Paixões Inverossímeis

De Gustavo Frisso

Augusto era fruto de suas próprias frustrações, decepções amargas demais para serem sentidas em uma vida tão jovem e deveras passageira. Ilda apodreceu, como fruto, como mulher, como uma história contada e já esquecida por aqueles que contaram e por aqueles que escutaram. Um homem e uma mulher verdadeiramente unidos, por fios tão efêmeros, tênues e únicos, que era imperceptível a ligação gerada pelos dois. Ambos tão íntimos, e tão distantes, quiçá agora próximos até demais. Os dois nunca chegaram a se encontrar, mas se encontraram tantas vezes. Na verdade, Augusto encontrou a Dona Ilda, ela, já cabisbaixa pela idade, um pouco ausente em memórias ou curiosidades alheias, nunca soube sobre a sua existência. Eles tinham muito em comum. E o único momento compartilhado nos suspiros finais daquelas duas vidas foi marcado por trinta e oito segundos. Primeiro partiu Augusto. Trinta e oito segundos depois foi a Dona Ilda. Mas essa história não é sobre a partida de Augusto ou sobre a triste e previsível parada cardiorrespiratória de Dona Ilda. Essa é a história das possibilidades da vida e da morte.

• Idioma: Português
• Editora: Bibliomundi
• Data de lançamento: 28 de ago. de 2020
• ISBN: 9781526026989

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Paixões inverossímeis

Augusto era fruto de suas próprias frustrações, decepções amargas demais para serem sentidas em uma vida tão jovem e deveras passageira. Ilda apodreceu, como fruto, como mulher, como uma história contada e já esquecida por aqueles que contaram e por aqueles que escutaram. Um homem e uma mulher verdadeiramente unidos, por fios tão efêmeros, tênues e únicos, que era imperceptível a ligação gerada pelos dois. Ambos tão íntimos, e tão distantes, quiçá agora próximos até demais. Os dois nunca chegaram a se encontrar, mas se encontraram tantas vezes. Na verdade, Augusto encontrou a Dona Ilda, ela, já cabisbaixa pela idade, um pouco ausente em memórias ou curiosidades alheias, nunca soube sobre a sua existência. Eles tinham muito em comum. E o único momento compartilhado nos suspiros finais daquelas duas vidas foi marcado por trinta e oito segundos. Primeiro partiu Augusto. Trinta e oito segundos depois foi a Dona Ilda. Mas essa história não é sobre a partida de Augusto ou sobre a triste e previsível parada cardiorrespiratória de Dona Ilda. Essa é a história das possibilidades da vida e da morte.

Ilda nasceu e teve como berço a grande cidade de Belém. E de lá criou raízes finas demais, manteve-se ali até a decisão de seu pai. A companhia não vai muito bem, falava Antunes, um dos pródigos empresários da cidade. Talvez fora esse respeito por seu pai a sua principal herança e aprendizado ainda quando criança. Como esperado, a grande companhia comercial de seringueiras perdia a cada ano lucros exorbitantes e deixava para a cidade belenense as mazelas de seu deterioramento. O desemprego, fincado ainda na esperança da recuperação da companhia, espalhava-se nitidamente pelos bairros operários daquele lugar. Mas Ilda não sentiu esses efeitos. Continuou crescendo e se constituindo como uma mulher cujo sobrenome já não representava mais tanta admiração. Antunes esforçou-se para não perder seus últimos suspiros de capital e tomou a segunda decisão mais difícil de sua vida, partir para o Rio de Janeiro, onde seu irmão, Lucimar, detinha ainda uma companhia de importação de chás. Antunes partiu, carregando em seus braços trêmulos o peso da solidão. Eram Antunes e Ilda nesse mundo, Delfina, sua mãe,