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Alentejo prometido
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E-book110 páginas1 hora

Alentejo prometido

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Sobre este e-book

“Alentejo prometido” é um road movie familiar. O autor conta-nos uma história do Alentejo através de histórias familiares e memórias pessoais. O cenário é a região do Alentejo Litoral, sobretudo o concelho de Santiago de Cacém. Entre cidades e aldeias, o road movie vai descobrindo segredos familiares enquanto tenta lançar uma nova e implacável luz sobre uma região que se afoga há décadas em lugares-comuns. A ligar todos os quilómetros desta viagem, encontramos três temas: as mulheres, o suicídio e o complexo do desenraizado. O autor é filho de alentejanos que migraram para a Grande Lisboa nos anos 60 e sempre assumiu que encontraria a sua identidade perdida numa viagem deste estilo pelo Alentejo. Será que esse velho sonho resistiu à realidade?
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de mar. de 2016
ISBN9789898838124
Alentejo prometido
Autor

Raposo Raposo

Henrique Raposo, 36 anos, casado, duas filhas. É escritor e cronista do “Expresso” desde 2008. Colaborou com a “Rádio Renascença”, “Independente”, “Público” e “Diário de Notícias”, foi editor da revista “Atlântico”, fez investigação no IDN e IPRI e ainda fez jornalismo desportivo (“Doze”). É licenciado em História e mestre em Ciência Política. Publicou “Um Mundo sem Europeus” e “História Politicamente Incorrecta do Portugal Contemporâneo”.

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    Alentejo prometido - Raposo Raposo

    Alentejo prometido

    Alentejo prometido é um road movie familiar. O autor conta-nos uma história do Alentejo através de histórias familiares e memórias pessoais. O cenário é a região do Alentejo Litoral, sobretudo o concelho de Santiago de Cacém. Entre cidades e aldeias, o road movie vai descobrindo segredos familiares enquanto tenta lançar uma nova e implacável luz sobre uma região que se afoga há décadas em lugares-comuns. A ligar todos os quilómetros desta viagem, encontramos três temas: as mulheres, o suicídio e o complexo do desenraizado. O autor é filho de alentejanos que migraram para a Grande Lisboa nos anos 60 e sempre assumiu que encontraria a sua identidade perdida numa viagem deste estilo pelo Alentejo. Será que esse velho sonho resistiu à realidade?

    Henrique Raposo

    Henrique Raposo, 36 anos, casado, duas filhas. É escritor e cronista do Expresso desde 2008. Colaborou com a Rádio Renascença, Independente, Público e Diário de Notícias, foi editor da revista Atlântico, fez investigação no IDN e IPRI e ainda fez jornalismo desportivo (Doze). É licenciado em História e mestre em Ciência Política. Publicou Um Mundo sem Europeus e História Politicamente Incorrecta do Portugal Contemporâneo.

    Retratos*

    * A colecção Retratos da Fundação traz aos leitores um olhar próximo sobre a realidade do país. Portugal contado e vivido, narrado por quem viu – e vê – de perto.

    Alentejo prometido

    Henrique Raposo

    logo.jpglogo.jpg

    Largo Monterroio Mascarenhas, n.º 1

    1099-081 Lisboa,

    Portugal

    Correio electrónico: ffms@ffms.pt

    Telefone: 210 015 800

    Título: Alentejo prometido

    Autor: Henrique Raposo

    Director de publicações: António Araújo

    Revisão de texto: Isabel Branco

    Design: Inês Sena

    Paginação: Guidesign

    © Fundação Francisco Manuel dos Santos e Henrique Raposo, Fevereiro de 2016

    O autor desta publicação escreveu ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.

    As opiniões expressas nesta edição são da exclusiva responsabilidade do autor e não vinculam a Fundação Francisco Manuel dos Santos.

    A autorização para reprodução total ou parcial dos conteúdos desta obra deve ser solicitada ao autor e ao editor.

    Edição eBook: Guidesign

    ISBN 978-989-8838-12-4

    Conheça todos os projectos da Fundação em www.ffms.pt

    Para as minhas avós,

    para as minhas filhas,

    para a Marta

    Aonde pertencerei? De verdade e por inteiro, a parte nenhuma. A terra onde nasci tornou-se-me estranha como um teatro, quando estou nela tenho a ideia de que represento um papel. A outra, outro vivo há mais de meio século, dá-me por vezes a ideia de um navio que se afasta e me deixou no cais. Procurar outro poiso? Nem a idade mo permite nem as amarras o deixariam. Porque é isso: não pertenço, mas é muito forte o que me prende.

    J. Rentes de Carvalho

    Well, once there was only dark. If you ask me, the light’s winning.

    Nic Pizzolatto

    Índice

    Capítulo I
    Capítulo II
    Capítulo III
    Capítulo IV
    Capítulo V
    Capítulo VI
    Agradecimentos

    Capítulo I

    Dez e meia da manhã, sábado, 20 de julho, igreja de Vila Nova de Santo André, Santiago de Cacém. Quando chegámos, o casamento já tinha arrancado e o resto da família já estava dentro da igreja. Ou melhor, primas e tias estavam lá dentro, tios e primos estavam cá fora. A teologia não corre forte na família. Dentro dos possíveis, o padre cumpria o menu da manhã: casar o primo Rafael, batizar o mesmíssimo Rafael e ainda batizar a filha do Rafael, fruto da união de facto agora consagrada aos olhos da lei e de Deus. No Alentejo a Igreja tem de ser assim: portátil e flexível ao jeito de uma promoção. E também é por isso que um casamento de alentejanos dentro de uma igreja é sempre um momento de humor involuntário.

    Se a igreja de Santo André é feia no exterior, é inóspita no interior. As paredes estão nuas e pintadas num branco-marquise; não há quadros, tapeçarias, estátuas ou ornamentos de madeira; nada absorve o som, todas as palavras fazem ricochete e a inevitável cacofonia de ecos torna impossível o trabalho do padre. Ele fala, mas ninguém ouve – o que não deixa de ser uma bênção para o típico auditório alentejano. Este não foi exceção. As tias estavam ali por cerimónia, não por piedade; as primas mais novas enchiam a boca num balão de tédio e dedilhavam mensagens no telemóvel com o habitual frenesim; os namorados e amigas que ficaram em Loures, Santa Iria da Azóia, Queluz ou Lisboa tinham de ser informados minuto a minuto; as primas mais velhas tentavam controlar os gaiatos que haviam transformado os genuflexórios em pistas de carrinhos e os bancos em palcos de luta entre playmobils; um dos gaiatos, no exato momento em que o padre invocou o Pai Nosso que estás no céu, resolveu limpar o nariz com enorme denodo litúrgico, colocando de seguida o muco debaixo do banco. Não pude deixar de rir às gargalhadas. Os nossos casamentos sempre foram assim, caóticos e cómicos. Até era tradição repetir a seguinte cena: quando o noivo iniciava os seus votos (juro amar-te e respeitar-te), os primos invadiam a igreja para gritar mentiroso ou aldrabão. Estas cenas não se repetem há anos, porque alguns casaram com mulheres católicas que têm emprestado outra gravidade às cerimónias. A minha mulher é um bom exemplo. Na primeira vez em que participou num casamento da família, a Ana não escondeu a irritação perante o nosso desprezo histriónico pelo ritual. Se não acreditam, porque é que vêm casar à Igreja?, perguntou revoltada. A Igreja não é um salão de cerimónias ou um estúdio de fotografias. Hoje em dia já não se indigna, já está habituada à família pagã que lhe calhou na fava teológica. Naquele sábado em Santo André, limitou-se a encolher os ombros e a deixar cair aquele sorriso católico. Seremos salvos mesmo contra a nossa vontade, não é? Sorri de volta, dei-lhe um beijo e saí, deixando a cerimónia a meio. A nossa filha mais velha quis sair comigo, mas insisti para que ficasse.

    Cá fora, no pátio da Igreja, andei a contar cabeças e só dei por uma falta. Uma falta grave, diga-se: a Margarida, a minha prima favorita; foi trabalhar para Lisboa no final dos anos 90, tornámo-nos amigos e confidentes; não a via há muito porque está emigrada. Caminhei até à ponta do pátio para esclarecer a ausência junto do seu pai: tinha tido problemas na ligação do avião, talvez conseguisse chegar a Lisboa ao meio-dia, talvez aparecesse no copo-de-água à tardinha. Resolvido o mistério, voltei ao centro do pátio onde o meu pai, o meu irmão, tios e primos falavam do Benfica, dos novos empregos pós-ressaca da crise, dos que continuavam no desemprego, do novo sistema de rega que poupa água, da casa de turismo rural que abriu na aldeia dos avós, da época balnear que já enchia as praias da zona (Lagoa, Mil Fontes, Porto Covo, São Torpes), da outra prima que tinha emigrado para as Áfricas, dos navios titânicos que hoje em dia aportam em Sines e das formas volumétricas de uma convidada da noiva. Não, a teologia não é o forte da família.

    O humor involuntário da cerimónia relaxou-me. Os últimos dias tinham sido de ansiedade. O copo-de-água ia ser na aldeia da família, um local que eu não visitava há dezasseis anos. Em 1999, quando já não podiam estar sozinhos, os meus avós saíram da aldeia e foram morar com os filhos (meu pai e tios) emigrados na Grande Lisboa. Desde essa altura, nunca mais senti vontade de voltar aos Foros da Pouca Sorte, o nome da aldeia situada no perímetro de São Domingos, uma das freguesias interiores de Santiago do Cacém. Na verdade, nunca mais senti vontade de voltar ao Alentejo; mantive forte ligação com duas primas alentejanas, a Margarida e a Marta, mas esta dupla amizade não significou interesse pelo Alentejo. Nem a moda do turismo alentejano que crescia imparável entre amigos lisboetas me retirou deste torpor. Mas agora não tinha escapatória. O regresso estava a ser imposto pelo casamento do Rafael, um dos poucos primos que sempre viveu no Alentejo, visto que o seu pai, o tio Mário, não migrou para a Grande Lisboa. São contas fáceis de explicar: os meus avós paternos tiveram dez filhos entre 1939 e 1959; em 1965, migraram para a Cintura Industrial de Lisboa ou Margem Norte (Sacavém-Loures-Vila Franca de Xira), levando consigo os oito filhos mais novos (meu pai incluído); os dois mais velhos, Francisco e Mário, ficaram no Alentejo porque já tinham casado. Em 1979, ano em que nasci, os avós regressaram à aldeia depois de casarem o meu tio mais novo em Santa Iria da Azóia; em 1999, voltaram à Grande Lisboa para morrer. O avô Inácio morreu em 2004, a avó Diamantina em

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