre Faraco, Bolívar Moura Rocha, Carlos Portugal Gouvêa, Eduardo Salomão Neto e Eric Jasper, pelo aprendizado e permanente incentivo. A Eduardo agradeço especialmente pelas informativas conversas sobre crimes de colarinho branco e por ter-me presenteado com o clássico livro de Edwin Sutherland, White Collar Crime.

    Como de costume, foi essencial o estímulo de meus pais, Maria Neuza e José Antonio, referências na minha vida. Agradeço também a cuidadosa revisão do texto por minha irmã e meu cunhado, Maria Beatriz Martinez Alves e Luis Arthur Terra Alves, e ao igualmente importante apoio da minha nova família, meus sogros Anna Carla e Freddy Goldberg, meus cunhados David, Mariana e Tatiana Goldberg e minha avó Margit Krepel, fonte de inspiração.

    Um agradecimento especial ao meu querido Daniel K. Goldberg por seu amor e apoio e pelas úteis reflexões sobre direito antitruste e abordagem econômica do direito.

    A Autora

    Prefácio

    A obra Repressão a Cartéis: Interface entre Direito Administrativo e Direito Penal, de Ana Paula Martinez, tem três virtudes: relevância, rigor analítico e teor propositivo de política pública.

    *

    Do ponto de vista da relevância do tema, o combate ao cartel constitui um dos itens mais importantes da política de defesa da concorrência. É difícil não exagerar o dano que o cartel provoca do ponto de vista do bem-estar. Os números da experiência internacional ilustrados pela autora são eloquentes acerca dos prejuízos gerados pela atividade de cartel.

    O cartel clássico encerra acordo entre concorrentes com o objetivo de maximização conjunta de lucro. Segundo a cartilha de repressão a cartéis da antiga Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça, trata-se de acordo entre concorrentes para, principalmente, fixação de preços ou quotas de produção e divisão de clientes e de mercados de atuação. Assim, em vez de as empresas concorrerem entre si, passam a coordenar suas ações de forma a obter os maiores lucros possíveis em detrimento dos consumidores. Quando ocorre esse tipo de ação concertada, a quantidade produzida é menor e o preço maior.

    *

    Do ponto de vista do rigor analítico, a autora utiliza com muita propriedade os conceitos econômicos e jurídicos para discutir as características do cartel. O livro adota a teoria econômica do direito como o modelo que, apesar de seus atributos simplificadores, descreve adequadamente como agentes racionais reagem aos incentivos desenhados pela norma jurídica para maximizar seu bem-estar.

    Considera igualmente a interação estratégica entre os agentes, mostrando, por exemplo, a natureza intrinsecamente instável do cartel ou do jogo do cartel, com respaldo na conhecida teoria dos jogos.

    Conforme afirma a autora, infratores tendem a cometer o crime quando o seu benefício é superior ao custo esperado. De maneira geral, a expectativa de benefício esperado com o cartel pode ser expressa da seguinte forma:

    E (C) = p M + (1-p) πc

    onde:

    E (C) é a esperança matemática do ganho associado à prática de cartel; p é a probabilidade de a autoridade descobrir e punir o cartel; 0 < p < 1.

    M é a punição (na jurisdição brasileira geralmente sob a forma de multa) se o cartel for flagrado pela autoridade, M < 0. π é o lucro extraordinário obtido com o cartel.

    O objetivo da autoridade é, portanto, tornar E(C) negativo, isto é, tornar desinteressante a prática de cartel. Para tanto, várias medidas foram adotadas:

    • multas elevadas, estabelecidas pela Lei 12.529/2011, tornando M um valor fortemente negativo (M << 0); houve, por exemplo, uma significativa elevação da multa para associações, tendo o valor passado de até cerca de R$ 6 milhões na redação da Lei 8.884/1994 para até R$ 2 bilhões na nova lei;

    • criminalização da conduta, com crescente aplicação da Lei 8.137/1990 e da Lei 8.666/1993 pelas autoridades criminais;

    • maiores poderes de investigação, introduzidos inicialmente pela Lei 10.149/2000, como a possibilidade de diligências de busca e apreensão e inspeção nas empresas, o que aumenta a probabilidade de detecção e punição (p) e diminui a probabilidade de lucrar com o cartel (1-p);

    • possibilidade do acordo de leniência, também previsto pela Lei 10.149/2000 e ampliado pela Lei 12.529/2011. O acordo permite atenuar a sanção ou mesmo garantir imunidade ao participante de conduta ilícita que delatar o arranjo e colaborar com a autoridade para condenar o cartel. Essa ferramenta aumenta fortemente (p), gerando maior instabilidade no cartel ao suscitar mais desconfiança e, consequentemente, maior custo de monitoramento e maior possibilidade de adoção de estratégias não cooperativas.

    *

    Finalmente, do ponto de vista da proposta de política pública, o trabalho é claro no sentido de defender a pena de prisão para coibir efetivamente o cartel. Independentemente do mérito da proposta em si, a virtude do livro reside na discussão objetiva dos prós e contras da proposição, bem como na farta evidência da experiência internacional.

    *

    A exemplo da maioria dos países em desenvolvimento, o Brasil não tem tradição de obediência às regras de mercado e, em particular, de combate aos cartéis. Durante décadas de fechamento da economia, foi o próprio Estado o organizador de cartéis por meio de organismos como o Conselho Interministerial de Preços (CIP). Alguns segmentos chegavam a solicitar ao CIP que controlasse seus preços. Pode-se dizer que, no mínimo, nesta fase da economia brasileira, o Estado reduziu drasticamente o custo de organização dos cartéis e aumentou seus benefícios esperados.

    Com a abertura e a estabilização da inflação a partir do Plano Real em números civilizados nos anos 1990, a repressão ao abuso do poder de mercado tornou-se possível, ainda que incipiente. O número de decisões por parte do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) aumentou sob a Lei 8.884/1994 e tende a aumentar ainda mais nos próximos anos com a Lei 12.529/2011.

    A maioria das economias emergentes passou por períodos de pouca concorrência externa e interna e forte intervenção estatal, constituindo ambiente propício à prática de cartéis. Em muitos casos, os próprios governos induziram a conduta comercial uniforme.

    A modernização da economia brasileira exige a mudança de uma cultura de cartéis para uma cultura de concorrência. Tal transformação constitui processo complexo para o qual as reflexões e evidências contidas neste livro são fundamentais.

    Gesner Oliveira

    Lista de Tabelas e Gráficos

    Gráfico 1 – Perda de bem-estar imposta pelos cartéis

    Gráfico 2 – Número de pessoas jurídicas e físicas – denunciadas por ano nos EUA por cartel – (2002-2011)

    Tabela 1 – Estimativas de sobrepreço de cartéis internacionais – em economias em desenvolvimento

    Tabela 2 – Efeito dissuasório das sanções aplicáveis a cartéis

    Tabela 3 – Multas a cartéis aplicadas nos EUA (1970-2011)

    Tabela 4 – Tempo médio de prisão e percentual de condenados – por cartel nos EUA (1990-2011)

    Tabela 5 – Matriz do dilema dos prisioneiros

    Tabela 6 – Quadro comparativo de penas para crimes – econômico-financeiros

    Lista de siglas e abreviaturas

    AC – Ato de Concentração

    ACO – Ação Cível Originária

    ACP – Ação Civil Pública

    ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade

    AGU – Advocacia-Geral da União

    ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil

    ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações

    ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica

    BTN – Bônus do Tesouro Nacional

    CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica

    CBID – Certificate of Independent Bid Determination (Declaração de Elaboração Independente de Proposta)

    CC – Conflito de Competência

    CDC – Código de Defesa do Consumidor

    CDE – Comissão de Defesa Econômica

    CF – Constituição Federal

    CIP – Conselho Interministerial de Preços

    CLBR – Coleção de Leis do Brasil

    CNI – Confederação Nacional da Indústria

    COFAP – Comissão Federal de Abastecimento e Preços

    CONEP – Comissão Nacional de Estímulos à Estabilização de Preços

    CP – Código Penal

    CPP – Código de Processo Penal

    CUTS – Consumer Unity & Trust Society (Sociedade da União e Confiança do Consumidor)

    CVM – Comissão de Valores Mobiliários

    DACAR – Divisão Anticartel e de Defesa da Ordem Econômica do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro

    d.j. – data do julgamento

    DJe – Diário de Justiça eletrônico

    DOJ – Department of Justice (Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América)

    DOU – Diário Oficial da União

    EC – European Commission (Comissão Europeia)

    ENACC – Estratégia Nacional de Combate a Cartéis

    ENCCLA – Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro

    FCPA – Foreign Corrupt Practices Act (Lei sobre Atos de Corrupção no Exterior)

    FTC – Federal Trade Commission (Comissão Federal do Comércio dos Estados Unidos da América)

    GEDEC – Grupo Especial de Delitos Econômicos do Ministério Público do Estado de São Paulo

    HC – Habeas Corpus

    IBCCrim – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais

    IBRAC – Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional

    ICN – International Competition Network (Rede Internacional da Concorrência)

    JOUE – Jornal Oficial da União Europeia

    MC – Medida Cautelar

    MF – Ministério da Fazenda

    MJ – Ministério da Justiça

    MLAT – Mutual Legal Assistance Treaty (Acordo de Assistência Jurídica Mútua)

    MP – Ministério Público

    OAB – Ordem dos Advogados do Brasil

    OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

    OFT – Office of Fair Trading (Departamento de Comércio Justo do Reino Unido)

    PA – Processo Administrativo

    PEC – Proposta de Emenda Constitucional

    P&D – Pesquisa e Desenvolvimento

    PIB – Produto Interno Bruto

    PL – Projeto de Lei

    RE – Recurso Extraordinário

    REsp – Recurso Especial

    RHC – Recurso em Habeas Corpus

    RSC – Revised Statutes of Canada (Leis Revisadas do Canadá)

    S/A – Sociedade Anônima

    SBDC – Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência

    SDE – Secretaria de Direito Econômico

    SEAE – Secretaria de Acompanhamento Econômico

    SEAP – Secretaria Especial de Abastecimento e Preços

    SICONV – Sistema de Convênio

    SLS – Suspensão de Liminar e de Sentença

    SNDE – Secretaria Nacional de Direito Econômico

    STF – Supremo Tribunal Federal

    StGB – Strafgesetzbuch (Código Penal alemão)

    STJ – Superior Tribunal de Justiça

    SUNAB – Superintendência Nacional de Abastecimento

    TCC – Termo de Compromisso de Cessação de Prática

    TJCE – Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias

    TJRS – Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

    TJSP – Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

    TPICE – Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias

    TRF – Tribunal Regional Federal

    UFIR – Unidade Fiscal de Referência

    UNCTAD – Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento

    USC – United States Code (Código de Leis dos Estados Unidos)

    USP – Universidade de São Paulo

    Table of Contents

    Capa

    Agradecimentos

    Prefácio

    Lista de Tabelas e Gráficos

    Lista de siglas e abreviaturas

    Sumário

    I. Introdução

    II. Importância da Concorrência e o Cartel como sua mais Grave Lesão

    1. Concorrência como importante ferramenta para o crescimento econômico de longo prazo

    2. O cartel como a mais grave lesão à concorrência: Nossos concorrentes são nossos amigos, o consumidor é o inimigo

    2.1 Tipos de cartéis

    2.1.1 Um caso especial: os cartéis em licitação

    2.2 Formação de cartéis e sua manutenção

    2.3 Excurso: regra per se, regra da razão e o dilema dos padeiros

    III. Tutela Criminal como Resposta Necessária à Prática de Cartel

    1. Breve nota em sede de Teoria Geral do Direito: a norma jurídica em matéria de crimes econômicos

    2. Análise econômica do Direito Penal: considerações iniciais

    2.1 Evidências do efeito dissuasório da pena

    3. Tutela criminal como ultima ratio para a repressão a cartéis

    4. Repressão criminal a cartéis no direito comparado

    4.1 Panorama geral

    4.2 Repressão a cartéis nos Estados Unidos: pena privativa de liberdade e maior probabilidade de detecção da conduta

    IV. Repressão a Cartéis no Brasil

    1. Histórico da legislação de defesa da concorrência no Brasil

    2. Esfera administrativa

    2.1 Definição do ilícito à luz da Lei 12.529/2011

    2.2 Sujeito ativo e elemento subjetivo

    2.3 Sanções

    2.4 Meios e padrão de prova

    2.4.1 Ofícios, depoimentos e o direito ao silêncio

    2.4.2 Diligência de inspeção

    2.4.3 Diligência de busca e apreensão de objetos

    2.4.4 Gravação clandestina

    2.4.5 Denúncia anônima e suas limitações

    2.4.6 A valoração das provas indiretas

    3. Esfera criminal

    3.1 Elementos do tipo penal

    3.1.1 Lei 8.137/1990

    3.1.2 Lei 8.666/1993

    3.2 Conflito aparente de normas e concurso de crimes

    3.2.1 Lei 8.137/1990 e Lei 8.666/1993

    3.2.2 Lei 8.137/1990 e Lei 1.521/1951

    3.2.3 Crime de cartel e quadrilha ou bando e o cartel como organização criminosa

    3.2.4 Crime de falsidade ideológica

    3.2.5 Excurso: o cartel como crime de furto ou estelionato

    3.3 Sujeito ativo

    3.4 Consumação do crime: crime permanente, crime instantâneo e a possível caracterização como crime continuado

    3.5 Penas

    3.6 Transação penal e suspensão condicional do processo

    3.7 Competência para processar e julgar o crime

    3.8 Prisões processuais: flagrante, temporária e preventiva

    3.9 Meios e padrão de prova

    3.10 Efeitos extrapenais da condenação criminal

    4. Interface das esferas administrativa e criminal

    4.1 Histórico da interface

    4.2 Independência das esferas administrativa e criminal

    4.2.1 A decisão do CADE como valoração subjetiva dos fatos

    4.2.2 Ne bis in idem

    4.3 Interdependência das esferas administrativa e criminal

    4.3.1 Prova emprestada

    4.3.2 Aplicação das regras de prescrição penal ao ilícito administrativo

    4.3.3 O acordo de leniência

    4.3.3.1 Teoria dos jogos, leniência e a lógica da cenoura e do porrete

    4.3.3.2 Requisitos: a corrida para tocar o sino do CADE

    4.3.3.3 Negociação e celebração do acordo

    4.3.3.4 Benefícios na esfera administrativa

    4.3.3.5 Efeitos na esfera penal e constitucionalidade do acordo

    4.3.3.6 Natureza jurídica do signatário do acordo

    4.3.3.7 Desafios do Programa de Leniência brasileiro

    4.3.3.8 Excurso: implicações ético-morais do Programa de Leniência399

    V. Proposta de Reforma do Ordenamento Jurídico Brasileiro

    1. Exclusão de pessoas físicas do polo passivo do processo do CADE

    2. Limitação da imputação penal do artigo 4.º da Lei 8.137/1990 a cartéis

    3. Compatibilização do tipo do artigo 4.º da Lei 8.137/1990 com a Lei 12.529/2011

    4. Compatibilização das sanções penais

    5. Previsão de competência federal para processamento e julgamento de cartéis com efeitos interestaduais ou internacionais

    6. Criação de Varas especializadas em crimes econômico-financeiros

    7. Indenização simples e exclusão do signatário do acordo de leniência da regra de responsabilidade solidária

    8. Sanção para divulgação indevida de informação relativa a acordo de leniência

    9. Imunidade ou redução de sanções por demais ilícitos administrativos relacionados a cartéis

    VI. Conclusões

    Bibliografia

    Apêndice I – Multas a cartéis superiores a US$ 10 milhões impostas nos EUA (1890-2012)

    Multas a cartéis superiores a US$ 10 milhões impostas nos EUA (1890-2012)

    Apêndice II – Lista das 10 maiores multas a cartéis aplicadas pela Comissão Europeia (1969-2012)

    Lista das 10 maiores multas a cartéis aplicadas pela Comissão Europeia (1969-2012)

    Apêndice III – Lista de países com repressão criminal a condutas anticompetitivas

    Lista de países com repressão criminal a condutas anticompetitivas

    Apêndice IV – Lista das sanções mais significativas aplicadas a cartéis pelo CADE (1994-2012)

    Lista das sanções mais significativas aplicadas a cartéis pelo CADE (1994-2012)

    Apêndice V – Multas aplicadas pelo CADE a sindicatos e associações ou valores pagos a título de contribuição pecuniária (2000-2012)

    Multas aplicadas pelo CADE a sindicatos e associações ou valores pagos a título de contribuição pecuniária (2000-2012)

    Apêndice VI – Processos relativos a crime de cartel no Brasil denunciado com base na Lei 8.137/1990 e em que houve prolação de sentença, transação penal ou suspensão condicional do processo

    Processos relativos a crime de cartel no Brasil denunciado com base na Lei 8.137/1990 e em que houve prolação de sentença, transação penal ou suspensão condicional do processo (processos em negrito transitaram em julgado)

    Anexo – Modelo de Declaração de Elaboração Independente de Proposta

    Modelo de Declaração de Elaboração Independente de Proposta

    Notas

    I

    Introdução

    O tema desenvolvido no presente trabalho relaciona-se à tutela criminal da prática de cartel, entendido, de forma mais geral, como um acordo entre concorrentes para fixação de preços ou quotas de produção, divisão de clientes ou de mercados de atuação.

    O trabalho procura demonstrar, partindo do arcabouço da análise econômica do direito, a necessidade de conjugação do Direito Penal, com aplicação da pena privativa de liberdade, e do Direito Administrativo, com sanção para a pessoa jurídica, de modo a que se reprima adequadamente a conduta de cartel e se faça cumprir o imperativo constitucional da livre concorrência.

    Os cartéis são considerados a mais grave lesão à concorrência e geram dois efeitos imediatos sobre o consumidor: aumento de preços e redução de oferta. O poder de um cartel de limitar artificialmente a concorrência traz prejuízos também à inovação por impedir que concorrentes aprimorem seus processos produtivos e lancem novos e melhores produtos e serviços no mercado. Isso resulta em destruição de riqueza e perda de bem-estar do consumidor e, no longo prazo, em perda de competitividade da economia como um todo.

    Contudo, valores constitucionalmente protegidos e socialmente relevantes – como é o mercado orientado pela livre concorrência – não justificam a necessidade da adoção de repressão penal como ultima ratio. Esta deveria se limitar àqueles casos em que outros tipos de sanção mostrem-se insuficientes para prevenir o ilícito. E para determinar a necessidade – uma vez superada a discussão da legitimidade – da intervenção penal nessa matéria é que se faz necessário lançar mão da teoria econômica do direito.

    A análise econômica do direito tem alguns pressupostos metodológicos dos quais destacamos dois fundamentais: em primeiro lugar, a teoria parte da premissa de que os agentes são racionais. Em segundo lugar, ela parte de uma definição particular da racionalidade humana – a de que o homo economicus age, em regra, para maximizar sua utilidade. Vale dizer, dados dois cursos de ação alternativos, a análise econômica do direito entende que o agente irá adotar aquele que, à luz das informações que tem no momento da decisão, lhe trará o maior benefício esperado, medido em termos de bem-estar.

    Nesse contexto, a análise econômica do direito é um modelo de conduta, uma categoria simplificadora da realidade. Do ponto de vista científico, portanto, sua validade está limitada à capacidade dessa categoria de antever e explicar o comportamento humano. E, a despeito de todas suas imperfeições, a teoria econômica do direito é a que tem melhor conteúdo explicativo e preditivo da conduta humana no campo dos crimes econômicos e patrimoniais. Tudo mais constante, um maior benefício esperado com o crime deverá aumentar sua incidência; um menor benefício (ou maior custo) deverá diminuir sua incidência.

    Assim, sob a ótica de um agente racional, o efeito dissuasório para uma conduta é atingido quando a sanção prevista ponderada por sua probabilidade de detecção é maior do que o benefício esperado advindo da conduta ilícita. No caso dos cartéis, a combinação desses dois fatores – gravidade da conduta e reduzida probabilidade de detecção –, cumulada com o descasamento de incentivos entre pessoas físicas e jurídicas com relação à ocorrência do ilícito, faz que seja necessário lançar mão de severas sanções – em especial da pena privativa de liberdade, dada a ineficiência das penas pecuniárias impostas à pessoa jurídica e aos indivíduos para dissuadir tal prática. O trabalho procura contribuir com essa discussão, trazendo elementos calcados na teoria econômica do direito, especialmente à luz dos incentivos que informam o comportamento dos agentes econômicos racionais. Pretende-se, assim, dar uma contribuição original, de natureza prescritiva, no campo da política criminal: justificar a pena privativa de liberdade como elemento chave para a dissuasão da prática dos cartéis.

    Com esse pano de fundo, a obra ocupa-se de pesquisar e analisar a experiência internacional e os motivos que levam um número crescente de países a dar tratamento penal à prática de cartel. No final da década de 1990, começou a haver um consenso no sentido de que as sanções administrativas ou civis até então aplicadas por diferentes países eram insuficientes para dissuadir a prática de cartel, ocasião em que foi retomada a discussão acerca da criminalização da conduta. Especial consideração será dada ao sistema dos Estados Unidos, país que adotou, desde 1890, a pena privativa de liberdade como eixo central de sua política de repressão a cartéis.

    Superadas as questões acima, tratamos da evolução da repressão criminal a cartéis no Brasil, em especial da interface entre Direito Administrativo e Direito Criminal à luz da crescente cooperação entre as autoridades administrativas e criminais brasileiras para reprimir o ilícito. Por ocasião desta obra, foi empreendida extensa e pioneira pesquisa legislativa e jurisprudencial, tanto administrativa quanto criminal, para identificar e analisar os temas que servem para informar cada sistema, como são as definições de conduta ilícita, sujeito ativo e sanções, além daqueles temas que indicam a interdependência das esferas, como prova emprestada, prescrição da pretensão punitiva do Estado e o acordo de leniência. Mais do que um passeio por diferentes temas, quis-se dar tratamento coerente à inter-relação entre as duas esferas, considerando o sistema jurídico como um todo. De mais a mais, como o eixo metodológico central do trabalho diz respeito aos (atuais e potenciais) efeitos dissuasórios de nosso ordenamento aos cartéis, é importante que possamos entender como os diferentes institutos dos direitos administrativo e penal interagem para compor o arcabouço de detecção da conduta e aplicação das leis que, no fim e ao cabo, determinam se e como o agente será sancionado.

    Ao final, propõe-se, de lege ferenda, à luz do quadro constitucional brasileiro, o melhor desenho do ponto de vista institucional para um eficiente sistema repressivo a cartéis. A incipiência da aplicação da legislação penal à prática de cartel no Brasil (com todos os desafios de fazê-lo em um país que ainda está em fase de construção de uma cultura de concorrência) e a política administrativa de priorizar a repressão a cartéis, dando suporte à esfera criminal, além de uma tendência global de criminalização da prática, fizeram deste o momento adequado para a confecção da presente obra.

    Cabe aqui breve esclarecimento de cunho terminológico: para fins do título desta obra e de seus capítulos, fizemos uso da expressão Direito Penal em vez de Direito Criminal, em vista da preferência do legislador pátrio e do disseminado uso da primeira expressão no Brasil. Não obstante, entendemos ser a segunda qualificadora (criminal) mais precisa que a primeira (penal) por fazer referência ao que é a razão de existir desse ramo do direito – o crime, o comportamento grave e socialmente indesejável – em vez de referir-se à consequência prevista pelo ordenamento jurídico – a pena.

    Por fim, ao longo do texto procuramos tratar os temas de forma que pudessem ser bem compreendidos pelos operadores tanto do Direito Concorrencial quanto do Direito Penal. Por conta disso, é inevitável que especialistas de uma ou outra área se deparem com alguns conceitos básicos com os quais já estejam familiarizados.

    II

    Importância da Concorrência e o Cartel como sua mais Grave Lesão

    1. Concorrência como importante ferramenta para o crescimento econômico de longo prazo

    Concorrência pode ser definida como o processo de rivalidade entre os agentes de mercado, que pode se expressar em termos de preço, qualidade, diversidade ou qualquer outra variável comercialmente relevante. É o estado em que forças de mercado agem livremente com o objetivo de garantir que os limitados recursos da sociedade sejam usados da forma mais eficiente possível, maximizando o bem-estar social.

    Quanto mais próximo estiver determinado mercado do estado de concorrência perfeita, menor será a diferença entre os preços praticados pelo produtor e seus custos marginais. No limite, em um mercado perfeitamente competitivo, o preço é fixado no ponto em que este se iguala ao custo marginal de produção (incluída a remuneração de seu custo de capital). Vale dizer, em um ambiente de concorrência perfeita, os preços cobrados dos consumidores são apenas aqueles necessários à remuneração do capital empregado na produção – nada mais, nada menos.

    Cinco são os pressupostos de um mercado perfeitamente competitivo: (i) inexistência de informação assimétrica entre consumidores e produtores; (ii) inexistência de economias de escala de longo prazo; (iii) maximização pelos consumidores de sua própria utilidade e pelos produtores de seu lucro; (iv) atuação de produtores como tomadores de preço; e (v) regulação efetiva de oferta e demanda por meio de preços.¹ Na ausência de custos de entrada e saída significativos, pode haver concorrência perfeita mesmo em mercados em que apenas um agente oferte produtos e/ou serviços. Isso porque a entrada de outros agentes é vista como iminente caso o agente em questão pratique preços de monopólio, funcionando como pressão para garantir um mercado com características competitivas. Nesse ambiente de concorrência perfeita (ainda que potencial), os recursos disponíveis na economia são alocados aos usos que melhor refletem as preferências dos consumidores.

    No mundo fora dos livros-textos, é virtualmente impossível presenciar um mercado perfeitamente competitivo. Em vista disso, costuma-se fazer referência ao conceito de concorrência viável,² estrutura de mercado em que a concorrência, apesar de imperfeita, é suficiente para assegurar um nível satisfatório de eficiência.

    É altamente disseminada a noção de que concorrência mantém os preços próximos aos custos marginais de produção, mas também há hoje um consenso, baseado na evidência empírica, no sentido de que os ganhos de bem-estar resultantes da eficiência estática são tipicamente pequenos.³ Se as ineficiências de caráter estático – a perda de bem-estar resultante das distorções impostas aos mecanismos de preço pela existência de poder de mercado – não são tão significativas, por que então a concorrência ganhou protagonismo tão agudo no cenário internacional, integrando qualquer debate atinente ao conjunto de reformas institucionais voltadas ao desenvolvimento? A resposta encontra-se em outro tipo de eficiência: a eficiência de caráter dinâmico. Tão ou mais importante do que os efeitos sobre preços é o impulso à inovação que a concorrência pode provocar.⁴ E a inovação, por sua vez, é considerada por muitos trabalhos como um dos componentes essenciais para o desenvolvimento de qualquer economia.⁵-⁶

    No longo prazo, há três fontes a partir das quais uma economia passará a produzir mais: (i) um aumento no número de trabalhadores ou na qualificação da força de trabalho (i.e., aumento no capital humano), (ii) um aumento no estoque de capital físico (e.g., maquinário, instalações), e (iii) um aumento na efetividade da combinação entre os dois primeiros fatores, a que chamamos produtividade. O primeiro fator – o aumento na força de trabalho – por definição não poderá aumentar a riqueza por trabalhador. Afinal, se a economia cresce apenas porque mais trabalhadores foram incorporados, o denominador (número de trabalhadores) cresce exatamente na mesma proporção do que o numerador (riqueza produzida) na nossa fração. Já o segundo fator – o estoque de capital físico – pode produzir saltos significativos no bem-estar dos cidadãos, mas apenas de forma temporária. A intuição aqui é a seguinte:⁷ a introdução de uma máquina em uma linha de produção pode gerar incrementos substanciais no resultado dos esforços de um trabalhador (imagine a costura antes da invenção da máquina de costura); mas, a partir de certo ponto, a introdução de mais uma máquina não o ajudará muito (imagine uma única costureira com três máquinas de costura. Quantas peças a mais serão tecidas? É razoável supor que nenhuma). Por fim, o terceiro fator – a produtividade – não está associado a um aumento no número de trabalhadores nem de maquinário, mas sim ao aprendizado e à melhora da interação entre os dois (pense na costureira que aprende a usar a máquina de costura cada vez melhor: economistas industriais chamam esse processo de learning-by-doing). Esse terceiro fator não está limitado ao estoque de capital físico e tampouco humano. Por isso mesmo é o mais importante no longo prazo e o maior responsável pelo aumento do bem-estar per capita das economias.

    Apesar das nuances e diferentes vertentes de pesquisas que estudam a inter-relação entre concorrência e desenvolvimento econômico,⁸ a grande maioria deles encontra relação nada desprezível entre concorrência, de um lado, e inovação, produtividade e progresso tecnológico, de outro (ainda que condicionada à concorrência em seu ponto ótimo⁹). Com efeito, parece-nos que, se o fomento à concorrência não está presente na configuração institucional de uma determinada economia – definida a partir do arcabouço de institutos jurídicos, regras, regulamentos e práticas de seus agentes –, dificilmente ganhos expressivos de bem-estar social serão colhidos ao longo do tempo. Assim, ainda que por motivos diversos daqueles vociferados pelos entusiastas da intervenção antitruste tradicional, uma política de concorrência deve ser vista como uma importante ferramenta para o desenvolvimento e o crescimento econômico.

    Uma questão distinta é qual seria a relação entre a adoção de uma lei antitruste¹⁰ com o crescimento econômico. Percebe-se, no geral, uma exortação do papel que uma lei de concorrência poderia ter para o desenvolvimento de um país.¹¹ Não é raro que autoridades nacionais e internacionais repliquem a ideia do papel fundamental de tal lei, quando na verdade o que é fundamental é a existência da concorrência em si. Há muitas formas de incrementar a concorrência, como redução de barreiras à entrada e medidas de liberalização da economia, e uma lei de concorrência pode ter apenas papel complementar para atingir esse objetivo, havendo aqui um problema básico de correlação e causalidade.

    Autores como Dutz & Hayri encontraram forte inter-relação entre a efetividade de uma lei de concorrência e crescimento.¹² Não se quer pôr aqui em questão o fato facilmente atestável de que jurisdições desenvolvidas como Estados Unidos, Canadá e União Europeia têm sólidos sistemas de defesa da concorrência previstos em legislação específica. Porém, o simples fato de duas variáveis serem altamente correlacionadas não quer dizer que uma leve à outra. É perfeitamente possível que o pacote de reformas institucionais no qual está incluída uma lei antitruste englobe fatores absolutamente diversos que levam, por sua vez, ao incremento da concorrência e ao crescimento. Por exemplo, suponha que um país adote um conjunto de reformas institucionais que aumente o nível de concorrência em uma economia ao reduzir as barreiras à entrada para novos agentes e ao estabelecer políticas como facilidade de acesso a crédito, o que torna os mercados mais abertos ao empreendedorismo. Suponha que esse mesmo país adote, ao mesmo tempo, um sistema tradicional de defesa da concorrência. Um estudo empírico que analisasse os efeitos sobre o crescimento e o desenvolvimento deverá ser muito cuidadoso para não se precipitar na conclusão de que foi a lei de defesa da concorrência a causa do aumento do nível de concorrência no mercado, levando eventualmente a um melhor desempenho econômico. O Brasil pode servir de exemplo nessa matéria – conta com legislação específica de defesa da concorrência desde 1962 (há leis sobre o tema desde a década de 1930, mas que tiveram brevíssima vigência) mas foi somente com a adoção de um pacote de reformas econômicas liberais, com privatização e liberalização dos mercados na década de 1990, em conjunto com uma mais moderna lei de concorrência, que os níveis de concorrência no mercado passaram a ser incrementados.¹³

    Se, de um lado, as leis não garantem per se a existência de um patamar satisfatório de concorrência na economia, de outra parte a existência de certos mecanismos normativos é importante para, ao menos, preservar a concorrência entre os agentes econômicos. No jargão dos economistas, uma lei antitruste – e, em especial, um conjunto de normas de repressão aos cartéis – não é condição suficiente, mas condição necessária para a vitalidade de qualquer economia que se queira chamar de mercado, o que nos leva ao tema central desta obra.

    2. O cartel como a mais grave lesão à concorrência: Nossos concorrentes são nossos amigos, o consumidor é o inimigo

    A frase acima, do original em inglês "Our competitors are our friends; our customers are the enemy", foi dita por um alto executivo de empresa que confessou participação no cartel das lisinas¹⁴ em reunião entre concorrentes e ganhou notoriedade por traduzir bem o espírito do cartel – o consumidor é visto como o inimigo, como aquele que pode forçar as empresas a competir – essencialmente por meio de preços mais baixos e oferecimento de melhores produtos e serviços ao consumidor.

    Cartéis são comumente definidos como acordos, ajustes ou mesmo troca de informações sobre variáveis comercialmente sensíveis entre concorrentes¹⁵ com o objetivo de alterar artificialmente as condições de mercado com relação a bens ou serviços, restringindo ou eliminando a concorrência.¹⁶ Os cartéis operam essencialmente por meio da fixação de preços ou de condições de venda, limitação da capacidade produtiva ou distributiva ou divisão de mercados ou de fontes de abastecimento.¹⁷

    Os cartéis estão associados a três tipos de ineficiências econômicas: alocativa, produtiva e dinâmica.¹⁸ A ineficiência alocativa está relacionada à alocação ineficiente dos recursos sociais, essencialmente por conta do aumento de preços e da restrição da oferta. O gráfico a seguir demonstra que, na presença do cartel, parte do que seria excedente do consumidor é transferido indevidamente para o produtor e parte não é apropriada nem pelo consumidor nem pelo produtor, havendo destruição de riqueza social (o chamado "peso morto"). É por isso que, como veremos adiante, sanções pecuniárias que recuperem os valores transferidos indevidamente do consumidor para o produtor não fazem a sociedade voltar ao estado em que estava na ausência do cartel, uma vez que parte do que teria sido apropriado pelo consumidor foi destruído pela conduta. A ineficiência produtiva relaciona-se ao fato de os agentes econômicos operarem com custos mais altos do que teriam na ausência do arranjo colusivo. Por sua vez, a ineficiência dinâmica está relacionada à perda de bem-estar social motivada pela redução dos incentivos à inovação – o cartel reduz os incentivos para que os agentes de mercado aprimorem seus processos produtivos e lancem novos e melhores produtos e serviços no mercado. Além disso, a existência de cartéis aumenta as barreiras à entrada em um mercado, tornando esses efeitos especialmente perversos.

    Gráfico 1 – Perda de bem-estar imposta pelos cartéis

    Gráfico 1

    Estudo empreendido pela OCDE considerou dados de 16 cartéis internacionais que afetaram o comércio no valor de US$ 55 bilhões de 1996 a 2000.¹⁹ Segundo o estudo, tais cartéis geraram sobrepreço que variou de 3% a 65% em relação ao preço em um mercado competitivo – o sobrepreço médio foi de 15% a 20%. Publicações da OCDE sobre o tema de cartéis trazem exemplos de sobrepreços impostos por cartéis em diferentes jurisdições, com percentuais variando de 16,5% a 70%.²⁰

    Connor fez abrangente estudo considerando dados de 770 cartéis e concluiu que tais cartéis geraram um sobrepreço médio de 25%.²¹ De 1990 a 2008, foram identificadas ao menos 6 mil empresas provenientes de 57 países condenadas por prática de cartéis, que impactaram vendas no valor total de US$ 16 trilhões.²² Connor indica que a multa média nos Estados Unidos corresponde a 10,2% do volume de vendas afetado pelo cartel, o que somado com a sanção imposta pelas ações privadas de indenização, dá lugar a 18,9% do volume de vendas.²³ Percebe-se que o nível de sanções pecuniárias aplicadas pela jurisdição mais avançada na repressão aos cartéis é insuficiente para recuperar os danos causados pela prática – o que, como veremos mais adiante, não significa que não haja dissuasão possível ou que a dissuasão socialmente ótima seja aumentar o nível de sanções pecuniárias atualmente aplicadas. Connor estimou que a receita adicional ao ano em âmbito mundial assegurada por cartéis é da ordem de 25 bilhões de euros.²⁴

    Há vários estudos econômicos voltados ao cálculo dos danos causados por cartéis em economias em desenvolvimento, dos quais se destacam dois. O primeiro deles, de autoria de Levenstein & Suslow,²⁵ aponta que, em 1997, os países em desenvolvimento importaram US$ 54,7 bilhões em bens que foram objeto de acordos de cartel na década de 1990. Essas importações representaram 5,2% do total de importações naquele ano e 1,2% do produto interno bruto dos países da amostra. O economista Yu²⁶ empreendeu estudo semelhante sobre o impacto de cartéis internacionais em economias em desenvolvimento. A tabela a seguir indica o percentual estimado por Yu de sobrepreço imposto aos países em desenvolvimento por quatro conhecidos cartéis internacionais.

    Tabela 1 – Estimativas de sobrepreço de cartéis internacionais – em economias em desenvolvimento

    Fonte: YU,

    Yinne. The impact of private international cartels on developing countries. Stanford University Department of Economics, 2003. p. 13.

    Um dos principais objetivos das autoridades antitruste deveria ser quantificar os danos causados por cartéis – essa informação é um indicador da gravidade da conduta e dará maior suporte público para sua repressão. Diante das dificuldades óbvias de se proceder a esse cálculo, determinar os ganhos do cartel por parte de seus membros pode dar, alternativamente, uma dimensão da extensão dos danos causados pela conduta, ao ser um indicativo da transferência indevida de renda entre consumidores e produtores. Mesmo este é um exercício difícil, geralmente evitado pelas autoridades, ainda que haja previsão legal para tanto em vários sistemas normativos.²⁷

    Como procuramos demonstrar acima, os cartéis são práticas pelas quais os produtores extraem renda do consumidor de forma ilícita. Além disso, ao eliminar ou reduzir os benefícios da concorrência, os cartéis impõem prejuízos à sociedade: custos maiores, recursos alocados de forma ineficiente e empresas que não inovam, tornando a economia pouco produtiva – esses resultados tornam a prática colusiva a mais grave do direito antitruste²⁸ e, de forma geral, uma das condutas mais lesivas à ordem econômica. Para que possamos tratar, com a profundidade necessária, da repressão aos cartéis, faz-se necessário que analisemos, ainda que brevemente, os diferentes

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1