A Estrela Cadente
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A Estrela Cadente - Ubiratan Jardson Dos Montes
Ubiratan Jardson dos Montes
A ESTRELA CADENTE
1ª Edição
Rio de Janeiro
2016
À você caro leitor, que prestigia o meu sonho de
escrever.
O entardecer em uma praia é sempre muito bonito e
Mangaratiba não foge à regra. É gratificante observar o sol se
escondendo no horizonte e tingindo de vermelho as águas do mar.
A figura de uma gestante passeia ao longe, contra a tela do céu
carregado de nuvens. A figura se torna negra como uma sombra
lúgubre, devido ao ângulo em que tocam o seu corpo, os últimos
raios do astro rei...
Destaca-se na imagem distante, a enorme barriga da mulher,
denotando que a chegada do bebê é pra logo...
Tereza Bitencourt – esse é o nome da grávida – caminha devagar
pela praia, enquanto remói na mente, a situação em que ficará sua
vida daqui para diante. Ela tem muito assunto para moer e remoer na
cabeça, devido aos recentes e trágicos acontecimentos que vivenciou.
Pensar bastante, antes de se tomar uma decisão sobre algum
problema, até que é um procedimento bem saudável, embora para
Tereza não haja muito que decidir, pois no seu caso, tentar mudar o
rumo natural das coisas, é como procurar chifres em cabeça de
cavalo.
A vida dela está, praticamente, decidida e decidiu-se por si
mesma, pois Tereza não teve como influenciar o vendaval que
passou por ela e por um bocado de gente próxima, soprando
violentamente e arrastando a todos como se fossem folhas indefesas,
com as quais o vento pinta e borda.
A gestante ainda não se recuperou de um forte choque recebido,
por conta da morte abrupta e, relativamente, recente do marido. Ela,
no caso, não passou de mera espectadora dos terríveis
acontecimentos que culminaram com o triste desenlace, muito
embora tenha protagonizado uma significativa parte da trágica trama.
O fato de Tereza haver protagonizado importante parcela da
tragédia que ceifou o marido, não significa que ela o tenha
assassinado. Que o tenha mandado assassinar ou coisa semelhante.
Ela sabe que, quanto à morte física de Sérgio, nada lhe pode pesar na
consciência, mas quanto à chaga moral que se instalou na alma do
rapaz e que o empurrou a largos passos para o fim...
De palpável mesmo e no que tange à justiça dos homens sobra
apenas o fato, inquestionável, de que o Dr. Sérgio era uma pessoa
doente, o que lhe acarretou uma morte estúpida e inesperada. À
viúva, só resta assumir a generosa pensão deixada pelo marido, assim
como alguns bens nada desprezíveis...
Uma bela casa em Mangaratiba, por exemplo...
Conveniente, muito conveniente para ela o falecimento do Dr
Sérgio, inclusive para a situação da criança que vai nascer, da qual o
defunto não era o pai biológico.
... Não era, mas como bateu as botas, passou a ser...
– pensa a
viúva, quase em voz alta – "... Agora o filho é dele e pronto!
Ninguém tem moral pra questionar nada...".
A moça para de frente ao mar, e começa a dar vazão às
lembranças, ainda sem bem atinar com as conseqüências dos recentes
acontecimentos. O fato é que a criança agora é – oficialmente - filho
do falecido e ela, a viúva, é a indiscutível herdeira do que ele deixou.
Embora o defunto tenha deixado, também, uma bela casa em
Realengo, não é intenção da viúva sair de Mangaratiba. Ela tem
raízes bastante profundas e certo interesse - muito especial e com
olhar de esmeralda - nesse cantinho da Rio-Santos. Porém é em
Realengo que se concentra tudo o que o falecido mais gostava nesse
mundo, e tudo pelo que muito lutou e trabalhou.
Repentinamente, como se fora um relâmpago, o céu é riscado por
uma luz fina e veloz, que vem do espaço e parece entrar no mar, bem
diante dos olhos de Tereza. A estrela cadente faz com que sua mente
se encha de lembranças que transbordam pelos olhos e descem pela
face, em forma de uma gota de lágrima.
A estrela cadente é o símbolo mágico das recordações e ela não
respeita a vontade de ninguém. Ela impõe a sua vontade aos seres
humanos e, cada pessoa, relembra apenas o que o infinito deseja que
ela relembre e não, exatamente, o que essa pessoa deseja relembrar.
É por isso que existe o remorso.
Aquela lembrança indesejável e dorida...
... Que não pede licença para se instalar, mas se instala...
... Que machuca...
Assim são as lembranças de um lugar chamado Realengo...
Tereza não quer se lembrar daquele lugar... Mas não adianta. Se
fora ela - a gestante - a verdadeira dona dos próprios sentimentos e
sobre sua mente controle pudesse exercer, o Realengo – certamente -
não existiria... O mundo, assim como é, também não existiria!
Para Tereza, o único lugar que vale a pena existir se chama
Mangaratiba, mas acontece que o Realengo existe e não há como
impedi-lo de existir...
A estrela cadente também existe – para trazer lembranças
indesejáveis - e não respeita ninguém; muito menos uma pobre
gestante que vive sonhando com um namorado de olhos verdes, em
uma praia lamacenta do Rio de Janeiro.
A moça começa, então e inevitavelmente, a se lembrar do
Realengo...
Em Brasília são dezenove horas...
Anuncia a Voz do Brasil, no rádio portátil de uma mocinha, que se
apressa a desligá-lo.
- Está na hora de iniciarmos os trabalhos da noite de hoje, anuncia
o Dr Sérgio Bitencourt, o dirigente do centro espírita Nosso Lar, em
Realengo...
O centro espírita Casa de Caridade Nosso Lar
, nada mais é do
que um lugar comum, com cara de residência familiar, encravado na
Rua do Imperador.
Uma casa muito simples – enquanto construção – sendo na sua
simplicidade, apenas mais um prédio igual a todos os outros, que
existem naquela rua pobre, de um bairro paupérrimo do Rio de
Janeiro, chamado Realengo...
Há quem diga que a única coisa que faz com que alguém possa se
lembrar a existência do Realengo é uma música antiga do Gilberto
Gil, onde ele diz assim: Alô, alô Realengo, aquele abraço...
.
Dizem, até, que ele só usou a palavra Realengo para rimar com
Flamengo, pois através da dita música o grande compositor baiano
deseja homenagear a poderosa torcida do rubro negro carioca.
Mas não é bem assim... Na verdade, Gilberto Gil está mandando
um abraço através da canção - muito bonita por sinal – para o seu
amigo, e também popular artista baiano, Caetano Veloso, que se
encontrava preso em um quartel do exército, no Realengo.
Na ocasião em que a melodia foi lançada no mercado nacional,
nos anos setenta, o Brasil vivia sob uma ditadura militar e Caetano
fora preso por criticar o regime. Como Gil não poderia mandar um
abraço ostensivo para um preso político, pois pareceria uma
provocação aos militares ele, inteligente, usou o recurso da sua
musica.
Onde Gilberto Gil parecia homenagear a torcida do Flamengo, na
realidade, homenageava Caetano e os militares - é claro – sabiam
disso. Estava claro que aquela musica era para Caetano e que ali
existia uma provocação velada, mas não era possível provar nada,
devido ao disfarce das, muito bem colocadas, metáforas.
Assim muitos militares, particularmente os mais jovens, além de
engolir um imenso sapo, ainda compravam o disco do Gil. Quem
mais lucrou com essa briga de cachorro grande, no frigir dos ovos,
foi um anônimo (até então) lugar chamado Realengo, que ganhou
projeção nacional.
Muito interessante é a origem do nome Realengo: Real Engenho
ou Engenho Real.
Acontece que existiu – onde hoje se localiza o bairro –